Focados em ajudar a formar famílias e a promover a preservação da fertilidade humana, o casal de médicos construiu uma história de muita pesquisa, apoio mútuo e empreendedorismo
Quando (há 15 anos) Fábio e Eleonora Pasqualotto escolheram Caxias do Sul para iniciar o projeto do Conception Centro de Reprodução Humana, sabiam o cenário que iriam encontrar. Desconfiança, receio e vergonha eram sentimentos que faziam parte da vida de quem, já naquela época, precisava de auxílio para realizar o sonho de ter filhos. No final da década de 90, a ciência avançava a passos largos nas descobertas que logo adiante mudariam, positivamente, as perspectivas de muitas pessoas com dificuldades para engravidar. Congelamento de óvulos, reversão de vasectomia, aspiração de espermatozoides do testículo e epidídimo: quem poderia imaginar, há pouco mais de 20 anos, que a tecnologia científica proporcionaria tanta esperança a partir do desenvolvimento destes métodos fantásticos? Eles acompanharam tudo isso de muito perto. Determinados, não pouparam esforços na busca pelo conhecimento que poderia mudar o futuro de tantas famílias. Oportunidades não faltaram para que tivessem partido para outras regiões como Porto Alegre, São Paulo e até Estados Unidos. Mas foi aqui, na Serra Gaúcha, que eles escolheram firmar raízes e iluminar o cenário da Reprodução Humana Assistida, até então inexistente. “As pessoas as vezes me encontram no mercado e me perguntam - Doutor, o senhor está lembrando de mim? Está aqui, veja a foto do meu filho!”, conta Fábio Pasqualotto. Nestes 15 anos de atuação, eles contribuíram para a formação de mais de mil famílias que, de outra forma, não poderiam existir. “É muito gratificante! Ficamos muito felizes com cada casal que conseguimos ajudar a engravidar. Certamente também temos em mente sempre os casais que, por algum motivo, ainda não conseguiram. Nosso foco é sempre buscar mais conhecimento e alternativas para que também possamos auxiliá-los”, revela a médica Eleonora. Busca incansável, dedicação total. Sediar o Conception Centro de Reprodução Humana é, sem dúvida, um privilégio para Caxias do Sul, para a Serra Gaúcha e para o Rio Grande do Sul. A seguir, os médicos contam um pouco de sua trajetória, de sua percepção social em relação ao que a comunidade pensa hoje sobre Reprodução Humana Assistida e falam de suas perspectivas para o futuro.
Um assunto Delicado
De acordo com a médica Eleonora Bedin Pasqualotto, pode-se dizer que, nos últimos quinze anos, a percepção social da comunidade da Serra Gaúcha em relação aos temas da Reprodução Assistida evoluiu muito. “A diferença é da água para o vinho. Nós mesmo mudamos! Quando começamos optamos por abrir a Clínica em um local mais reservado, justamente porque nossa pesquisa de mercado nos mostrou que as pessoas não gostariam de estar em um lugar exposto, que elas teriam vergonha de entrar em um Centro de Reprodução Humana”, explica a médica. “E isso acontecia de fato, nós tínhamos pacientes que tinham receio de entrar no elevador do prédio em que estávamos sediados e descer no andar da Clínica”, lembra. “Na época em que abrimos a Clínica em Caxias do Sul (2003) foi muito complicado. Muitas pessoas iam para fora da cidade fazer tratamentos para que, em Caxias do Sul, ninguém ficasse sabendo que elas tinham dificuldades para ter filhos”, completa o Dr. Pasqualotto. “Recentemente aplicamos um questionário e nos impressionou o seguinte fato, a maioria dos entrevistados respondeu que não se importaria de ficar em sala de espera com outras pessoas. Há dez anos a maioria das pessoas respondeu que preferiria ficar em uma sala de espera sozinho. Isso reflete uma mudança de comportamento da população”, avalia a médica. Para Fábio a transformação se deve, também, ao fato de as pessoas terem começado a viajar mais para fora do país. “Quando se entra em contato com outras culturas se traz na bagagem influências. Vivemos uma transformação cultural. Hoje as pessoas procuram mais tranquilamente os tratamentos, comentam e conversam sobre o assunto também. Atualmente o Conception Centro de Reprodução Humana fica no centro da cidade, em um lugar totalmente visível, numa sala térrea. Todos sabem o que fazemos aqui”, avalia Fábio.
Tranformação Social
“Oito a 10% das crianças nascidas na Dinamarca são concebidas a partir de métodos de reprodução humana assistida”, relata o Dr. Fábio Pasqualotto. “Ou seja, lá se fala muito sobre o assunto, se faz muito tratamento”, pondera. Para o médico, quanto mais a questão for debatida, quanto mais o tema for exposto e suas causas explicadas, quanto mais explorados os porquês de cada paciente que tem dificuldade para engravidar, mais a comunidade compreenderá e apoiará quem busca auxílio. “Antes costumava-se dizer que o fato de não poderem ter filhos teria sido uma ‘decisão da natureza’. Ficava por isso mesmo. Hoje não! Todos querem saber o que está acontecendo e buscam ajuda”, considera. “Quando alguém que antes não tinha possibilidade alguma, de repente consegue engravidar, isso motiva que se fale sobre o assunto. Desperta o interesse pela questão”, avalia Eleonora. “Na hora que você trata dos problemas de fertilidade de uma maneira natural, as pessoas entendem e fica muito mais fácil falar sobre o assunto”, explica. De acordo com os médicos esse é um dos motivos para terem formado uma equipe multidisciplinar, com endocrinologista, nutricionista, psicólogos e ginecologistas. “Às vezes percebemos que podem haver motivos além dos biológicos para a dificuldade de engravidar do casal. Então orientamos para avaliações endocrinológicas, nutricionais e psicológicas, para ver como se pode ajudar de fato. Em alguns casos o problema pode estar, por exemplo, em um índice de massa corporal aumentada. Muitas vezes a simples perda de peso pode contribuir para que o casal engravide. Então quando temos uma equipe com diversos profissionais atuando, cada um contribuindo com sua expertise e com sua forma de pensar, facilita muito o tratamento”, afirma Pasqualotto.
Campanha da Fertilidade
Um dos princípios do casal de médicos é, além de tratar casos de infertilidade, ajudar a preservar e prolongar a fertilidade a partir do incentivo da manutenção dos hábitos saudáveis. “Nossa referência é Campanha da Fertilidade Norte-Americana. Desde 2001 eles já se preocupam com isso e lançaram a campanha por lá. Os cuidados com a saúde se tornaram ainda mais importante quando surgiu a possibilidade do congelamento de óvulos para as mulheres – que hoje em dia acabamos indicando muito. Sabe-se que um corpo mantido com hábitos saudáveis vai preservar melhor os óvulos, bem como manter a sua qualidade”, explica a doutora. “Questões como o peso corporal, o hábito de fumar ou o abuso do álcool podem interferir na fertilidade. As doenças sexualmente transmissíveis também são umas das maiores causas de infertilidade em homens e mulheres”, alerta Eleonora. “A questão do peso é importante. Tem muitos estudos que mostram que pessoas que têm colesterol aumentado demoram mais tempo para conseguir engravidar”, completa Pasqualotto. “Todo mundo, na verdade, pensa no momento em que não quer ter filhos. A mulher jovem avalia muito a carreira profissional e tem muito claro para si os momentos em que não gostaria ou não poderia engravidar. Mas logo adiante pode ser que ela passe a querer. Para tanto, há várias práticas que ela deve manter agora para que, quando quiser conceber, no futuro, ela tenha maiores possibilidades”, explica Eleonora.
Pesquisa e Avanço Tecnológico
“Estamos sempre engajados em tentar entender as causas – os porquês – de os pacientes não conseguirem engravidar e temos vários parceiros para desenvolver nossas pesquisas como a Universidade de Caxias do Sul, a Fundação Fio Cruz e a própria Cleveland Foundation, onde iniciamos nossa formação em reprodução humana assistida”, destaca Pasqualotto.“Publicamos um artigo este ano em parceria com a FioCruz mostrando que pessoas que têm contato com pesticidas têm alteração no formato dos espermatozoides”, exemplifica o médico, descrevendo o trabalho que está sendo realizado na região de Farroupilha. “Avaliamos jovens agricultores, comparando com pessoas da mesma idade que não trabalham no campo. O estudo mostrou que quem trabalha com fungicidas, pesticidas e agrotóxicos têm ejaculado de qualidade inferior em comparação com pessoas da mesma faixa etária que não têm contato com essas substâncias”, explica o médico. “Nós, ainda hoje, continuamos fazendo este trabalho investigativo até para poder alertar a população pois o tema é extremamente importante! Lá na frente, talvez as gerações sejam afetadas por tudo isso que estamos fazendo hoje”, pondera o médico. “Um estudo que estamos prestes a publicar é sobre pessoas que tiveram lesões na medula e que têm dificuldade para engravidar. Esta pesquisa está acontecendo neste momento na Universidade de Caxias do Sul”, orgulha-se Pasqualotto.
Reportagem: Caroline Pierosan I Fotos: Josué Ferreira