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Consultoria Exclusiva

25/02/2016

"Quando la Cosa è Nostra"

Tudo que ele queria era “juntar gente”. E reunindo pessoas sem parar, Doralício Siqueira Filho alcança quatro décadas promovendo encontros qualificados de profissionais de todos os lados e de todas as culturas em busca dos melhores caminhos para a Gestão Estratégica de Recursos Humanos  

 "É aquele sentimento de que se você colocar energia em alguma coisa você consegue. Um sentimento de "eu posso", de que juntos conseguimos realizar. Realização compartilhada" Doralício Siqueira Filho "Eu conheço Caxias do Sul há um bom tempo e a Região da Serra também. Sei que quando "la cosa è nostra"  há um empenho intensificado!" Doralício Siqueira Filho

Nem ele sabe dizer de onde vem tanta energia! Aos 77 anos, dois casamentos e seis filhos, este homem celebra, em 2016, os 40 anos de realização do Encontro Sul – Americano de Recursos Humanos. O desafiador início de vida de um menino solitário (como ele mesmo conta) transformou-se, algumas décadas depois, no epicentro de convergência para o encontro de milhares de profissionais, gerando uma sólida e relevante marca na construção do conhecimento sobre gestão de pessoas na América Latina.

Doral (como é chamado por todos) é isso, um furacão. Quem trabalha com ele sabe... As ligações podem chegar a qualquer momento. Duas da manhã e lá está, mandando um e-mail importante porque lembrou de algo fundamental. Plenamente adaptado à era digital, ele faz reuniões por Skype, fala espanhol com os “hermanos” (como chama carinhosamente aos colegas estrangeiros) e comunica decisões por Whatsapp constantemente. O psicólogo é puro vigor e perfeccionismo. Conheça a história do Encontro Sul – Americano de Recursos Humanos e, com ela, a trajetória de seu idealizador, criador e principal realizador, o visionário exemplar: Doralício Siqueira Filho.

No ano em que “desembarca” (como ele mesmo fala) da realização do ESARH, Doralício Siqueira Filho avalia esta notável trajetória e projeta um futuro de viagens pelo mundo enquanto planeja o registro de seus muitos e admiráveis feitos.

NOI: De onde surgiu a ideia de trabalhar com grandes encontros?

Doralício Siqueira Filho: Com apenas um ano de idade fiquei órfão de mãe. Ela faleceu de tuberculose, que era o câncer da época. Meu pai nunca casou-se novamente então a carência da figura materna sempre foi latente. Durante minha infância tive poucas chances de convivência. Eu tinha só uma irmã, 10 anos mais velha, e meu pai trabalhava como funcionário público da Prefeitura. Não ganhava muito. Éramos pobres. Com três anos de idade eu passei a ficar na escola praticamente o tempo todo. Foi uma fase muito solitária. Sentia muita necessidade de conviver, de viver em grupo. Minha irmã cuidava de mim quando não estava na escola, mas mesmo assim eu tinha muito pouca companhia. Éramos pobres. Acredito que dai surgiu toda essa minha busca por estar com os outros.

NOI: Mas você sempre teve facilidade de agregar pessoas ao seu redor?

Doralício Siqueira Filho: Com 12 anos criei um time de futebol. Fui morar próximo de uma praça e organizei o pessoal do bairro. Minha casa virou a sede do clube, passou a ser o vestiário, local de reunião... Aí comecei a sentir minha necessidade de convívio um pouco mais satisfeita. Meu pai nos passou a convicção de que só por meio da educação poderíamos ser “gente”. Ele dizia que não teria nada mais para nos deixar além da formação. Então fiquei em Rio Grande até meus 18 anos de idade. Como não tinha condições de frequentar o segundo grau (científico na época), ao completar a maioridade ingressei na academia militar da Brigada, em Porto Alegre. Assim me capacitei para fazer a faculdade. Era uma busca minha, ter uma graduação. Meu pai e irmã ficaram lá, em Rio Grande.

NOI: Por que você escolheu a Psicologia como formação?

Doralício Siqueira Filho: No final do curso de Oficial da Brigada fiz um teste psicotécnico vocacional e tive orientação para Psicologia. Ingressei na PUC, mas já trabalhava no gabinete psicotécnico da Brigada. Nessas alturas eu já era aspirante a oficial. Comecei a faculdade com 24 anos. A formação era de quatro anos. Fiz carreira já atuando no gabinete psicotécnico da força pública e, com isso, juntava teoria e prática. Eu me identifiquei com a carreira também porque vinha ao encontro do que eu mais ansiava, ou seja, a necessidade de estar rodeado de gente, principalmente podendo trabalhar com as pessoas e ajudá-las, que é o que a psicologia tem como meta.

NOI: Como sua carreira evoluiu para a organização dos Encontros de Profissionais?

Doralício Siqueira Filho: Já na própria formação do curso de oficiais eu comecei a empreender. Fui presidente do Centro Acadêmico e isso é algo que teve importância porque comecei a liderar. Quando terminei a faculdade, continuei atuando como psicólogo na Brigada e criei a Racional, em 1972, juntamente com outros dois psicólogos. Na época, eu me identifiquei também com a psicologia do trabalho. Trabalhava meio expediente no gabinete da Brigada e no restante do tempo eu comecei a fazer seleção e recrutamento, que era o que se fazia como psicólogo desta área naquela época; pouco se falava em treinamento. Naquele período, depois de já formado em Psicologia, participei de um congresso promovido por estudantes da PUC. Fui dar uma palestra e saí de lá com uma ideia: se os estudantes podiam organizar um congresso, por que os profissionais não o deveriam fazer? Isso foi em 1974.

NOI: Observando a iniciativa dos estudantes foi que nasceu o ESARH?

Doralício Siqueira Filho: Daí surgiu a ideia de promover um evento de profissionais de Psicologia Organizacional. Inclusive eu busquei o apoio dos meus sócios na Racional mas eles não viam futuro nisso. Não vislumbravam retorno. Eu encontrei o reforço e apoio nos colegas de Mestrado. Este grupo me indicou palestrantes... O primeiro encontro aconteceu em 1976.

NOI: Como foi o evento?

Doralício Siqueira Filho: Foi difícil. Na época, no Rio Grande do Sul, havia apenas psicólogos formados pela PUC (que foi a primeira no Estado a oferecer o curso). Éramos poucos no RS e poucos dessa área. Para termos um número razoável de profissionais eu projetei o cenário para a Região Sul. Convidamos profissionais de Santa Catarina e do Paraná. O Encontro chamou-se ERPO – Encontro Regional de Psicologia Organizacional. Um dos instrumentos modernos da época era o telex. Também o FAX, só que poucos tinham. Muito era por telex ou telegrama porque telefone também era caríssimo. Houve boa acolhida. Conseguimos 110 participantes. O encontro foi realizado na sede do Centro de Treinamento da CEEE de Porto Alegre. De certa forma foi surpreendente. Até o Secretário do Trabalho participou da abertura do evento. Foi o primeiro do gênero no Estado e na Região Sul do Brasil. Na realidade foi um empreendimento que eu não esperava que pudesse acontecer com esta evolução. Minha pretensão era juntar profissionais para trocar ideias, para compartilhar experiências. Por indicação do pessoal do mestrado trouxemos pela primeira vez a Fela Moscovici
 que tinha vindo de um programa nos EUA e recém lançado um livro.

NOI: Por isso você decidiu prosseguir na organização de Encontros?

Doralício Siqueira Filho: A partir da conferência da Fela juntamos profissionais dos três Estados (RS, PR e SC) para fazer uma formação em Dinâmica de Grupos. Foi um dos resultados do encontro. Fizemos uma espécie de rede e daí criamos a SBDG - Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos, no início da década de 80. Foi criada dentro da Racional a partir das pessoas que participaram do primeiro ERPO, em 1976. Tem gente que até hoje participa da comissão do ESARH, mesmo passados 40 anos, como a Elizabeth Cabral e o Everton Corrêa de Oliveira. Quando concluímos o primeiro já começamos a pensar no segundo encontro. Comecei a me dividir entre isso e “juntar o pessoal” para fazer a formação em Dinâmica dos Grupos com a própria Fela. Em 1977 teve início uma formação que foi concluída em 1979. A partir daí realizamos três encontros ERPO, eram anuais. Foram então 1977, 1978 e 1979.

NOI: O que mudou a partir de então?

Doralício Siqueira Filho: Em 1980 tivemos outra ideia. Ampliar a abrangência do encontro, agregando os administradores, e fazer, juntamente com o ERPO, o ERPA - Encontro de Psicólogos e Administradores, ainda regional. Na época houve uma resistência muito grande. Psicólogos e Administradores eram duas categorias que brigavam por espaço dentro das empresas. Havia comentários de que eu queria “juntar gladiadores no ringue”. De fato havia muita competição por mercado de trabalho na área de Departamento de Pessoal. Os Administradores não queriam dar espaço para os Psicólogos. A legislação em relação aos Psicólogos era frágil. Ainda havia muita coisa por “baixo do pano” – quem fazia a seleção, por exemplo. Mas abracei a causa e fizemos o primeiro ERPA na Delegacia Regional do Trabalho em Porto Alegre, em 1980. Por incrível que pareça, foi muito tranquilo. As pessoas se deram conta de que unir-se era grande vantagem para quem estava dentro das empresas. O tema central do Encontro foi “Profissionais de RH Face às atuais Transformações Sociais e Organizacionais”. Reunimos mais de 200 profissionais. Foi a época em que surgiu o famoso Desenvolvimento Organizacional. Naquele momento começamos a ter patrocínios.

NOI: Até então realizavam os Encontros sem qualquer apoio?

Doralício Siqueira Filho: Tínhamos mais apoio com cedência de espaço para as reuniões. Tínhamos alguma ajuda da Habitasul, mas patrocinador mesmo foi a Varig, nos anos 80. Conseguíamos passagem aérea para os palestrantes. Foi uma mudança no porte do evento. Aconteciam dois encontros por ano, o ERPA e o ERPO. Mas esses eventos começaram a ter uma diferenciação muito marcante dos demais do gênero no país por causa das oficinas – laboratórios vivenciais. Nunca tiramos o nome de “Encontro”, porque esse sempre foi o propósito maior. Começamos a coordenar laboratórios. Coisa que até hoje existe. Até mudamos para oficinas, enfim, mas é a mesma linha de não ficar só fazendo palestra, de oportunizar às pessoas serem protagonistas e coordenarem gente, grupos. Isso, para mim, foi um ponto determinante, que de fato caracterizou o que estávamos fazendo e abriu espaço para ampliação.

NOI: Quando foi que o projeto se tornou nacional?

Doralício Siqueira Filho: Depois tivemos ainda um segundo ERPA em 1981 e o quarto ERPO. Esse realmente começou a receber pessoas de outros estados, de São Paulo, de Goiás, Rio de Janeiro. Isso porque começamos a usar a imprensa. Publicamos em um jornal chamado Fator RH. A mídia potencializou nossa visibilidade e começaram a aparecer pessoas de outras partes do Brasil. Então realizamos o ENAP em 1982, o Encontro Nacional de Administradores e Psicólogos, que foi sediado no Centro Administrativo do Estado. Em 1984 e 1985 foi no Clube Farrapos de Porto Alegre. Nesta época criamos uma peça teatral que passou a se chamar RH Show.

NOI: RH Show?

Doralício Siqueira Filho: Sim! Os atores da peça eram os integrantes da comissão (risos)! Com isso nos reuníamos o ano todo para preparar a tal peça. Fazíamos de forma bem amadora. Escrevíamos o roteiro, ensaiávamos e durante o evento acontecia uma noite teatral. O pessoal se divertia muito e nós mais ainda. Ao longo do ano as reuniões eram sempre na casa de algum membro da comissão. Vimos que podíamos fazer um pouco de arte, planejar o evento e nos divertir. Em 1986, pela primeira vez fomos a Gramado, provocados pelo Gerente Comercial do Hotel Serrano que tinha ampliado o Centro de Convenções. Essa pessoa me convenceu de que Gramado seria um atrativo a mais para trazer gente de outros Estados. Foi um evento marco. A partir de 1987 fizemos o primeiro em Caxias do Sul, junto com a Associação Serrana, que era a ABRH Serrana. Fizemos no SESI em Caxias, junto com o Encontro de Recursos Humanos, o ERRH - Encontro Regional de Recursos Humanos da Serra. Neste mesmo ano fizemos o ENAP na Bahia, em outubro, em parceria com um grupo de Salvador. Tivemos muito sucesso lá! O encontro foi no Centro de Convenções do Hotel Meridian em Salvador. Foi o ano em que o RH Show teve o maior sucesso. O nome da peça era “O Tchê no cenário dos Orixás”, tinha até diretor de teatro! Os bahianos são muito dedicados à questão artística. Eles nos levavam até para o teatro ensaiar a peça! Foi o evento que abriu as portas do ESARH.

NOI: Por quê?

Doralício Siqueira Filho: Apareceram “los hermanos” lá! Vieram argentinos e uruguaios... A partir da presença deles, em 1988 batizamos o evento como Encontro Sul-Americano de Recursos Humanos. As coisas foram acontecendo inesperadamente. Crescemos muito no boca a boca. O pessoal que fez o primeiro foi passando para outros colegas, e inclusive a gente arriscou o segundo ESARH no Rio de Janeiro, em 1989, no Hotel Glória.

NOI: Rio de Janeiro?

Doralício Siqueira Filho: Sim, foi uma loucura, por incrível que pareça, 12 dias antes tivemos que fechar as inscrições! Tínhamos só 950 lugares. O Hotel era um hotel chiquérrimo. Tínhamos patrocínio da Folha de São Paulo, Golden Cross, Revista Exame, Ticket... Foi um Encontro que trouxe pessoas da América Central, do México. Um dos mais impactantes. Lá estava a Fela e vários palestrantes que vinham a Gramado e começaram a nos acompanhar sempre. Em 1990 fizemos um encontro em Caxias do Sul, no Samuara, ainda junto à ABRH Seccional Caxias. Encontramos uma adesão muito boa do pessoal de Caxias a essa metodologia de fazer o evento mais participativo, com laboratórios e vivências, também incrementou. Porém nesse ano não se chamou ESARH, foi o 13º ERPO e o 5º ERH – Encontro de Recursos Humanos. Em 1991 voltamos para Gramado como terceiro ESARH. Em 1992 fizemos dois encontros. O ERPO em abril, em Caxias do Sul, no hotel Samuara, e um ESARH em Bauru (SC), em outubro, com a ABTD. Eu acho que eu estava louco naquela época (risos)...

NOI: Como foi o encontro em Santa Catarina?

Doralício Siqueira Filho: Fomos convidados pela própria Prefeitura para fazer o Encontro lá. Na época Bauru não tinha infraestrutura hoteleira. Na última hora começaram a chegar “los hermanos” e tivemos que fechar um hotel para poder abrigá-los. Foi a edição mais traumática do ESARH. Tanto que eu nunca mais comi bauru na vida (risos). Aí, em 1993, foi a volta definitiva para Gramado. Fizemos o ERPO em maio e o ESARH no final de setembro, em Gramado. Nosso público pediu para não sairmos mais daqui. Ainda, em 1994, realizamos um encontro na CIC de Caxias do Sul e em 1995 voltamos para Gramado com o ESARH. Em outubro de 1996 também, em Gramado. Mas comecei a sentir um certo peso em fazer com tanta frequência. A ideia era não desgastar. Decidimos que um intervalo maior de tempo seria necessário para pensar melhor a temática, a mudança de coordenadores, palestrantes. Uma das coisas que influenciou também a passagem do evento para a cada dois anos foi o Congresso da Sociedade Brasileira de Dinâmica de Grupos. Como eu era presidente lá, nos anos pares realizava o ESARH e nos anos ímpares o congresso da SBDG.

NOI: A partir daí o ESARH passou a acontecer a cada dois anos?

Doralício Siqueira Filho: Exatamente, o próximo ESARH foi em 1998 em Gramado e a partir de então sempre de dois em dois anos - 2000, 2002, 2004, 2006, 2008, 2010, 2012, 2014, 2016. Era feito sempre no Serrano até 2006. Neste ano estouramos o hotel ao fazer uma parceria com o Congresso Mundial de Administração. Foi uma loucura porque eram dois hotéis lotados - O ESARH acontecia no Serrano e o Congresso Mundial no Serra Azul. No fim da tarde as Conferências Magnas eram todas no Serrano. Foi um ano super forte, envolvendo cerca de 1600 pessoas. Em 2008 foi na EXPO Gramado. Em 2010 começamos no centro de Eventos da UFRGS (que antigamente era uma fábrica da Ortopé), onde estamos até agora.

NOI: Por que buscar um parceiro para realizar o ESARH?

Doralício Siqueira Filho: Meu plano de evolução e continuidade do ESARH passava necessariamente por uma transcendência. Então, na realidade, minha ideia era que, para perpetuar-se, o ESARH teria que sair da mão da Consultoria porque eu não teria sucessor para poder continuar bancando o evento com todas as suas exigências, cada vez maiores. Fiz uma pesquisa com várias instituições que se mostraram desejosas em adquirir a marca. Tive várias reuniões, no mínimo com cinco instituições. Neste ano e meio de reuniões, a ARH Serrana sempre foi uma das participantes. Na minha opinião era a interessada que mais tinha o “jeitão” do ESARH. Já tínhamos realizado eventos em parceria então tínhamos algo muito importante e fundamental para uma parceria que é a confiança. Confiávamos na ARH e a ARH confiava em nós. Isso foi muito importante para darmos à Associação a preferência na herança do ESARH.

NOI: O que é o “jeitão ESARH”?

Doralício Siqueira Filho: Eles se mostravam dispostos a aceitar, por exemplo, as atividades participativas, as oficinas, e não fazer um evento no modelo estático “palestrante x ouvinte”. Já tínhamos feito isso juntos e senti uma adesão muito boa do pessoal da região participando com bastante intensidade. Então estabelecemos um plano de sucessão.

NOI: Como foi este planejamento?

Doralício Siqueira Filho: Em 2014 faríamos uma co-coordenação compartilhada entre ARH e Racional. Nós trabalharíamos atuando fortemente no evento com nossa equipe e a ARH Serrana faria sua aprendizagem para entender o evento. Nessa edição (2016) invertemos. A ARH Serrana passa a ser a promotora e a Racional a co-promotora. A intensidade maior de trabalho foi da ARH Serrana. Das 40 pessoas que fazem parte do Comitê, cerca de 30 são da ARH Serrana. As reuniões foram fundamentalmente feitas na ARH com nossa participação via Skype, algumas vezes presencialmente.

NOI: Como você se sente “desembarcando” do projeto?

Doralício Siqueira Filho: Sinto um alívio, de certa forma, e também uma pressão por exatamente não poder fazer um rito de passagem dentro de um padrão de normalidade. Com isso quero dizer que esse ano não podemos deixar de reconhecer que a crise econômica e política brasileira afeta todo mundo. Tivemos que trabalhar o dobro e as facilidades de outros anos não se apresentaram. O sentimento de angústia existe e ao mesmo tempo de satisfação e felicidade, porque estou sentindo que a ARH Serrana tem se empenhado ao máximo para dar longevidade ao evento. Um grande temor meu (e fiz diversos contatos) é o fato de que as Associações, via de regra, costumam ser pouco operativas, ou seja, ficam muito centradas em meia dúzia de diretores que não participam intensamente. Todos têm seus empregos e poucas pessoas internas para dar conta. Eu já conheço Caxias do Sul há um bom tempo e a Região da Serra também. Sei que quando “la cosa è nostra” há um empenho intensificado (expressão italiana que significa – “quando a coisa é nossa”). O pessoal tem transpirado! Não me deixaram sozinho. Até hoje eu sempre tinha tomado todas as decisões, eu era majoritário. Nessa edição eu estou compartilhando-as com mais dois vice-presidentes da ARH Serrana. Temos um Comitê de Coordenação. Tivemos reuniões todas as semanas e telefonemas todos os dias. Raro quando não de dia e de noite (risos). A culpa é do Francisco e da Zilda*! Eu não os deixei em paz! Agora eles terão que aguentar... (risos).

NOI: Com toda a tua experiência de vida, como você avalia as mudanças que o ser humano enfrenta na forma de se relacionar por conta dos avanços tecnológicos?

Doralício Siqueira Filho: Considero relevante o tempo que me preparei para poder facilitar o Desenvolvimento Interpessoal e Grupal, ampliando a auto confiança e o respeito á diversidade. Quero ajudar pessoas a estabelecerem relações mais autênticas. Lamentavelmente a maioria das pessoas têm uma visão limitada do avanço da tecnologia da informação e lida obstruindo de maneira crescente o processo de relacionamento. Aumentam assim as dificuldades para que as pessoas avancem em busca do auto desenvolvimento. Neste século XXI, um número cada vez mais crescente de pessoas, nos quatro “cantos do mundo”, considera muito mais importante saber se os outros estão “online”, do que saber se estão sendo felizes, do que estabelecer um relacionamento efetivo uns com os outros. Na minha história constatei e relatei o empenho que no passado tínhamos que fazer para nos conectarmos com as pessoas, porém, quando conseguíamos, tínhamos a formação de laços afetivos que abriam espaço para aprofundamento, para a formação de  vínculos e inclusive estabelecimento de amizades duradouras. A facilidade de contatos via tecnologia de informação abriu caminhos para conexões rápidas com amigos “virtuais”, passando a predominar  o interesse na rede e não mais nas pessoas. Destas, hoje, desapega-se e facilmente, descartamos rapidamente, com um clique. A consequência disso é uma verdadeira dicotomia entre o mundo real e o virtual gerando relações fragilizadas. As relações  esvaem-se concentrando-se na web, que oferece equipamentos cada vez mais especializados e atrativos. As pessoas relacionam-se mais com os aparelhos eletrônicos, do que consigo ou entre si.

NOI: Por que ESARH 40 anos - Redescobrindo a Convivência?

Doralício Siqueira Filho: Quando projetei a ideia do tema central me inspirei exatamente na lacuna da convivência que se criou e avança vertiginosamente, começando na infância, pois até as crianças deixaram de brincar convivendo. Pretendemos, como desafio principal do “ESARH 40 Anos”, trabalhar em prol dos processos coletivos para que estes voltem a ser significativos ajudando as pessoas a redescobrir o sentido e caminhos para a verdadeira convivência, resgatando  o valor da relação efetiva e autêntica. Não quero menosprezar a facilidade da comunicação que é muito relevante, pois inclusive pode contribuir para a aproximação das pessoas. Considero vital redescobrirmos formas de liderar a construção de verdadeiras relações, pois  temos consciência de que se não resgatarmos o sentimento de humanidade necessário, verificaremos o aumento do muro que se agiganta, separando as pessoas dos valores nobres que facilitam o engajamento, a confiança e a convivência saudável no  mundo do trabalho, na família e na Sociedade.

NOI: Com quase 80 anos de vida, de onde você tira tanta energia?

Doralício Siqueira Filho: Nem eu sei! É disposição, crença de que quando a gente põe metas e se empenha as coisas acontecem, mesmo numa situação crítica. Conseguimos superar!

NOI: como você avalia o seu projeto inicial em relação ao resultado hoje?

Foi muito além do que eu imaginava. Tenho a satisfação de ir a várias regiões do país e ter amigos onde quer que eu chegue. Em todo esse período fiz muitas palestras, coordenei grupos e até hoje coordeno pós-graduação em Dinâmica dos Grupos na República Dominicana, por exemplo. Isso é uma satisfação! É claro que de muita coisa a gente acaba tendo que abrir mão. Tenho três netas que estavam no campeonato brasileiro de patinação artística e eu não pude ver as apresentações... Há coisas das quais abrimos mão quando temos um comprometimento maior. Esta é uma das questões chaves nesta história toda - o comprometimento. Triste foi que perdemos alguns amigos queridos nesse período, a primeira palestrante, Fela, e a primeira coordenadora temática, a Cláudia... mas se temos pessoas que estão desde o início é porque têm uma identificação com o Encontro. Levam o ESARH como causa. Chamamos essas pessoas de “esarhianos”...

NOI: E para o futuro?

Doralício Siqueira Filho: Quero escrever porque, na real, com a transpiração dos eventos e a inquietude, não dá para colocar tudo isso no papel. Eu ainda faço mentoring, dou consultoria, mas a tendência é reduzir e colocar a energia em escrever e viajar. Índia, Barcelona, Londres... não tenho meta traçada. Com relação à Racional, tenho a minha esposa e uma filha que está comigo há 20 anos, a Fabíola. Elas decidirão o que fazer com o futuro da consultoria. Agora quero registrar minhas experiências. Visitar os países que eu gosto. Diminuir o ritmo de trabalho que eu já trabalhei muito para fazer toda essa gente se encontrar... (risos).