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Avaliação de Perfis

04/01/2019

Quem Vive Atrás das Grades?

 “95% dos assassinatos no Brasil não tem autoria identificada. Vocês podem pensar que isso é culpa da polícia, mas, basicamente, é culpa da impunidade”

"A causa da criminalidade é outra, é a falta da educação que se dá em casa, na família. Faltam valores. Isso sim se perdeu no Brasil" (Luiz Fernando Oderich) Nosso país tem mais de 30 milhões de pessoas sem o nome do pai na certidão de nascimento. O simples fato de ter o nome do teu pai no documento não quer dizer muita coisa. Mas, se tu não tens nem isso, significa que não tens nada, nem nome, nem atenção, nem assitência, nada" (Luiz Fernando Oderich)

* No dia 17 de agosto de 2002, Max Fernando de Paiva Oderich foi assassinado com um tiro no coração. Naquele dia o jovem de 26 anos, residente de São Sebastião do Caí, foi a Porto Alegre para comprar o terno que usaria na sua festa de formatura. Por volta das 21h30min, Max estacionou o carro em frente a casa de um amigo e ficou esperando por ele. Quando foi abordado pelo assaltante, a vítima tentou dar a partida no carro. A reação do bandido foi imediata, pondo um fim na vida para Max. O pai de Max, Luiz Fernando Oderich, nunca soube quem foi o responsável por sua morte. Desde então, o empresário empreende a luta contra a criminalidade, violência e impunidade no Brasil.  A seguir, o fundador da ONG Brasil sem Grades explica porque acredita que a “tolerância zero” pode diminuir as mortes violentas no país.

NOI: Tua motivação para empreender essa luta começa com o acontecimento de uma grande tragédia…

Luiz Fernando Oderich: Não tenho como descrever. A sensação de derrota é muito profunda e não tenho nenhum caminho para sair dela. Minha geração, que lutou contra a ditadura, tinha um temor que a impedia de fazer certas coisas. Éramos livres mas tínhamos medo, então, andávamos “na linha”. Era uma ação do Estado que nos intimidava e gerava grades imaginárias que nos refreavam. Hoje, é a omissão do Estado a causa das grades reais que nos prendem.

Por isso a ONG, “Brasil sem Grades”?

Claro. Antes de ser assassinado, meu filho estava escrevendo um livro em parceria com um professor da Unisinos. No exemplar, eu encontrei a seguinte anotação: “um erro é um fenômeno do qual ainda não se tirou proveito”. Eu entendi isso como um recado. A morte dele foi um erro e eu tenho que produzir algo positivo a partir desse erro.

A BSG afirma ter a missão de despertar a consciência da população promovendo o desenvolvimento social e ações voltadas para o combate às causas da criminalidade. Quais seriam essas causas?

As pessoas falam sempre duas coisas, que até são verdade, embora não exista uma realção de causa e efeito entre elas. Dizem que precisamos de melhor distribuição de renda e educação. O Brasil é injusto e tem problemas de educação, mas não é isso que gera a criminalidade, tampouco a carência e a ignorância. Nesses últimos anos, é inegável que o salário subiu e que tem muito mais gente estudanto no país. Mas a criminalidade continua crescendo! Entendo que a causa da criminalidade é outra, é a falta da educação que se dá em casa, na família. Faltam valores. Isso sim se perdeu no Brasil. Nosso país tem mais de 30 milhões de pessoas sem o nome do pai na certidão de nascimento. O simples fato de ter o nome do teu pai no documento não quer dizer muita coisa. Mas se tu não tem isso, significa que não tens nada, nem nome, nem atenção, nem assitência, nada. Nesses casos a criança fica 100% a disposição da mãe. As mulheres precisam fazer tudo, inclusive trabalhar para sustentar a casa, e é extremamente difícil ter tempo para dar uma boa educação para essa criança. Quem vai dar afeto para o pequeno, quem vai gastar tempo com ele, quem vai ensinar valores? Ninguém. A mulheres não conseguem fazer tudo sozinhas.  Falta amor, falta família, falta pai! A solução da criminalidade é colocar um PM em cada família. Por PM, me refiro a um “Pai Melhor”.

De acordo com a tua teoria o alto índice de criminalidade no Brasil tem origem no abandono paterno?

Sim. Mas existe outro fator fundamental. Em 1992 Gary Becker ganhou o premio Nobel de Economia, porque criou uma fórmula matemática para explicar a criminalidade, como se ela fosse uma atividade economica normal. De acordo com Becker, quando uma pessoa decide cometer ou não crimes, ela faz a seguinte análise: crime é igual ao benefício, menos o custo. Qual seria o custo? Perder o emprego, sujar o nome, anos na cadeia, ficar sem salário, gastos com advogado, etc. Deve-se multiplicar o custo pela probabilidade de ser preso. Todos sabem que qualquer número multiplicado por 0 dá 0. Se a probabilidade de ser preso é 0, que é o caso brasileiro, o custo é 0. Então no Brasil, praticar crimes só gera lucro. O crime aqui, representa benefício. Temos que aumentar urgentemente a probabiliade das pessoas serem presas. Tu só vai diminuir a criminalidade no momento em que aumentares a probabilidade de o criminoso ser preso.

Dizes que devemos seguir o exemplo dos EUA, onde a política é de tolerância zero? Mas a ciminalidade não foi superada por lá…

Os EUA têm o dobro da população do Brasil e a metade do número de assassinatos. Eles têm duas vezes mais pessoas e metade da quantidade de crimes que nós temos. Nós que somos pacíficos temos um número quatro vezes maior de crimes. Já na Índia, um país bem mais pobre que os EUA, o índice de criminalidade é a metade do que o norteamericano. O que eu quero dizer com isso, novamente, é que criminalidade não tem nada a ver com a distribuição de renda, e sim com cultura.

Você afirma que a lei como está, protege os bandidos ao invés do cidadão de bem e também critica a reforma que está sendo proposta. Por quê?

O problema não é o Código Penal, que define os crimes e a pena. Ele apenas tipifica. Os crimes não mudaram tanto, já que o ser humano ainda é o mesmo. O grande problema é o Código de Processo Penal. É como o Estado age depois que alguém comete um crime - os prazos, a avaliação das provas. O CPP é que está cheio de furos! É o Código de Processo penal que prevê, por exemplo os embargos infringentes que foram usados no caso do Mensalão. Temos que acabar com esses tais embargos. Isso veio do Direito português e só existe no Brasil. Em nenhum outro lugar do mundo existe isso, Outra legislação problemática é a Lei das Execuções Penais. Tu foi posto na cadeia, agora como vai progredir essa pena? Aí é outro ponto furado. O princípio está correto, mas alguns excessos desvirtuaram o sistema. Os indultos, por exemplo, entre Natal e Ano Novo. O governo dá um monte de indultos e coloca fora da cadeia muita gente perigosa. Isso precisa ser limitado. Na verdade o Governo só pensa em se livrar da despesa de manter os presos.

Você acredita que mais cadeias poderiam ajudar a solucionar o problema?

Normalmente me provocam perguntando, “mas e ai quantos milhões de pessoas vamos colocar na cadeia”?, só que esquecem que esse cálculo não existe. A progressão não é aritmética. Cito a Lei da Tolerância Zero em relação ao consumo de álcool aliado a direção. O que aconteceu? No momento que o Estado endureceu, as pessoas pararam! Pronto. Então no momento que as pessoas notarem... “opa, agora estão prendendo mesmo”, elas param! Não vai ser necessário construir tantos presídios. Isso não é verdadeiro. Quando o rigor aumentar, a criminalidade cairá exponencialmente, a exemplo do que aconteceu em Nova York. Se você é conivente com pouco, acaba abrindo margem para o crime maior. Se você for rigoroso com os crimes menores, acabará coibindo desgraças maiores. A Tolerância Zero funciona.

Difícil promover esse debate em um país com tão pouca adesão política com o Brasil?

É muito complicado. O brasileiro se impõe a conviver com 500 mil problemas e nunca coloca o dedo na ferida. Precisamos parar com a mania de achar que temos que aprender a conviver com tudo. Não devemos aprender a conviver com a criminalidade. Não devemos aceitar levar uma vida inteira atrás das grades, com medo dos criminosos! 

* entrevista realizada por Caroline Pierosan e publicada na edição impressa setembro 2014 da revista NOI