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Escrita Estratégica

08/05/2017

"É Preciso Criar Roteiros"

Ser um lugar atrativo só não basta; a Serra Gaúcha precisa elaborar produtos turísticos    

"Vocês sabem o que é bonito aqui, o que tem de legal. O desafio é transformar isso em produto, em roteiros regionais. Se Garibaldi, pensar só em Garibaldi, não dá. Se Caxias olhar só para si, também não, e assim com todos os municípios da Serra. O turista que vem para cá quer conhecer e desfrutar da região toda", alerta Aroldo Schultz, fundador da Schultz Turismo (esquerda), em entrevista concedida à Caroline Pierosan, editora da revista NOI (centro) em evento promovido em parceria com a Universidade de Caxias do Sul, representada por Maguil Marsilio (direita), professor da UCS Escola de Viagens, na Escola de Gastronomia de Flores da Cunha

O alerta é do visionário empreendedor Aroldo Schultz, que esteve na Escola de Gastronomia de Flores da Cunha (RS), no dia 11 de abril, para receber pessoalmente cerca de 80 representantes de agências e agentes de turismo da Serra Gaúcha que participaram do Work Schultz. O encontro promovido pelo Grupo Schultz Turismo, uma das maiores operadoras de Turismo do Brasil, promoveu debate sobre tendências do setor no mundo. Todos os participantes receberam exemplares da última edição da revista NOI. Aroldo Schultz, que hoje mora em Portugal (onde trabalha na internacionalização de sua marca), concedeu entrevista exclusiva para a revista:

NOI: Qual o segredo para realizar com sucesso ideias inovadoras?

Aroldo Schultz: Muitas pessoas têm boas ideias e não executam. O grande segredo é executá-las. Por mais que a execução nunca seja no tempo que você quer… mas tem que persistir. A diferença entre o fracasso e o sucesso é persistência. Às vezes você tem uma excelente ideia, mas também tem tanta gente negativa ao teu redor dizendo coisas como ‘não vai dar certo’, ‘é uma loucura’, ‘é uma porcaria’… Entretanto, se você acredita na sua ideia, persista e lute que você vai chegar lá.

No começo da sua empresa, você passou por isso?

Schultz: Total, sempre. Comecei como office boy, abri empresa na minha casa, e isso foi crescendo, crescendo, até chegar aos dias de hoje…  Abri há dois anos a filial em Portugal. Depois que eu falei em ir para lá uns 10 concorrentes também foram. Hoje nenhum está mais lá. Eu fui com o objetivo exportativo, ou seja, mandar turistas portugueses para o Brasil, e não deu certo. E isso é importante: quando não dá certo, muda o caminho! Então fizemos o contrário, criando um produto novo para levar brasileiros a Portugal. Agora estou expandindo para Suíça, Itália, França. Quero fazer um produto aqui também para a Serra Gaúcha.

Como a nossa Região pode explorar melhor o enorme potencial turístico que tem?

Antes de mais nada é preciso vontade política. Isso ajuda muito. Por exemplo a Secretaria do Turismo de Flores da Cunha já abriu as portas do município para nós, quer nos mostrar o que existe de bonito aqui – eu tenho todo o interesse, o problema é tempo! (risos). Mas é uma região que permite sim, o desenvolvimento do turismo. O Brasil está carente de lugares seguros, o maior problema do país se chama segurança!

Isso atrapalha o mercado do turismo?

Claro! Eu mesmo, tenho medo de viajar no Brasil! Se nós conseguirmos provar para as pessoas que vir aqui para a Serra Gaúcha é seguro, já vale muito! Nós não precisamos de estrangeiros – o Brasil só fica pensando neles, e esquece que aqui, no no mercado interno, temos 200 milhões de pessoas que podem viajar. Temos o Nordeste que não sabe o que é frio! Nossa Europa está aqui! Aqui tem Itália, tem Alemanha, tem vinho, tem comida, uma Escola de Gastronomia maravilhosa como esta, temos natureza, temos praia aqui perto, temos serra, temos tudo. Falta só executar! Falta iniciativa!

Achas que a crise no setor metal-mecânico gera oportunidades para que empreendedores daqui se engajem com o turismo?

Até acho que sim, mas são áreas bem distintas – quem está na indústria não tem nada a ver com turismo. Quem trabalha com turismo receptivo não depende da indústria local, depende de iniciativas próprias. O grande problema é que, como destino, não basta ter atrativo. Atrativo, só, não vende, o que vende é produto, é organização, algo montado, uma rota, por exemplo. Estou estou criando agora, uma para a Suíça. Falei para o representante lá da região – olha, ninguém irá para sua região se for para ficar 9 dias, por mais lindo que seja… a mesma coisa se aplica para cá. Flores da Cunha pode até ser lindo, mas ninguém vai ficar 10 dias aqui. Agora, trazer um turista para visitar Flores da Cunha, Bento Gonçalves, conhecer Nova Petrópolis, Gramado… isso sim, as pessoas vão comprar essa viagem! Quem não quer fazer isso? Todos querem! Então já tem tudo, só falta criar algo diferente, comercial. Como é uma região e envolve diversos municípios, tem que haver, no meu ponto de vista, união entre as Secretarias.

Avalias que a região tem potencial não explorado?

Claro que sim, as cantinas, a Tonet, por exemplo! É algo rústico, puro. O turista quer isso! Originalidade. Queremos criar um pacote de 8 a 9 dias pra trazer turistas brasileiros à Serra Gaúcha, a partir do conceito de small group, que lancei em Portugal. Grupos de até 8 viajantes sempre em vans. Oito viajantes parece pouco, mas lá, já chegamos a ter saídas com até 15 vans. A grande vantagem de um projeto assim é que não precisamos hospedar em hotéis grandes, podemos usar lugares menores, pousadas – e isso ajuda a comunidade local. Esse eu considero um turismo sustentável. Eu tenho um ditado – ‘ou sai com dois, ou não sai com 20!’ (risos). Nossa regra é, tem dois? Tem que acontecer. Vocês sabem o que é bonito aqui, o que tem de legal. O desafio é transformar isso em produto. O que é um produto? Se Garibaldi pensar só em Garibaldi, não dá. Se Caxias olhar só para si, também não, e assim com todos os municípios. O turista que vem para cá quer conhecer e desfrutar da região toda. Tem vinho, ok, mas nem tudo é vinho na vida, tem outras coisas interessantes também, como queijarias, lugares históricos, os mitos. Lugares que têm lendas… nós vivemos história. Por exemplo, dizem que aqui tem uma das vinícolas mais lindas do mundo, a Boscato… eu, que trabalho há 31 anos com turismo, não sabia…  Vocês precisam formatar roteiros!

Como estimular o gaúcho da Serra a comprar turismo (para fora do país, por exemplo)?

Mostrando a ele que o mundo hoje está muito aberto a receber, que se ele for para o exterior, terá ideias para aplicar em suas cidades. Quem sabe voltará até valorizando mais o que tem aqui. Viajar é cultura! Quando você viaja, você aprende. Ver-se de longe faz bem. Acho que um dos primeiros destinos que o brasileiro tem que conhecer é Portugal. É um país irmão, é o mesmo idioma. Fica fácil se comunicar. Portugal é a porta da Europa para o brasileiro.

Por que você optou por morar na lá?

Eu nunca tive a chance de morar no exterior, venho de uma família simples. Nunca tive renda suficiente para poder morar fora e sou um grande vendedor da Europa. Eu devo ser, no Brasil, o maior vendedor do continente europeu. Achava Portugal mal explorado. Em dois anos que estou lá já levei mais de 200 agentes de viagens para conhecer o país. E um dos grandes segredos é criar uma rota e ter empenho dos empresários locais. Depois, a nosso exemplo, vocês precisam trazer agentes de viagens do Brasil todo (profissionais selecionados a dedo) para conhecer a rota que vocês criaram. Com isso você consegue consolidar a proposta. Fazendo bem feito funciona, mas todos têm que estar envolvidos – iniciativa privada, governo. O tempo também ajusta o roteiro, tem que ouvir o mercado. O segredo do empreendedor é saber se adaptar às novidades e demandas.

Caroline Pierosan