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All-Line Executive

29/10/2019

Quem vai ficar com Missi?

Justiça e sociedade concordam cada vez mais, pets têm a importância de filhos na hora do divórcio    

"Um afastamento brusco seria injusto e causaria muita tristeza a todos, inclusive para a Missi" (Arlene, "mãe" da Missi) "(No divórcio) Deve-se levar em consideração quem terá mais condições e tempo para ficar com o animal" (Lisiane Coelho Borges, advogada) "Se o cão é orientado e conduzido com calma, clareza e persistência, as mudanças são enfrentadas facilmente" (Tanara Ribeiro, Bióloga Comportamentalista Canina)

Ao chegar em casa, após um festival de música, Arlene e o então namorado encontraram Missi deitada ali, com fome, frio e expressão triste. Missi “adotou” os dois. A cachorrinha acompanhou bons momentos do casal. No momento da separação, ela foi tratada com respeito e afeto. “Um afastamento brusco seria injusto e causaria muita tristeza a todos. Até hoje, ela nos enche de alegria e amor, mesmo diante dessa nova realidade” conta Arlene, que mora com “a filha”. A cada 15 dias, Missi passa um final de semana com o “pai”.  Uma separação amigável com a decisão tomada em conjunto, não é uma unanimidade entre os ex-casais. Mas a Justiça tem buscado ter o mesmo entendimento nos divórcios litigiosos.

“O judiciário tem analisado, usualmente, o bem-estar do animal, quando este passou a ser parte da família. Tem concedido a guarda compartilhada, se possível uma convivência entre os ex-cônjuges ou companheiros, e, caso nisto exista benefício ao animal. Ou, ao menos, determinado guarda unilateral a um ex-companheiro ou cônjuge, e visitas ao outro”, explica a advogada Lisiane Coelho Borges. No caso de Missi, ainda que o Código Civil a considere um “bem”, ela teve o privilégio de continuar recebendo atenção de “pai e mãe”. A história foi tratada pela via do afeto, mais do que da Justiça.

Para o Código Civil, os animais, domésticos ou não, são tratados como bens móveis semoventes, ou seja, não há qualquer consideração sobre personalidade ou afeto. Ao pé da letra, são como qualquer bem, “uma coisa” que pertence a seu proprietário. Porém, na prática, os animais se tornaram membros da família. Acompanham casais no início da vida a dois como “teste” para ter o filho humano, ou, simplesmente, para ser o filho oficial. O amor e o carinho que os donos dedicam aos pets são similares à relação de pais e filhos. Se o amor de pai e mãe é algo inseparável e os pets e donos compartilham legitimamente desse mesmo afeto, com quem deve ficar o animal diante da separação do casal? Como lidar com a mudança? A guarda será compartilhada? Quem assume as despesas? Nesses casos a Justiça tende a tratá-los como aos humanos.

A negociação deve levar em conta ainda a questão de morar de aluguel, a permissão para manter animais em condomínio, as restrições de tamanho ou acesso, a viabilidade de o tutor manter uma rotina que inclua o pet. “Cães são muito ligados às pessoas e à rotina que levam, porém, eles têm uma incrível capacidade de adaptação a mudanças”, afirma Tanara Ribeiro, Bióloga Comportamentalista Canina. Para ela, finais felizes trazem tranquilidade, essencial para a saúde do animal. “Se o cão é orientado e conduzido com calma, clareza e persistência, as mudanças são enfrentadas facilmente e o estresse, que pode ser gerado da adaptação a uma nova rotina, é amenizado”, explica. O contrário também é verdadeiro: “Cães em situações de estresse, nas quais as pessoas não sabem como proceder, acabam manifestando os temíveis problemas de comportamento, como fazer xixi pela casa toda, latir constantemente enquanto está sozinho e/ou ficar agressivo como intenção de proteger o tutor deprimido”.

Conforme Lisiane a legislação em vigor, até o momento, não tem nada oficial que, efetivamente, regre a questão dos animais após divórcio ou dissolução de união estável. Ainda, devido a isto, existem os chamados “conflitos de competência”, onde as próprias Varas Cíveis ou de Família discutem o assunto, ou sobre quem deveria julgá-lo. Para ela, embora os animais estejam como “bens” no Código Civil Brasileiro, é fato que há uma relação de afeto entre eles e seus tutores, e que estas relações surgem dentro de um núcleo familiar. “O direito deve ser uma ferramenta para acompanhar as interações e relações que surgem ao longo dos anos em nossa sociedade e resolvê-las, conforme necessidade. Por conta disto, mesmo sem uma legislação específica, o judiciário tem auxiliado e, em especial, por meio de analogia, providenciado o regramento de casos onde existe acordo do ex-casal sobre a guarda compartilhada do animal, quando ambos estão dispostos a seguir participando da rotina dele”, explica.

Quando há a separação de um casal com pet, é importante entrar em consenso sobre a pequena vida que tanto trás alegrias no cotidiano. A melhor maneira de chegar a um acordo é priorizar o mesmo sentimento que promove a discussão: entender o pet, afetivamente. “Deve-se levar em consideração quem terá mais condições e tempo para ficar com o animal (onde será a nova morada do pet, a disponibilidade de espaço para ele, e a relação das pessoas com os animais”, lista Lisiane.

Com o passar do tempo, ter um pet como membro da família, será ainda mais corriqueiro. Isso deve motivar a legislação brasileira a redefinir que um pet não é apenas um “bem”. Eles são fonte de amor, de companheirismo e até podem fazer parte de tratamentos terapêuticos. Independentemente da decisão do casal sobre o destino do animal, a situação envolve uma carga emocional muito grande. Apesar disso, é preciso focar em manter uma rotina saudável, com exercícios, alimentação balanceada, brincadeiras e descanso para que o pet se adapte da melhor forma à nova vida. Se for perto dos dois tutores, melhor ainda.

Texto | Caroline Recuche - Edição | Marcelo Aramis e Caroline Pierosan