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Escrita Estratégica

04/07/2019

As Mãos que Fazem

Gustavo Sana fala sobre o projeto social que lidera e sobre a relevância da Literatura hoje

O segredo do voluntariado não é a doação, mas sim a troca, o compartilhamento ( Foto: Nino Bellini) 
"Basta ser o bem e fazer o bem! Como diz aquele provérbio chinês, "sempre fica um perfume nas mãos que oferecem rosas" ( Foto: Nino Bellini)  "Herança é algo que deixamos para os outros. Legado é algo que deixamos nos outros" ( Foto: Nino Bellini)

Os olhos brilham toda vez que o gerente regional de vendas Gustavo Sana fala sobre seus planos. Ele tem a impetuosidade e a energia dos seus 35 anos, mas a expertise e a seriedade de um veterano, quando o assunto abrange projetos sociais. A modelo Greice Leite, convidada pela revista NOI para realizar essa entrevista, foi até Porto Alegre (cidade natal de Sana), para ouvir o empresário. “Me senti desafiado”, relatou ele, ao contar como foi a sua primeira visita a um dos abrigos que atende com o Projeto Social “Alimente sua Alma” em 2008. Desde esse momento a iniciativa já auxiliou mais de 2.500 crianças em estado de vulnerabilidade social.

O Projeto está em seu oitavo ano, e, atualmente, conta com uma equipe de cerca de 10 pessoas envolvidas em cada ação. “Já passaram mais de 200 pessoas pelo projeto que acontece, geralmente, na última quarta-feira de cada mês”, relata Sana. “Realizamos atividades festivas (comemorando o aniversário das crianças que nasceram no mês respectivo), com brinquedos infláveis e mesas de doces. Outras visitas dos voluntários são feitas em datas comemorativas como: volta às aulas, Páscoa, Festa Junina, Dia das Crianças e Natal”, complementa. A tarde de troca de ideias com Greice gerou essa entrevista inspiradora que, sem dúvidas, despertará questionamentos válidos em qualquer leitor.

NOI: Com uma agenda tão turbulenta, à frente de negócios, como surgiu a ideia de ser um voluntário realizando ação social?

Gustavo Sana: Não tive uma motivação ou data de início específica. Foi simplesmente uma intuição no sentido de fazer algo a mais. O que era pra ser apenas uma ação de arrecadação em 2008, ao longo do tempo foi se tornando algo maior, além da doação material. Hoje em dia procuro passar a ideia de que o voluntariado tem que ser uma prática do dia a dia, assim como fazemos academia, esporte ou qualquer atividade de lazer. A ideia é desmistificar essa cultura de assistencialismo e promover que o voluntariado seja algo que faz parte do cotidiano das pessoas.

O Projeto Social “Alimente sua Alma”, existe desde 2011. Atualmente vocês atendem quantos abrigos?

Ele começou com uma primeira ação no Natal de 2008, mas realmente teve uma sequência maior de atividades desde o Natal de 2011 até os dias de hoje. Atualmente são atendidos quatro abrigos, com aproximadamente 100 crianças de 0 a 17 anos.

Com qual frequência as visitas são realizadas?

As visitas são mensais, sempre na última quarta ou quinta-feira de cada mês (de acordo com a previsão do tempo). Nessa data organizamos a festa de aniversário das crianças do mês, onde alugo brinquedos infláveis, além de montar a mesa com bolo, doces e presentes. A ideia é ressaltar a dignidade de cada um! Além disso, faço algumas ações sazonais de Páscoa, Dia das Crianças, Volta às Aulas e Natal, vestido de Papai Noel.

As crianças que estão nos abrigos estão disponíveis para adoção?

Cada caso é um caso. Isso depende muito da situação da criança e família. No ano passado, tivemos muitas adoções com a desburocratização do processo, que ainda é muito moroso, mas que exige cuidados para que a escolha seja positiva, tanto para os novos pais quanto para a adaptação da criança/jovem.

Qual a maior carência dos abrigos?

Como o giro de crianças é muito grande (nesses oito anos já passaram mais 2.000 crianças), a necessidade de apoio é sempre constante, seja com roupas, alimentos e materiais de higiene pessoal. Mas isso todos os abrigos enfrentam. O que procuro comunicar é que, antes de doar algo, a pessoa tem que doar a si. É preciso estar disposto a doar seu tempo, seu carinho e seu amor, para, aí sim, ver de que forma melhor pode contribuir. Muitas pessoas querem ajudar e não sabem como. Costumo dizer que ajudo crianças ricas e não carentes, pois elas são ricas em resiliência, amor e sorrisos. O que lhes falta é apenas oportunidades e conforto para evoluir na vida.

Você sente muita dificuldade em encontrar apoio?

Confesso que é um desafio diário. Já observei diversos casos de pessoas que foram uma vez e nunca mais apareceram, mas, ao longo do tempo, fui ganhando grande braços direitos que me apoiam e que confiam no “Alimente”! Procuro dizer que não lidero uma ONG, mas sim uma Associação de amigos que contribuem com o coração!

Por que ajudar crianças e não velhinhos ou outras pessoas em estado vulnerabilidade social?

Porque as crianças não estão lá por livre escolha. Foram deixadas por alguém lá! Já trabalhei com adultos, moradores de rua, e percebi que muitos estão lá por opção. Gosto também de ajudar idosos e ainda faço diversas ações sazonais de apoio, mas de forma pessoal e anônima. Quanto ao trabalho, tive que escolher as crianças, justamente para ter um foco maior em desenvolver algo para elas!

Quem pode ser um voluntário ? Há pré-requisitos ? Como faço para me tornar um?

Como eu disse anteriormente, o segredo do Alimente Sua Alma é ser diferente dos outros. Justamente por isso não estabelecemos regras ou procedimentos. O pré-requisito é ter o coração aberto e comparecer nas visitas para entender realmente com tudo funciona. A única coisa que exijo das pessoas é que não prometam o que não podem cumprir e que procurem ter uma certa frequência nas visitas, pois somente assim poderão desenvolver um sexto sentido de perceber que a ação não é de doação, mas sim de troca! Lá nós ensinamos, mas aprendemos muito!

Como as empresas privadas podem participar do projeto?

As empresas são bem vindas, assim como as pessoas. Não tem diferenciação! Obviamente, por questões financeiras, acredito que seja mais fácil para empresas contribuírem. A depreciação e as necessidades dos abrigos são diárias. Por isso é importante que consigamos manter a estrutura do abrigo em boas condições, sempre renovando os móveis, eletrônicos, entre outros itens. Meu projeto futuro é construir um espaço de convivência dentro de um dos abrigos, justamente para proporcionar conforto e oportunidade de convivência em um lugar maior. Para se engajar a essa iniciativa empresas interessadas são sempre bem-vindas!

Quais as metas a longo prazo para o projeto?

Meu projeto de vida ainda é construir um centro próprio onde as crianças possam passar o dia com atividades de lazer (para os pequenos) e de profissionalização (para os adolescentes). Enquanto isso ainda não é possível, a meta é de sempre abrir oportunidades para todos, seja no encaminhamento da adoção, assim como gerar oficinas de esporte, lazer, cultura e trabalho. Muitos precisam apenas de uma oportunidade. Minha função é oferecê-las.

Você acredita que o esporte tem função regeneradora na vida dos jovens? Por quê?

O esporte é peça chave nessa função, justamente por trabalhar a disciplina e motivação pessoal. Ele é a esperança para muitos jovens potenciais e tenho certeza de que é um grande motivador na vida deles.

Qual história mais te marcou nestes anos de voluntariado?

Poderia escrever um livro apenas com essas diversas histórias! Mas receber informação ou reencontrar crianças que foram adotadas ou que estão trabalhando e construindo a sua vida é a minha maior recompensa! São tantas histórias que não poderia me limitar a apenas uma! Hoje tenho consciência de que não vou salvar o mundo, mas fico muito feliz por saber que algumas boas vidas foram mudadas para melhor, graças ao projeto Alimente! Gratidão é a palavra!

Os que as pessoas precisam saber sobre voluntariado?

Minha missão é quebrar essa barreira que existe, criada pela sociedade, de caracterizar o voluntariado como algo assistencialista. Quero mostrar que podemos fazer as loucuras da nossa vida e, da mesma forma, ajudar as pessoas à nossa volta. Não adianta fazer uma doação e não dar bom dia a seu vizinho. Não adianta desejar o bem e não abraçar seus pais. As mãos que fazem valem mais que as mãos que rezam! O segredo do voluntariado não é a doação, mas sim a troca, o compartilhamento. É abrir a guarda e se permitir ajudar pessoas de uma forma simples, sem regras ou questionamentos, apenas ser o bem, fazer o bem! Como diz aquele provérbio chinês, “sempre fica um perfume nas mãos que oferecem rosas”.

Quais são teus planos pessoais para o futuro?

Viver uma vida plena, leve, cercada de pessoas que valorizem esse legado do projeto Alimente Sua Alma e de seguir questionando o mundo! Obviamente que pretendo sempre estar focado em ter uma vida repleta de realizações, com olhos no horizonte e pés no chão, praticando o melhor sentimento que podemos ter: a gratidão! Como eu sempre digo, herança é algo que deixamos para os outros. Legado é algo que deixamos nos outros.

 

Edição de Conteúdo I Caroline Pierosan - Entrevista I Greice Leite - Fotos I Nino Bellini