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30/05/2019

Trabalho e Felicidade

Domenico De Masi afirma que um vida produtiva longa, troca de controle por motivação e envolvimento criativo em cada projeto podem fazer do trabalho uma fonte de felicidade 

"Não devemos fazer distinção entre vida e trabalho, apenas buscar prazer e excelência em tudo o que fazemos". Foto: Caroline Pierosan e Domenico De Masi durante Conferência Magna do ESARH 2014 "O que talvez falte aos brasileiros é um pouco de serenidade organizacional. Eles, em geral, ainda são pouco precisos, pouco confiáveis" (Domenico De Masi) "Nenhum trabalho criativo (hoje 70% de todo o trabalho humano realizado no mundo) deve ser controlado, porque isso desmotiva"(Domenico De Masi) "É mais fácil controlar, mas a qualidade do resultado é inversamente proporcional. Só precisa controlar quem não consegue motivar" (Domenico De Masi) "A proposta do modelo pós-industrial é não saber se estou trabalhando, repousando ou me divertindo. O que eu faço é como eu vivo" (Domenico De Masi) "Não é que os pais tenham trabalhado muito e os filhos devam trabalhar pouco. O que os filhos querem é viver o ócio criativo, onde tudo se mistura: diversão, trabalho e estudo" (Domenico De Masi) "Os jovens filhos de imigrantes ou netos deveriam ter uma educação baseada nos conceitos qualitativos" (Domenico De Masi) "Temos dois tipos de necessidades: a quantitativa, representada pelo poder e posses materiais, e a qualitativa, representada pelas amizades, amor, beleza, convivência e instrospecção - que não custam nada, não se pagam com dinheiro. Precisamos dar mais importância às necessidades qualitativas porque as quantitativas levam à alienação" (Domenico De Masi)

O nome Domenico De Masi intimida pelo respaldo de dezenas de obras publicadas ao longo de suas já completas oito décadas de vida (nasceu 1 de fevereiro de 1938, em Molise, Itália). A face do novo conceito de idoso (jovial, extremamente bem relacionado e bonito) o sociólogo, professor, palestrante e escritor é um vanguardista. O criador do conceito do ócio criativo vislumbra e prega importantes mudanças para o futuro da humanidade em seu livro O Futuro Chegou.

O receio gerado pela grande admiração por sua pessoa, obra e ideias, se dissipa no momento em que o teórico oferece um simpático sorriso e afirma: “Eu amo o Brasil!”. De seu escritório em Roma, pelo Skype, Demasi atendeu à editora da revista NOI Caroline Pierosan, sendo completamente acessível e cordial. O professor entende o idioma português e domina o inglês mas prefere exprimir-se em sua bela língua pátria, o italiano*. Conversar com De Masi é certeza de muito aprendizado, boas risadas, e profunda reflexão. Acompanhe.

Caroline Pierosan: O Futuro Chegou propõe a busca de valores na história de 15 sociedades humanas precedentes para construir um modelo de vida para o mundo pós-industrial que “poderá ser feliz”. Como deve ser esse modelo?

Domenico De Masi: O Brasil é hoje o que o mundo será no futuro. Eu, que observo o país de fora, acredito que ele tem um dos modelos sociais mais extraordinários já criados pelo ser humano. O Brasil tem vários fatores que os outros países não têm como por exemplo a miscigenação entre 47 etnias, a mistura de culturas e a convivência pacífica entre elas. A cultura brasileira é uma grande força para o país, e o Brasil precisa ter consciência do poder de seu modelo, elaborá-lo e exportá-lo para o mundo.

Caroline Pierosan: Que aspectos da cultura brasileira nos aproximam da felicidade, quais nos distanciam dela?

Domenico De Masi:  O Brasil foi por 450 anos imitador da Europa, depois por 50 anos, imitador dos EUA. Não se deve imitar ninguém, mas valorizar-se. O Brasil tem senso de vida, tem ritmo e musicalidade, tem beleza nas relações interpessoais, é mais extrovertido: todos valores positivos que faltam aos norte-americanos. O Brasil é um país circundado por outros dez povos e nunca provocou Guerra com ninguém, (exceto com o Paraguai, no século XIX). É um país de cultura pacífica internamente e externamente, baseada mais sobre o tempo livre do que sobre o tempo de trabalho. O Brasil valoriza também a vida coletiva, a cultura, as festas populares, tem a propensão à antropofagia, à sensualidade e à alegria. O “jeitinho brasileiro” é positivo porque torna as pessoas mais flexíveis. O que talvez falte aos brasileiros é um pouco de serenidade organizacional. Eles, em geral, ainda são pouco precisos, pouco confiáveis.

Caroline Pierosan: O tema da sua conferência magna no ESARH 2014, realizado em Gramado, Rio Grande do Sul, Brasil, foi “Felicidade no Trabalho: um desafio possível?”. Como alcançar essa felicidade?

Domenico De Masi:  A felicidade no trabalho vem da autorealização criativa que não pode ser alcançada no trabalho unicamente braçal. Ela acontece quando se assegura aos trabalhadores liberdade, coordenação pacífica com os outros, relacionamento direto entre vida e trabalho, redução de incertezas, aumento da cordialidade recíproca e uma série de fatores que fazem com que o trabalho seja como a vida. O trabalho criativo jamais poderá ser substituido pelas máquinas e não pode ser controlado. Podem até fazê-lo mas isso não significa que será feito com qualidade. O trabalho criativo é cansativo mas é prazeroso, divertido, nos enriquece, nos faz crescer intelectualmente. Enquanto o trabalho puramente braçal deixa as pessoas mais entediadas, mais feias, menos dispostas e acredito que, menos felizes. A liberdade, a participação criativa e o resultado através da motivação, promovem a felicidade.

Caroline Pierosan: O senhor defende a substituição do controle pela motivação. Como motivar alguém a produz mais e melhor?

Domenico De Masi: As pessoas rendem o quanto são felizes! A organização clássica do grande business school norte-americano prega que as pessoas rendem o quanto são controladas, e isso é um grande erro. Nenhum trabalho criativo (hoje 70% de todo o trabalho humano realizado no mundo) deve ser controlado, porque isso desmotiva. O trabalho criativo não tem horário. Tu trabalhas também quando estás no cinema - enquanto vês um filme uma parte do teu cérebro pensa no artigo que tens que escrever. É mais fácil controlar, mas a qualidade do resultado é inversamente proporcional. Só precisa controlar quem não consegue motivar. Cada empresário deve entender a cultura do seu país, da sua região e da sua empresa. Deve-se criar um caminho brasileiro de administração adaptado à mentalidade brasileira que é diferente da mentalidade dos EUA.

Caroline Pierosan: A Serra Gaúcha é conhecida pelo apego ao trabalho. Aqui associa-se felicidade à prosperidade financeira. Que conselho o senhor daria para esses ricos descendentes de imigrantes que tendem a acumular cifras no banco e, muitas vezes, não investí-las na qualidade de vida?

Domenico De Masi: Temos dois tipos de necessidades: a quantitativa, representada pelo poder e posses materiais, e a qualitativa, representada pelas amizades, amor, beleza, convivência e instrospecção – que não custam nada, não se pagam com dinheiro. Precisamos dar mais importância às necessidades qualitativas porque as quantitativas levam à alienação. Quanto mais dinheiro tenho, mais eu quero quanto mais tenho poder, mais eu quero. Existem muitas etapas na história de um povo. A primeira é a de trabalhar muito pra melhorar as condições da família. Essa foi a fase da pobreza, dos imigrantes da Alemanha e da Itália no fim do século XIX, início do século XX.  Os filhos trabalharam menos mas continuaram a dividir dias de trabalho e dias de repouso. A proposta do modelo pós-industrial é não saber se estou trabalhando, repousando ou me divertindo. O que eu faço é como eu vivo. Não é que os pais tenham trabalhado muito e os filhos devam trabalhar pouco. O que os filhos querem é viver o ócio criativo, onde tudo se mistura: diversão, trabalho e estudo. Os jovens filhos de imigrantes ou netos deveriam ter uma educação baseada nos conceitos qualitativos.

 

"O trabalho criativo é cansativo mas é prazeroso, divertido, nos enriquece, nos faz crescer intelectualmente. Enquanto o trabalho puramente braçal deixa as pessoas mais entediadas, mais feias, menos dispostas e acredito que, menos felizes. A liberdade, a participação criativa e o resultado através da motivação, promovem a felicidade"

 

ENTREVISTA E TRADUÇÃO LIVRE I CAROLINE PIEROSAN