Menu

Avaliação de Perfis

17/07/2019

Ensinando a Paz

Escolas e famílias buscam um caminho sem violência, por meio do diálogo

"Os Círculos podem restabelecer o convívio saudável e construtivo no âmbito escolar e incentivar os professores na retomada de sua autoridade, sem autoritarismo" (Rachel Marques)

Rachel Marques, coordenadora da Central da Paz da Infância e Juventude fala sobre o trabalho desenvolvido na unidade, sediada na Universidade de Caxias do Sul, e afirma a importância do ensino em prol da pacificação.

NOI: Em que consiste o trabalho da Central?

Rachel Marques: Tratamos de casos de menor potencial ofensivo que envolvem menores ou se originam no ambiente escolar. Tentamos evitar a abertura de processos judiciais além de estimular a pacificação de conflitos entre crianças, adolescentes e seus familiares, aplicando os princípios da Justiça Restaurativa. Realizamos Círculos de Construção de Paz para promover a empatia ensinar a lidar com o conflito por meio do diálogo.

NOI: Qual o principal diferencial dessa abordagem?

Rachel Marques: A Justiça tradicional trabalha com três perguntas básicas: que lei foi infringida? Quem infringiu? Que castigo merece? É punitiva e gira em torno de questões legais. A Justiça Restaurativa (JR) se preocupa com: quem sofreu o dano? O que essa pessoa precisa para que o dano seja recuperado? Quem tem a responsabilidade por melhorar a situação? É reintegrativa e se preocupa com as pessoas e com os relacionamentos. A JR está centrada nas necessidades da vítima, das comunidades e dos ofensores.

NOI: Como funciona o projeto junto ao MP?

Rachel Marques: Agilizamos e damos efetividade às ações legais de prevenção e repressão à violência escolar, com foco pedagógico e conciliador, por meio das práticas restaurativas combinadas com as medidas legais – protetivas e/ou socioeducativas. Os facilitadores passam uma tarde por semana no Fórum, atendendo a casos pré-selecionados pela DPCA e pelo MP. Aplicamos as técnicas da Comunicação Não Violenta, seguindo os princípios da JR, e guiamos o acordo que leve à solução do conflito de forma satisfatória para as partes. É uma forma de responder às famílias, adolescentes, professores e equipes diretivas. Os autos aguardam no MP o prazo máximo de 90 dias para a juntada do relatório. Se o conflito for superado a solução apontada pode servir como obrigações a serem impostas em sede de remissão ao adolescente infrator, a critério do Promotor de Justiça.

NOI: O que tem causado tanto conflito entre os menores?  

Rachel Marques: As famílias não tem gerência sobre os filhos. Ás vezes tu precisa dizer, “mãe tu tem que fazer isso e aquilo”. A nossa sociedade está sob pressão. Vamos passando as responsabilidades, não conseguimos acompanhar as crianças, a escola não dá conta, da delegacia passa para o MP, etc. Os conflitos, que acontecem na escola, são iguais aos que acontecem na sociedade e muitos deles não precisariam gerar um boletim de ocorrência. Mas é a forma que as escolas encontram de serem escutadas. É como a comunidade escolar e as famílias tentam obter respostas aos direitos violados. O diferencial desse projeto em conjunto com o MP é que nosso retorno é rápido. Temos atendido casos cujo fato gerador aconteceu, em média, há um mês. As pessoas saem muito satisfeitas por serem escutadas e valorizadas.

NOI: Seria mais fácil capacitar professores para intervir nos conflitos de forma restaurativa?

Rachel Marques: Lhes falta tempo. Na escola o professor está preocupado com a aula, com as turmas. Muitos professores com perfil restaurativo não conseguem se dedicar a isso. A metodologia é maravilhosa, mas a escola não está organizada. Seria preciso ter tempo para investir em capacitação, e depois, tempo para aplicá-la.

NOI: O que pode ser feito então?

Rachel Marques: Trabalhar valores. Respeito, escuta qualificada, auto-responsabilização – precisamos resgatar isso. A questão é, além disso (que é preventivo), quando já há um conflito, como a escola vai dar conta? A Coordenação Pedagógica precisaria planejar em conjunto com o professor estratégias. Cada um por si, assim, não está funcionando.

Rachel Marques é Mestranda em Direito pela UCS, advogada, representante da OAB na área da criança e do adolescente, professora do município de Caxias do Sul, vice-diretora do turno da noite na Escola Municipal Senador Teotônio Vilela.

Entrevista e Edição | Caroline Pierosan