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28/03/2020

A Inovação Em Ação Na Serra Gaúcha

Caxias do Sul ganhará um centro de inovação para conectar e fomentar o ecossistema da região

Fruto dessa mobilização coletiva, nasceu a Associação de Inovação e Tecnologia - Habit "O que está faltando aqui na Serra é uma conexão entre todos os movimentos de inovação. O propósito do Habit é conectar essas iniciativas" (Juremir Milani) Quem está na liderança do projeto atualmente é o empreendedor, investidor e integrador Juremir Milani, que ocupa a presidência da Associação e também do Trino Polo - Polo de TI da Serra Gaúcha A associação tem como propósito promover uma mudança de cultura na região, aglutinar forças para conectar pessoas e organizações no fomento da inovação e viabilizar um centro de inovação para Caxias "Temos inúmeras iniciativas na região, mas num modelo de escassez. Precisamos de uma inovação mais aberta e que englobe todos os atores da comunidade" (Juremir Milani)

Um importante movimento vem sendo articulado e está ganhando força na Serra Gaúcha desde 2019, liderado por um grupo voluntário de lideranças, empreendedores e pessoas da comunidade que se uniram para trazer para Caxias do Sul um centro de inovação. Fruto dessa mobilização coletiva, nasceu a Associação de Inovação e Tecnologia – Habit, formalizada em dezembro por 33 fundadores, sendo 26 pessoas físicas e sete jurídicas. A associação tem como propósito promover uma mudança de cultura na região, aglutinar forças para conectar pessoas e organizações no fomento da inovação e viabilizar um centro de inovação para Caxias, que poderá ser replicado em outros municípios da região – seguindo o modelo da Associação Catarinense de Tecnologia (ACATE), com sede em Florianópolis, que se tornou referência no Sul do país.

Quem está na liderança do projeto atualmente é o empreendedor, investidor e integrador Juremir Milani, que ocupa a presidência da Associação e também do Trino Polo – Polo de TI da Serra Gaúcha. Conversamos com ele para entender como está acontecendo essa construção coletiva e que benefícios o centro de inovação trará para o ecossistema de Caxias e da região.

Adriana Schio: Como podemos definir um ecossistema de inovação?

Juremir Milani: Ecossistema é o ambiente onde as pessoas, empresas e poder público estão inseridos e como se inter-relacionam. Essa rede de conexão entre os atores é que chamamos de ecossistema. Quando começaram os primeiros movimentos de inovação era uma tríplice hélice: empresas, poder público e instituições de ensino. Um estudo mais atualizado incluiu uma quarta pá, que é a comunidade, porque se entendeu que ela está presente nas outras três hélices. É o que se percebe hoje: as empresas mais avançadas têm produtos mais voltados para a comunidade do que para a própria empresa. A comunidade tem voz mais ativa. E as empresas de maior destaque e com maior potencial futuro são as que entregam mais valor para a comunidade.

Qual a importância de um país, um estado e uma região terem o seu ecossistema de inovação vivo, atuante e fortalecido?

Primeiro é uma questão de sobrevivência. Já ouvimos muito falar nisso e até já tivemos personalidades internacionais que estiveram em eventos aqui na Serra e que disseram que a empresa ou pessoa que não inovar morre. Então é uma questão de sobrevivência, seja em qualquer estágio, porque existem várias formas de inovar, mas em qualquer estágio ela está ancorada na sobrevivência. Quando pensamos em um ecossistema para a comunidade, tem que pensar em alguma coisa que faça a comunidade sobreviver, como melhoria da qualidade de vida, de percepção salarial, de renda per capta, de ensino mais qualificado. Para a comunidade sobreviver, a ideia é que ela entregue mais valor para as empresas e essas alavanquem a comunidade à sua volta. Isso é um movimento um pouco contrário ao capitalismo, que é concentrador de renda, e a ideia de um ecossistema de inovação ou de uma comunidade mais baseada na abundância do que na escassez tem um cunho de dividir mais o capital. É uma divisão maior da renda, mas por mérito. Ou seja, a pessoa que entrega produtividade tem uma percepção de renda maior sobre essa produtividade. No modelo de abundância, quanto mais você entregar, mais você percebe valor.

Como está o ecossistema de inovação na Serra Gaúcha?

Juremir: A nossa região sempre foi empreendedora no seu DNA. Vemos esse empreendedorismo sobrevivendo. Muitas empresas vão quebrar e se transformar, mas por termos esse DNA empreendedor, conseguimos passar por cima dos obstáculos. Existe na região um movimento muito forte, várias frentes, grupos e projetos de inovação. Temos inúmeras iniciativas, mas de certa maneira num modelo de escassez, ou seja, faço a inovação para mim, para a minha empresa, para o meu grupo de amigos. É isso que temos trabalhado para mudar. A gente precisa uma inovação mais aberta e que englobe todos os atores da comunidade.

Caxias do Sul está inserida neste mesmo contexto ou se diferencia na região?

Caxias, por ser a maior cidade da Serra, tem despontado e de alguma maneira tornou-se vitrine. Toda mundo olha para o que está acontecendo na cidade. Tivemos um período muito difícil politicamente nos últimos três anos, o que fez com que Caxias ficasse um pouco isolada e possibilitou que Bento Gonçalves e Gramado despontassem de forma natural. Como Caxias se escondeu, as outras cidades aparecem. Acredito que vamos nos tornar uma grande metrópole. Já entramos na região metropolitana da Serra e isso foi um passo bem positivo. Cada cidade tem que ter os seus atores de inovação, as suas iniciativas, mas precisamos sempre pensar como região, como estado e como país.

NOI: O que precisamos fazer para criar e fortalecer a cultura e o mindset da inovação na região?

Juremir: Viemos de uma cultura empreendedora e de escassez. Há uma máxima na região: temos sucesso porque olhamos para o vizinho e queremos algo melhor. Isso nos impulsionou dentro de um comportamento baseado na escassez. Quando se muda o comportamento para a abundância, não se tem mais um vizinho concorrente. É mais fácil colaborar com o vizinho e crescer juntos. Vemos isso acontecer em outras regiões que fomos conhecer fora do nosso meio, do estado e até do país. Esse movimento colaborativo e de interação entre os atores tem dado resultados mais rápidos e melhores. Então o que está faltando aqui na Serra é justamente uma conexão entre todos esses movimentos de inovação. A ideia é conectar essas iniciativas, de forma alguma substituir, o propósito é somar.

Aí entra a articulação de um grupo de voluntários da comunidade caxiense e regional, que está se mobilizando desde 2019 para trazer para Caxias do Sul um centro de inovação, o Habit? Qual o propósito desta iniciativa?

O Habit é uma associação formal de empresas e pessoas para materializar um centro de inovação. O que significa isso? Construir um prédio? Não, é muito mais do que isso. A ideia é que todas essas ações e movimentos de inovação tenham um ponto de conexão comum. Eles vão continuar existindo, mas o Habit representa a materialização dessas inovações. O Habit nasceu de uma demanda. Nós tínhamos ideia de construir um centro de inovação, mas não sabíamos se a comunidade estaria realmente entendendo isso como uma necessidade. Então nos reunimos com a ACATE para que ela trouxesse um grupo de pesquisadores da UFSC para pesquisar com os atores da região, com as pessoas e as empresas o que realmente poderia trazer valor e potencializar a inovação. Nessa pesquisa ficou claro que todo mundo enxergava que um centro de inovação pode ser uma dessas engrenagens para maior potencialização da inovação. O centro de inovação nada mais é do que colocar todos os atores dentro de um espaço onde eles colidem, conectam-se e trocam ideias. Sabemos que as ideias que dão certo hoje não são as individuais, mas aquelas que se unem e surge uma ideia maior. A gente entende que o centro de inovação oportuniza e potencializa o choque dos atores para que todos possam estar inseridos na inovação. Ele entrega um ambiente propício e que favorece a colaboração. As empresas maiores da cidade já fazem isso e sempre fizeram. Queremos popularizar isso, para ser alcançável por qualquer ator do nosso ecossistema.

O que o Habit deve fomentar na prática e de que forma poderá auxiliar os empreendedores e as startups locais?

Justamente essa rede de colaboração. Uma startup pequena entrega um produto ou uma tecnologia que pode beneficiar mais empresas e mais microempreendedores. Assim, a startup amplia o mercado e o microempreendedor, as possibilidades. O centro de inovação vai favorecer essa coalisão. Ao mesmo tempo, o microempreendedor pode apresentar as suas dores e dificuldades e a partir delas nascer uma startup. Pode-se tanto demandar quanto ofertar um produto ou serviço.

Qual será a metodologia do centro de inovação?

Estamos trabalhando muito nos modelos da ACATE, vamos transferir essa metodologia. Vamos estar abertos para startups que tenham tecnologia, e quando falamos de startup vale não somente para a área de tecnologia da informação, mas qualquer empresa que esteja entregando algum produto ou serviço de maneira nova e diferente. Vamos fazer essa admissibilidade, receber essa startup que está nascendo e colocá-la dentro do ambiente no qual teremos mentorias nas diversas áreas: gestão, marketing, comercial, tecnologia, mercado, cultura, mudança de mindset. A partir do momento que a ideia for transformada em produto, teremos espaço para incubação. E também vamos expor essa startup para grupos de investidores, pessoas que estão alinhadas e a fim do produto que está sendo lançado. Vamos aportar smart money, para que a ideia vire realmente um produto de mercado. Teremos também o Link Lab, com empresas mantenedoras do projeto. Quando a startup é interessante, passa a entrar nesse ambiente onde ela é mentorada, pode receber aporte financeiro das empresas ou se tornar fornecedora delas. E o importante disso tudo é a neutralidade do centro de inovação, ele não vai participar ou interferir nas negociações, que acontecem entre os atores. O Habit é somente um agente de coalisão e de incentivo para oportunizar que os negócios aconteçam. Pelas experiências que colhemos, essa é a maneira para o centro de inovação ter perenidade.

Qual a estrutura física que o centro de inovação deverá ter?

Juremir: Vamos ter alguns equipamentos dentro do centro, arena para eventos, espaço para incubação e projetos, Link Lab, salas de locação e coworking para empresas que queiram estar dentro desse ambiente. Vamos trazer a metodologia já consagrada e reconhecida da ACATE para aplicar aqui e o retorno ser mais rápido.

Quais verticais ele deverá abranger?

As verticais de negócios são agrupamentos de empresas afins para entrega de um produto ou serviço. Cada vertical terá um diretor afinado com o ramo de atividade e um grupo de trabalho para fomentar a vertical. Não temos uma definição para as verticais no Habit ainda, mas estão em estudo algumas áreas que são alinhadas com a nossa comunidade, como indústria, plástico, tecnologia da informação e agronegócio.

Como o Habit será viabilizado financeiramente?

O centro de inovação é uma associação sem fins lucrativos. Então não precisa gerar lucro, apenas ter receita para cobrir os custos. Essa receita virá por meio de associados, sejam pessoas físicas ou jurídicas, e patrocinadores de gestão, que normalmente são empresas. Esses irão ajudar a bancar a estrutura. Nos projetos do Link Lab teremos mantenedores, que são empresas com potencial de capital maior e que podem bancar um projeto mais robusto. A própria associação ficará dentro do centro de inovação e também terá um custo, porque será uma locatária como as outras empresas sediadas no Habit.

E quando vamos sair da ideação para a ação, ou seja, da iniciativa para a acabativa? Em qual velocidade vocês imaginam rodar o projeto?

Aí entra a questão de cultura e de mudança de pensamento. Qual é o estágio que estamos? Hoje estamos em busca de um local para o centro de inovação. Entendemos que as entregas do Habit serão mudança de cultura, educação, capacitação, conexão e tudo o mais, mas precisamos estabelecer um local e para isso foi criado o GT de Infraestrutura. Elencamos cerca de 15 atributos que o espaço ideal precisa ter, submetemos em torno de 25 estruturas a esses requisitos e ficamos com três edificações. Agora estamos trabalhando o engajamento. Um centro de inovação precisa que todos os atores estejam engajados e compreendam esse movimento. Então o dono do prédio, o investidor imobiliário e a comunidade precisam entender o movimento. Estamos no momento de passar a ideia sobre como o centro de inovação vai funcionar e em paralelo temos o GT de Cultura e Educação trabalhando alguns eventos para que isso aconteça. Mas datas não temos ainda para passar. Avançamos bastante, até pouco tempo tínhamos um único prédio que estava dentro dos requisitos, mas que exigia um investimento alto. Agora temos outros prédios com viabilidade, que oferecem a possibilidade de começar com tamanho mais reduzido e ampliar no futuro. Isso requer um investimento menor, o que deve dar mais celeridade para a materialização da estrutura física. Precisamos de um local amplo, com facilidade de acesso e de estacionamento, que possa receber uma arena e dê uma visão de impacto.

De que forma a comunidade pode se envolver e participar do projeto do Habit?

No momento que tiver a materialização do centro, estaremos receptivos. Ou seja, todos que quiserem participar teremos eventos abertos ao público. Enquanto isso, iremos promover eventos de construção desse modelo, mostrando que as empresas e as pessoas precisam inovar.

Que dicas você deixa para quem pretende empreender com inovação?

Empreender, por natureza, exige resiliência, jogo de cintura, probabilidade de erro e resposta rápida ao erro. Existem alguns modelos hoje, como gestão ágil, prototipagem rápida, design thinking. Antes de empreender é necessário fazer um estudo para verificar a viabilidade do investimento. Isso serve para qualquer negócio, mas as maiores inovações que vemos acontecendo hoje são no modelo de negócio, ou seja, o restaurante que tem algo diferente. A tecnologia entra para tornar a velocidade de implantação e de sucesso do negócio mais rápida, ou seja, ela vai se tornar meio, e não mais produto final. A formação de mão de obra também é importante. Precisamos incutir nessa nova geração, desde o ensino fundamental, uma forma de entender a tecnologia. Estou falando de matemática básica, raciocínio lógico, robótica, lógica de programação. Tem estudos que assustam mostrando que teremos um apagão de mão de obra qualificada.

Entrevista e Fotos I Adriana Schio