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23/01/2020

Um Mundo De Possibilidades

A manufatura aditiva, ou, Impressão 3D, é uma das oito tecnologias que revolucionarão os negócios num futuro muito próximo

De tênis a maquetes, calotas cranianas e órgãos humanos, inúmeras são e serão cada vez mais as possibilidades de criação e reprodução propiciadas pela tecnologia 3D 49% das indústrias brasileiras devem investir em impressão 3D nos próximos dois anos, sendo que os setores com maior tendência a investir serão o aeroespacial, gás, óleo, energia e saúde - descortinando o alto potencial desse mercado no país "Um exemplo muito presente atualmente no nosso dia a dia é a cirurgia guiada de implantodontia, que permite colocar um implante sem fazer retalho, sem abrir corte" Marcos Tomazi 
"A tecnologia virá pela web, teremos centros de impressão especializados em 3D e as pessoas irão baixar os arquivos e imprimir nas suas casas e escritórios. Vamos ter o prazer de imprimir coisas mais simples em casa." (Alessandra Pinto Nora, publicitária e professora especialista em impressa?o 3D, founder da 3DPrintingBrazil Gramado e diretora técnica da 3D Impressos) (Foto: Bruna Nora) "A tecnologia 3D vai potencializar mercados novos e dar acesso a novos empreendedores. Honestamente, espero que a impressora 3D se torne um martelo, algo que todos tenham e usem" (Emanuel Campos, engenheiro de aplicações na Alcateia Distribuidora, atua com impressão 3D desde 2000) "Com o avanço da tecnologia 3D, conseguimos hoje, de um dia para o outro, e com custo mais acessível, produzir peças que costumavam demorar às vezes um mês para serem desenvolvidas" (Gledson Machado, fundador e sócio da Prototec junto com Henrique Teixeira e Rafael Cândido)

Da confecção de protótipos e de peças em série na indústria 4.0 às mais inusitadas aplicações, como a construção de casas e pontes, reprodução de objetos decorativos, comidas, calçados e até órgãos e tecidos humanos. Tudo isso já pode ser impresso em 3D, principalmente quando o material utilizado for polímeros. Parece surreal ou cena de filme de ficção científica, mas não é! Sim, já existem hambúrguer e chocolate impressos em equipamentos 3D e projetos arquitetônicos como casas e pontes erguidos com a tecnologia.

A impressão 3D surgiu em 1984 com o nome de prototipagem rápida, utilizada até os primeiros anos de 2000. Com a evolução de processos, materiais e a redução no preço dos equipamentos, o termo caiu em desuso e passou a ser designado de manufatura aditiva, segundo a American Society Testing and Materials (ASTM) – distinguindo-se da manufatura tradicional, que passou a ser chamada de subtrativa. Mas o que é na prática a impressão 3D? O processo se dá a partir de um modelo em 3D, desenhado em software CAD ou modeladores 3D (Solidworks ou Blender), ou ainda obtido a partir da fotogrametria tridimensional (scanner 3D). Uma vez de posse do objeto, o arquivo é fatiado, ou seja, seccionado em camadas de altura pré-definidas, para gerar um plano de impressão. As fatias são enviadas para a impressora 3D que tem como base um eixo x, y e z, onde é depositado ou curado o material, camada sobre camada, controlando-se a altura e a densidade para criar um volume e, assim, replicar o objeto digital. O bico do equipamento é uma extrusora que pode extrusar, em tese, qualquer material – de plástico a fluidos, polímeros, concreto e até metal. Em função disso, a impressão 3D tem aplicação, literalmente, em todos os setores, variando apenas o processo de impressão conforme a necessidade, o material e o nível de detalhamento do objeto.

Atualmente, há dois cenários de utilização dos equipamentos de impressão 3D: desktop, usado em nível mais doméstico, em que o custo de modelos nacionais e importados pode variar de R$ 1 mil a R$ 60 mil; e industrial, com equipamentos que exigem energia trifásica e partem de USD 30 mil, podendo chegar a mais de USD 1,5 milhão no caso de impressoras de metal.

 

Durabilidade e precisão – “A impressão 3D produz peças que são tão duráveis quanto às produzidas pela manufatura convencional e o nível de fidelidade de reprodução do desenho 3D também tem evoluído bastante. Hoje conseguimos alcançar uma tolerância de 16 milésimos. Mas isso depende do segmento e da necessidade do cliente. Por exemplo, a área de joias exige um trabalho minucioso e detalhado que requer maior precisão. Quanto maior a peça, maior a tolerância. Mas, de modo geral, dois décimos atendem a maioria das máquinas e são suficientes para o mercado”, afirma Gledson Machado, um dos fundadores e sócios da Prototec, empresa que presta serviços de impressão 3D, atendendo principalmente a indústria automobilística e a área médica e odontológica.

A indústria, aliás, possivelmente seja até o momento o setor mais beneficiado pela impressão 3D. A aplicação crescente da tecnologia no processo de prototipagem para validar ideias e até no produto de série tem proporcionado inúmeros ganhos, seja de tempo, logística, redução de custos, de perda de materiais, retrabalhos e até do lead time do projeto. “Com o avanço da tecnologia, peças que costumavam demorar às vezes um mês para serem desenvolvidas conseguimos hoje de um dia para o outro e com custo mais acessível. Por exemplo, ao invés do ferramental de R$ 50 mil para produzir uma peça, com a impressão 3D conseguimos desenvolver o mesmo item com aproximadamente R$ 200. E a empresa pode imprimir várias unidades para testar em feiras ou pela sua equipe de representantes. Somente após testar no mercado, faz o investimento sem correr riscos”, pondera Machado.

Os números relacionados à tecnologia, posicionada entre as oito que irão revolucionar os negócios no mundo nos próximos anos, falam por si só. A previsão é que o mercado 3D avance no mundo, em média, 23% a cada ano na próxima década. Pesquisas apontam que, atualmente, 75% das maiores companhias automotivas dos Estados Unidos e da Alemanha estão usando peças finais em 3D e 70% da demanda online mundial do serviço de impressão 3D provém de três países: EUA, Grã-Bretanha e Alemanha. O Brasil corresponde a menos de 1% da demanda, concentrada em sua maioria no centro do país. Por outro lado, 49% das indústrias brasileiras devem investir em impressão 3D nos próximos dois anos, sendo que os setores com maior tendência a investir serão o aeroespacial, gás, óleo, energia e saúde – descortinando o alto potencial desse mercado no país.

 

Desafios e Futuro – “Hoje, diria que o principal investimento da impressão 3D não está só na tecnologia ou no que ela vai imprimir, mas na formação da pessoa, da mão de obra. E como as escolas estão preparando os alunos para isso? Percebo um gap neste processo. Precisamos de escolas que despertem o pensamento criativo para a busca de soluções, que estimulem e desafiem os alunos a construírem o conhecimento. É um processo a longo prazo, de estimular a criatividade e desenvolver pessoas capacitadas para solucionar problemas”, destaca Alessandra Pinto Nora, publicitária e professora especialista em impressão 3D, founder da 3DPrintingBrazil Gramado e diretora técnica da 3D Impressos. Pesquisadora da tecnologia há alguns anos, ela acredita em uma tendência de crescimento exponencial e escalabilidade da impressão 3D à medida que ela avançar no mercado B2C – hoje as aplicações ainda estão muito restritas ao mercado B2B. “A tendência é o produto se tornar mais barato, porque vai diminuir a cadeia, os intermediários, o transporte. A tecnologia virá pela web, haverá centros de impressão especializados em 3D e as pessoas irão baixar os arquivos e imprimir nas suas casas e escritórios. Vamos ter o prazer de imprimir coisas mais simples em casa, principalmente se forem peças plásticas”, projeta, visualizando esse cenário em um prazo de cinco anos.

Emanuel Campos, que desde 2000 atua com impressão 3D e é engenheiro de aplicações na Alcateia Distribuidora, comunga de opinião semelhante. “Essa tecnologia vai potencializar mercados novos e dar acesso a novos empreendedores. Honestamente, espero que a impressora 3D se torne um martelo. Algo que todos entendam como funciona, que todos tenham, usem, mas que não façam disso algo mais importante que a peça obtida. A impressão 3D é uma ferramenta, e só isso.”

 

SOPRANO - 3D NA INDÚSTRIA
O Grupo Soprano, de Farroupilha, e em especial a Soprano Utilidades Térmicas (SUT) utiliza a impressão 3D há pelo menos uma década. A tecnologia tem aplicação para a validação de protótipos nos lançamentos de novos produtos – são dois lançamentos anuais. “O processo envolve, normalmente, três etapas. Inicialmente, fazemos toda a parte de conceituação da criação do produto. Após conceituado, acontece a reunião de portfólio, quando juntamos todos os setores e apresentamos os projetos a serem lançados. Se validados, passamos para a segunda etapa, de apresentação e validação com a diretora da unidade. Caso envolva um projeto muito inovador, apresentamos na reunião de planejamento estratégico, a exemplo da nova linha de utilidades que vamos lançar em 2020. Depois de todas essas validações, aí sim começamos a etapa de prototipagem, que é o primeiro contato que temos com o produto”, explica Daniel Scotti, projetista sênior da SUT.
Atualmente, todo o processo de prototipagem da unidade é terceirizado com a caxiense Prototec e com outros fornecedores, em virtude de custos e dos altos níveis de detalhamento, complexidade e funcionalidades das peças, mas para 2020 a SUT estuda a aquisição da primeira impressora 3D para suprir algumas demandas internas e ganhar agilidade de impressão em algumas peças. Com exceção dos itens importados, todos os que têm produção nacional passam pela fase de prototipagem e em alguns poucos ainda é utilizado o sistema antigo – a exemplo do uso de papelão para a primeira validação, como foi o caso de uma lixeira a ser lançada neste ano. O protótipo em papelão serviu para validar o tamanho e o volume da peça, mas não dispensou na sequência o 3D. O mais usual no processo da Soprano é partir direto para a prototipagem 3D, que possibilita validar quesitos mais funcionais e complexos do produto. “Cada interação da peça demanda um novo molde, o que encarece muito. É muito mais vantajoso usar a impressão 3D se pensarmos na economia que temos depois em termos de matrizaria, sem falar nos ganhos de tempo e prazo para o lançamento dos novos projetos e de try-out”, analisa Scotti, que estima uma redução de custo no processo de prototipagem entre 25% a 50% com a impressão 3D. Ele salienta que o objetivo principal é sempre otimizar o projeto e lembra que o protótipo auxilia também no processo de produção e na montagem da peça. “Ele possibilita verificar detalhes, como o funcionamento perfeito de encaixes, que podem dar problemas e impactar no produto final.”

 

MARCOS TOMAZI ODONTOLOGIA - 3D NA SAÚDE
A saúde é um dos setores em que a impressão 3D mais avança nos últimos anos, em especial na odontologia, que utiliza a tecnologia principalmente para diagnóstico e tratamentos cirúrgicos. Nas cirurgias, o uso mais comum é nas áreas de implantodontia (colocação de implantes dentários), periodontia (intervenções na gengiva), cirurgia ortognática (correções de deformidades faciais dentoesqueléticas) e em casos complexos de assimetria facial. O avanço se deu com o acesso às impressões 3D, que passaram a ser ofertadas com variedade de opções aos cirurgiões dentistas, principalmente a partir da última década. “Algumas especialidades da saúde ainda não descobriram essa tecnologia, mas para nós, que trabalhamos muito com o tecido duro, seja o dente ou o tecido ósseo, o 3D é muito benéfico e passou a ser rotina no meu protocolo de tratamento”, pontua o cirurgião bucomaxilofacial caxiense Marcos Tomazi. Ele exemplifica com casos que têm absorvido o 3D digital de forma intensa.
“Um exemplo muito presente atualmente no nosso dia a dia é a cirurgia guiada de implantodontia, que permite colocar um implante sem fazer retalho, sem abrir corte, porque temos uma tomografia em arquivo dicom que identifica aonde se quer colocar o implante. A partir desse exame é confeccionada uma guia cirúrgica em 3D antes da cirurgia com base no escaneamento da arcada dentária do paciente. Essa guia prototipada é encaixada nos dentes durante o procedimento cirúrgico e, a partir disso, usa-se uma sequência de brocas e o implante é feito exatamente no lugar que foi pré-determinado na tomografia sem correr o risco de o dente sair para fora do tecido ósseo. Com essa técnica, não precisa fazer cortes e nem descolar tecido, e a margem de erro é muito menor, porque colocar o implante é simples, mas colocá-lo na posição correta para que a prótese fique a melhor possível é o grande diferencial do uso do 3D”, explica o profissional. “Confesso que não é uma tecnologia fácil de se aplicar na rotina, mas os mais empreendedores estão utilizando com sucesso. Dá para fazer sem? Claro que dá! Mas arrisco a dizer que é um processo sem volta”, acrescenta.
Tomazi detalha outra aplicação já bastante comum da prototipagem 3D: as cirurgias ortognáticas, que corrigem deformidades faciais dentoesqueléticas. Nesse procedimento, é feito todo um planejamento digital e virtual visando movimentar as estruturas da face para corrigir posições, como posicionar a mandíbula para frente. Na cirurgia é utilizada uma placa confeccionada em 3D, com todas as cavidades dos dentes e da arcada do paciente, para encaixar os dentes na posição ideal e desejada. Entre as vantagens do uso da prototipagem 3D na odontologia, ele destaca o enriquecimento do diagnóstico, maior facilidade do planejamento cirúrgico e precisão dos procedimentos que exigem atos e movimentos minuciosos, seja a nível dentário ou facial. “1mm ou 2mm valem muito para mim como cirurgião dentista e podem fazer a diferença para o tratamento do paciente”, afirma.

 

ADRIANA SCHIO