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Consultoria Exclusiva

21/11/2017

Melhores pelo Ser

Orildes Lottici, eleita 5 vezes presidente do Sindicato dos Empregados do Comércio de Bento Gonçalves, fala sobre as conquistas da entidade que celebra 40 anos em 2017    

Orildes Lottici, presidente do SEC-BG e Sérgio Neves, secretário geral da entidade "É esse sonho que eu ainda tenho, aos 54 anos de vida, à frente de um Sindicato: de que se desperte esse senso do social, de buscar o que se tem direito, de se ter direito de viver, morar e comer bem. Nós temos que aprender a viver em uma comunidade onde se tem respeito pelo outro" "Nossa categoria é composta 55,4% por mulheres (dados da RAIS/MTE2016), por isso debatemos com afinco questões relativas a respeito ao trabalho da mulher e à prevenção da violência contra a mulher no ambiente de trabalho e também em casa" "Nós não somos melhores pelo ter, mas pelo ser"

O olhar brilha. Um largo sorriso se abre. Percebe-se facilmente a paixão de Orildes Lottici, quando começa a falar das ações, propósitos e ideais do Sindicato dos Empregados do Comércio de Bento Gonçalves (SEC-BG), que comemora 40 anos de fundação (em 2017) e, embora tenha abrangência regional (alcançando 14 municípios), é, hoje, uma representação de trabalhadores muito singular no cenário nacional. A seguir, Orildes, atual presidente da entidade (tendo sido eleita para 5 mandatos consecutivos), fala um pouco da sua trajetória, e sobre os diferenciais do SEC-BG.

NOI: Quais os principais momentos de conquista vividos pelos trabalhadores do comércio de Bento Gonçalves por meio do seu sindicato, nestes 40 anos?

Orildes Lottici: Posso falar com muito orgulho dos últimos 28 anos, tempo em que participo das Diretorias do Sindicato. Entretanto houve pessoas importantes que me antecederam. E nossas conquistas foram diferentes a cada época. Eu entrei na Diretoria do SEC-BG em 1987, a convite de um colega que ainda atua como Secretário Geral, o Sérgio Neves. Eu entrei com 23 anos, motivada pela curiosidade da juventude. A partir desse período fui me integrando, e em 1989 fui requisitada para estar à frente da Administração do Sindicato, ocupando o cargo de segunda secretária. Depois fui vice-presidente e, por fim, presidente em 1995. De 1977 em diante outros homens fizeram história (até 1987 tivemos apenas presidentes homens). Viemos a ter uma presidente mulher em 1989, quando também começa minha história aqui no Sindicato. Era um Sindicato de muita luta. Testemunhamos o fim da Ditadura Militar, a Promulgação da Constituição Federal, e nosso Sindicato foi galgando crescimento e avanço nas Conquistas em defesa dos direitos da classe trabalhadora, abrangendo um número maior de municípios do que hoje. Um dos meus sonhos enquanto dirigente do Sindicato na época, era que nosso Sindicato fosse conhecido no Brasil. Hoje em 2017, quando completamos 40 anos, nosso Sindicato é conhecido internacionalmente e ocupa cargos internacionais. Mas não é só isso que agrega e que faz crescer uma categoria, mas sim “centrar pé” na sua base territorial, é conversar com a sua base. Nestes 28 anos que eu estou à frente do Sindicato, tivemos algumas conquistas importantes: a sede própria, maiores benefícios para a categoria, mais tranquilidade e mais respeito por parte da classe patronal. Neste período fomos reconhecidos verdadeiramente como categoria comerciária que somos. Agora em 2017 tivemos várias reformas e agora temos que nos adaptar a elas. Vamos fazendo história conforme o período. Em 1995 eu assumi a presidência do Sindicato. Era uma jovem, com 32 anos, cheia de sonhos. Um dos meus desejos sempre foi entrar na cidade e encontrar um outdoor com a sigla SEC-BG; sonho distante, pois era algo muito caro na época (risos). Mas o sonho maior era estar representando a categoria e ter o apoio incondicional. Eu me elegi por 5 mandatos. A cada novo mandato sempre em percentuais melhores de aprovação. Minha grande conquista foi esse apoio. Tudo o que foi feito nestes últimos 40 anos sempre foi em prol da nossa categoria. 

Conte um pouco da sua trajetória no SEC-BG, até chegar a presidência?

Venho de uma família pobre, sou filha de uma viúva (que ficou viúva duas vezes), com seis filhos. Por conta das dificuldades acabei sendo “dada” para outra família criar. Com a minha madrasta fui morar em Porto Alegre e acabei conhecendo alguns lugares do RS. Desde a infância sempre fui muito curiosa. Eu acreditava que deveria crescer, por meio dos estudos. Já com 15 anos nesta outra família, fiz a opção de voltar para casa da minha mãe, porque fui muito distanciada dela (dos 8 aos 15 anos). Foi nesta fase que puxei “minha espada da independência”. Vim para Bento Gonçalves e iniciei minha vida profissional como empregada doméstica (com muito orgulho). Trabalhei um ano na casa de uma família, período em que fui muito testada pois, nesta época, Bento Gonçalves era mais preconceituosa do que é hoje. A função era menosprezada. Depois trabalhei para a família da Dona Celina Fianco e do seu Nato, onde fui recebida como uma filha. Gostava muito mas ainda não me sentia realizada profissionalmente. Um dia resolvi que queria trabalhar fora. Então fui trabalhar no comércio, no Mercado Apolo como repositora, depois virei caixa, depois virei a caixa número 1. Em seguida fui trabalhar na Grazziotin. Em 1987 eu recebi o convite do meu colega Sérgio, que era presidente do Sindicato na época. Conversei com a minha família e com amigos e todos me disseram para ficar longe, que Sindicato era a “pior coisa que poderia existir na vida de uma pessoa”. Como eu era muito curiosa fui verificar se era realmente o que estavam me dizendo e me tornei dirigente sindical. Foi sofrido no começo, fui inclusive demitida por conta disso. Entrei na Justiça e fui reintegrada 6 meses depois na mesma empresa da qual eu sou funcionária até os dias de hoje. Em 1989 fiz uma experiência por um período de 30 dias. Fiquei por mais 90 dias e depois fui requisitada por tempo indeterminado. Em 1995 foi o grande desafio, para que eu assumisse a presidência do Sindicato. Um dos meus grandes sonhos era tornar o Sindicato cada vez mais conhecido e nossa categoria mais respeitada. Fui muito julgada por ser mulher. Muitos acharam que eu jamais daria conta do recado. Cumpri meu mandato e consegui sanar as dívidas do Sindicato na época, que eram muitas. Fomos construindo com as Diretorias que foram me acompanhando, e pagando nossas dívidas, também crescendo. Um dos nossos sonhos era ter uma sede maior, e conseguimos. Gostaria que os que vierem a me suceder comprassem o prédio inteiro onde temos a sede hoje – nossa categoria merece isso. Temos quatro escritórios regionais. Mas uma das nossas maiores conquistas, e sem dúvida, nosso maior patrimônio, é nossa convenção coletiva de trabalho, que assinamos a cada ano, com doze sindicatos patronais de Bento Gonçalves, da Região e do Estado do Rio Grande do Sul.

Hoje o SEC- BG é visto como uma entidade muito singular de trabalhadores no cenário nacional pela sua forma de atuação. Muitos de seus projetos de ação, visando a qualidade de vida e a qualificação profissional do comerciário seriam quase mais próprios a um sindicato patronal e, no entanto, o SEC-BG abraça com sucesso. Por que implantar essas ações?

O foco maior é na representação da nossa categoria em todos os sentidos. Nosso Sindicato hoje é um sindicato solidário. Ele pensa no lado social e na sua categoria como um todo, desde o transporte que o comerciário ou a comerciária vai utilizar para se deslocar ao trabalho. Nos preocupamos com a condição do ambiente de trabalho. Trabalhamos muitos anos em prol da formação e qualificação dos comerciários (com cursos de inglês, por exemplo), e fomos mudando um pouco o foco pela não adesão da categoria nestes projetos. Desenvolvemos várias ações no campo social como, por exemplo, discutir a questão das pessoas com deficiência, e da inclusão destas pessoas no Mercado de trabalho. Debatemos esse tipo de tema em nossos eventos periódicos, como os Cafés Sensoriais. Acredito que conseguimos sensibilizar de alguma forma, porém acho que falta muito ainda no nosso município. Falta de todos nós aceitarmos, com o respeito necessário, que essas pessoas são trabalhadoras que produzem e que consomem. É importante valorizarmos a todos, inclusive as pessoas mais velhas, aos idosos. Realizamos ações como, por exemplo, a Mateada Solidária, para levar atenção às pessoas que residem no Lar do Ancião. O ser humano deve ser visto como tal, e não apenas como um cifrão, como algo ou alguém do qual eu posso tirar ou receber um benefício. Bento Gonçalves é muito solidária mas precisamos aprender muito ainda, em termos de respeito.

Em que consiste “O Social para o Outro”?

É preocupar-se com o ser humano de forma integral. Por exemplo, que quando o trabalhador for procurar um posto de trabalho ele não seja discriminado pelo lugar onde ele mora, pela cor da pele ou opção sexual, religiosa, ou aparência física. Temos convênios com profissionais da saúde (médicos dentistas), com escolas, faculdades, todos no intuito de melhorar a qualidade de vida dos nossos trabalhadores. Entretanto ainda há questões que precisam ser debatidas como, por exemplo, o transporte do trabalhador que mora na periferia até o centro da cidade. São debates que abrangem também o poder público e merecem a atenção do Sindicato – transporte, saneamento básico, violência doméstica. É para isso que nossa diretoria discute e desenvolve projetos, com foco na categoria profissional, e quando possível, olhamos na linha do horizonte e enxergamos a sociedade em geral.

Conquistas 2017

“Nós não temos uma sede campestre como muitos Sindicatos têm, mas a gente procura fazer parceria com quem já tem, como o Susfa- Clube São Francisco. O que vamos fazer no decorrer do ano é sempre discutido nas assembléias gerais que o Sindicato realiza (sempre em novembro, próximo do aniversário do Sindicato – 27.11). Em 2015 a categoria pediu que criássemos um espaço de saúde e beleza. Levamos dois anos para criar esse espaço. Inauguramos há 7 meses o salão de beleza do SEC-BG onde profissionais qualificados atuam, e o estúdio de Pilates. Nós nos preocupamos com a saúde e com a beleza da categoria comerciária. Nós nada mais somos do que vendedores de sonhos, portanto precisamos nos apresentar bem. Temos um espaço para deixar a mulher comerciária com o cabelo mais bonito, com um custo menor. Foram grandes conquistas, embora eu saliente – a maior de todas é a convenção coletiva” (Orildes Lottici, presidente do SEC-BG)

Entrevista: Ana Facchin l edição: Caroline Pierosan l fotos: Josué Ferreira