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23/10/2019

Grafeno Indica Futuro Surpreendente

O material mais leve, fino e resistente do mundo, passível de aplicação em alta tecnologia, passa a ser produzido na Serra Gaúcha em escala industrial   

A partir de 2020, serão produzidos 500 quilos/ano de grafeno em Caxias do Sul. Essa será a maior produção do Brasil e da América do Sul (Foto: Cláudia Velho) A exploração das propriedades e potencialidades do grafeno o tornam revolucionário e com aplicações diversas que vão da medicina regenerativa a revestimentos avançados, compósitos, tecidos inteligentes e segurança militar (Foto: Cláudia Velho) Derivado do grafite, o grafeno é uma das formas alotrópicas do carbono (assim como o diamante, o carvão e o próprio grafite), caracterizando-se pela organização hexagonal dos átomos (Foto: Cláudia Velho) "Ao auxiliar com o desenvolvimento de soluções com grafeno e nanotecnologia para as demandas do mercado, vamos contribuir para a geração de novos negócios e de novas perspectivas para a matriz produtiva de Caxias do Sul, da região e do país, fortalecendo o desenvolvimento do ecossistema de inovação" (Diego Piazza, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Processos e Tecnologias da UCS) (Foto: Cláudia Velho)

Imagine baterias de celulares com recarga quase instantânea; componentes eletrônicos com altíssima capacidade de armazenamento e processamento de dados; tintas inteligentes com propriedades anticorrosivas, que auxiliam na captura de CO², favorecem trocas térmicas ou com características bactericidas; smart clothes que oferecem isolamento térmico; plásticos condutores de eletricidade; painéis solares ultrapotentes; ou filtros capazes de limpar águas contaminadas com petróleo. Essas soluções já passaram da ideação e são reais, graças ao grafeno. A substância, descoberta nas últimas décadas, se constitui no material mais leve, fino e resistente do mundo, com alto poder de condutividade térmica e elétrica.

Derivado do grafite, o grafeno é uma das formas alotrópicas do carbono (assim como o diamante, o carvão e o próprio grafite,) caracterizando-se pela organização hexagonal dos átomos. É considerado tão ou até mais revolucionário que o plástico e o silício. Estudos mostram pesquisas com derivados do grafeno há mais de 60 anos, após a segunda guerra mundial, quando a área de nanotecnologia começou a se desenvolver no mundo. O grafeno propriamente dito foi isolado pela primeira vez em laboratório em 2004, na Inglaterra, mas popularizou-se a partir de 2010, com o Prêmio Nobel de Física conquistado pelos experimentos dos cientistas Andre Geim e Konstantin Novoselov.

A exploração das características e propriedades do grafeno o tornam revolucionário e com aplicações diversas que vão da medicina regenerativa a revestimentos avançados, compósitos, tecidos inteligentes e segurança militar. Não é só o material mais fino já obtido pelo homem (espessura de um átomo, 1 milhão de vezes menor que um fio de cabelo), como também o mais resistente (200 vezes mais forte que o aço e superior inclusive ao diamante). A título de comparação, 3 milhões de camadas de grafeno empilhadas têm altura de apenas 1 milímetro. Como condutor de eletricidade, é tão bom quanto cobre. Apresenta também boa condução de calor. É quase completamente transparente, mas ao mesmo tempo tão denso que nem mesmo hélio, o menor dos átomos de gás, pode passar por ele. Por ser praticamente transparente e ótimo condutor, o grafeno é adequado para telas touch screen, painéis de luz e até mesmo células para captação de energia.

Complexidade e alto custo – Apesar do seu alto potencial de utilização em áreas diversas e da sua popularização após o Prêmio Nobel de Física, o desenvolvimento do grafeno não avançou como previam as expectativas iniciais. O custo elevado do material é um dos principais entraves, principalmente em escala industrial, pois estamos falando de um mercado na ordem do grama, como o ouro. No mercado internacional, o grafite é comercializado a US$ 1,2 o quilo; quando transformado em grafeno, salta para aproximadamente US$ 100 o grama. “O processo de obtenção do grafeno também não é simples. Há vários métodos de produção e cada um tem a sua complexidade, conforme a aplicação do material. E o grande detalhe é como fazer isso em escala”, observa Diego Piazza, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Processos e Tecnologias da Universidade de Caxias do Sul (UCS), considerado uma das referências nacionais no assunto.

Reservas e produção local – O Brasil possui uma das maiores reservas mundiais de grafite e responde pela terceira maior produção do mineral atualmente, sendo que Minas Gerais lidera o ranking nacional, contribuindo com mais de 70% do grafite produzido no país. Outra boa notícia é que o material passará a ser produzido em escala industrial na Serra Gaúcha pelo TecnoUCS, por meio de convênio de cooperação técnico-científica que a UCS firmou com a Universidade de Singapura e com a 2D Materiais, empresa com expertise mundial na produção do mineral. A partir de 2020, serão produzidos 500 quilos/ano de grafeno em Caxias do Sul. Será a maior produção do Brasil e da América do Sul.

“Esse convênio coloca a UCS, a Serra Gaúcha e o país na vanguarda. Queremos que o Brasil esteja no cenário mundial em termos de produção e aplicação do grafeno em escala. Ao auxiliar com o desenvolvimento de soluções para as demandas do mercado, não só com o grafeno, mas com toda a área de nanotecnologia que é extremamente vasta, vamos contribuir para a geração de novos negócios e de novas perspectivas para a matriz produtiva de Caxias, da região e do país, fortalecendo o desenvolvimento do ecossistema de inovação”, destaca Piazza.

A parceria com Singapura soma-se ao acordo de cooperação que a UCS já havia assinado, em 2018, com a Universidade Mackenzie, de São Paulo, para capacitação de pessoas e projetos de pesquisa avançada sobre o grafeno. Agora, com a produção local em escala industrial e a ampliação do apoio técnico-científico que a universidade oportunizará às empresas, as expectativas apontam para o avanço dos smart materials (materiais inteligentes) na região e no país, como a criação de novos materiais a partir do grafeno e a produção de soluções inovadores, com aplicação especialmente na área de alta tecnologia.

Comercializado em forma de pó, o grafeno dificilmente é utilizado sozinho. Na forma pura, é usado em métodos muito específicos, como produção de folhas. Sua aplicação normalmente está associada a outros materiais, podendo conversar com polímeros, metais, produtos cerâmicos e compósitos, entre outros. E por ser uma tecnologia disruptiva, alguns acreditam que ele tende a competir com tecnologias existentes e poderá substituir, inclusive, materiais com décadas de uso. Piazza discorda um pouco. “Não acredito que o grafeno irá retirar os materiais convencionais do mercado, mas vai permitir novas aplicações onde talvez não seja possível utilizar esses materiais de forma pura. Ele não veio para competir com os materiais, mas para agregar valor a eles, essa é a minha visão. Pode vir a substituir de forma eventual e parcial algum material, mas isso irá depender da aplicação”, avalia.

O fato é que, hoje, estamos vivendo, no mundo todo, um momento extremamente disruptivo e precisamos abrir a mente, mudar o mindset, e pensar em novas soluções. O grafeno é um promissor e revolucionário recurso para a quádrupla hélice do desenvolvimento - poder público, setor empresarial, academia e sociedade – repensar a forma de uso dos métodos e tecnologias convencionais e propor inovação ao mercado.

 

Marcopolo inicia Testes, Protótipos e Validações com grafeno
Algumas empresas da Serra Gaúcha começam a perceber o elevado potencial do grafeno e a dar os primeiros passos para a utilização do material nos seus produtos. Porém, tudo é ainda muito novo e incipiente, e as experiências encontram-se em fase de testes e protótipos. Procuramos algumas dessas empresas para verificar o que está sendo feito e os primeiros resultados alcançados, porém elas preferem não se pronunciar neste momento, por questões de confidencialidade do contrato assinado com a Universidade de Caxias do Sul (UCS) para a pesquisa e desenvolvimento da aplicabilidade do material. A Marcopolo é um dos grupos industriais da região que vem estudando, desde o início de 2019, o uso do grafeno na produção de componentes para os ônibus. “Esbarramos em alguns desafios. O alto custo é a primeira grande barreira, a produção precisa ganhar escala para chegarmos em nível industrial. Além disso, tem muita coisa hoje que leva o rótulo de grafeno, mas não é. A Marcopolo foi procurada por vários fornecedores e, ao fazer as análises, vimos que o material não era grafeno na condição mais pura para se obter ganhos. Outra dificuldade está na utilização do grafeno: uma camada molecular de carbono que, quando utilizado com algum componente, tende a voltar ao seu estado original. Ele aglutina e fica concentrado num ponto, então o desafio é descobrir como dispersá-lo em outro material”, pontua o diretor de engenharia Luciano Ricardo Resner. A empresa encontrou na UCS o parceiro estratégico que precisava para a troca tecnológica de informação e know-how em busca de soluções para esses e outros desafios. Em abril, assinou termo de cooperação técnico-científica com a instituição e a 2D Materiais (empresa com sede em Singapura que detém expertise na produção de grafeno). O acordo tem validade de cinco anos e prevê a contratação e o desenvolvimento de pesquisas, projetos e serviços técnicos e tecnológicos em materiais avançados, como o grafeno. A Marcopolo elegeu algumas áreas e componentes para o estudo inicial da aplicabilidade do material. Entre elas estão itens para a redução de peso dos ônibus, tintas com melhoria da propriedade de proteção à corrosão e aumento da durabilidade, e a exploração do grafeno como condutor elétrico na iluminação interna para os passageiros. Um exemplo é o suporte do porta-pacotes que fica em cima do banco de passageiros (foto), atualmente fabricado com processo de estampagem com material aço ZAR 230 – a intenção é substituir por polímero com adição de grafeno. “Tem toda uma fiação que precisa passar por ali para ligar a lâmpada de LED. Se injetarmos grafeno no plástico, na teoria pode-se eliminar toda a parte de fiação elétrica, pois são correntes baixas, e o grafeno conduziria a eletricidade pelo polímero. Num ônibus que tem quase 3 km de fios para ligar toda a parte elétrica, eliminaríamos custo, além de aumentar a segurança, pois com o tempo a fiação oxida, danifica, se rompe, exigindo reparos”, explica Resner. As pesquisas e desenvolvimentos encontram-se em fase de testes, protótipos e validações. A meta da empresa é ter alguns protótipos validados até o final deste ano e, no início de 2020, já introduzir algumas soluções no mercado, acelerando o processo ao longo dos próximos anos, à medida que os custos do material forem baixando. “O desafio ainda está em dosar os ganhos frente aos altos custos. Sei que o governo está incentivando o grafeno. Como toda nova tecnologia, é preciso incentivo, uma linha de crédito para pesquisa, isso aceleraria a pesquisa e a introdução do grafeno no mercado em escala industrial”, afirma o diretor da Marcopolo.

 

Texto | Adriana Schio - Fotos | Cláudia Velho/UCS