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Escrita Estratégica

02/10/2017

O Desafio da Felicidade nos Relacionamentos

Diante da revolução cultural e tecnológica que testemunhamos, como encontrar a felicidade e qual o formato ideal de relacionamento para mantê-la?

As pessoas tem casado mais tarde, estão mais individualistas, querem se capacitar e equipar mais para o mercado de trabalho, se entreter mais, aproveitar da liberdade sexual e de tudo que hoje nos é oferecido em termos tecnológicos e de relacionamento O casamento, segundo várias pesquisas, oferece bem-estar e prolonga a vida Na Psicologia Positiva trabalhamos o lado positivo das relações, não deixando de considerar o que está disfuncional

Depois de atuar 21 anos como advogada, principalmente em causas do Direito de Família, tendo, não raro, com sua orientação, feito ações de divórcio reverterem em continuidade e harmonia familiar, ela decidiu ir além, formando-se em Psicologia, com foco em atendimento a casais. A seguir, Claudete Morsch Soares fala sobre casamento, divórcio, sobre a multiplicidade de formatos de relacionamentos possíveis hoje, e, principalmente, sobre a busca pela felicidade e pela realização pessoal no âmbito afetivo. 

NOI: Hoje idealizamos relações alternativas como, por exemplo, ter vários parceiros, ou parceiros do mesmo sexo, ou ainda as facilidades do divórcio. Estamos, por meio desta liberdade, caminhando para uma vida emocionalmente mais saudável e feliz?

CLAUDETE MORSCH SOARES: Na verdade todas as formas de relacionamento têm seus desafios. Por exemplo, numa relação aberta, em que as pessoas têm afinidades, projetos comuns, querem ficar juntas, mas querem também ter a liberdade de se relacionar com outros sexualmente… Quem disse que esse tipo de relacionamento é o supra sumo, que as pessoas ali envolvidas vão ser, garantidamente, super felizes? Há desafios nesse formato, como em todos os outros tipos de relacionamento afetivo. Muitas das pessoas que optam por relacionamentos com formatos alternativos ao tradicional (homoafetivo, poliamoroso…) enfrentam muitas dificuldades para serem aceitas na nossa sociedade. As vezes se isolam, vivem em guetos, ou só com os seus pares para se sentirem mais seguras e confortáveis. Então uma avaliação mais aprofundada de cada caso é fundamental. A palavra chave é acordo (negociação). Para que as parcerias dêem certo, ou seja, para que haja qualidade e satisfação conjugal tem que haver ajustes frequentes. Talvez para determinada díade ou grupo amoroso a modalidade escolhida funcione, para outros não. Cada relacionamento afetivo tem uma forma de funcionamento. Os conflitos surgem por vários motivos, a começar que cada pessoa é única, com suas características pessoais, temperamento, histórias de vida, envolvendo vários aspectos, culturais, ideológicos, crenças e mitos, etc. O mito por exemplo, de que no casamento feliz não existe frustração, de que quem vive um casamento assim não sente raiva, não discute, é uma bobagem. Muitas vezes as divergências, brigas, auxiliam o casal, ou o grupo, a refletir e crescer nas suas individualidades e no modo de pensar a própria conjugalidade. O parâmetro de uma conjugalidade perfeita, acaba produzindo falsas ideias sobre a realidade da vida em comum, gerando um padrão difícil de ser atingido. O essencial é que haja contribuição mutua nos relacionamentos.

Quais fatores você diria que são mais determinantes para motivar um divórcio?

Quando comecei a cursar Psicologia tive contato com várias pesquisas em torno do assunto, realizadas aqui e em outros países. Um dos principais fatores geradores de conflitos conjugais é a falta de tempo. As pessoas se queixam muito disso atualmente. De não ter tempo para conversar ou de permanecer mais tempo juntas para a realização de tarefas rotineiras ou atividades de lazer. Outro aspecto são os problemas advindos da criação e educação dos filhos. Ao mesmo tempo que, ter filhos é uma forma de realização pessoal e que traz alegrias para o casal, quando não há uma participação efetiva de todos os envolvidos ou uma divisão equilibrada de tarefas, as situações envolvendo os cuidados com a prole costumam gerar muita discussão. Cada membro do casal traz a sua história de vida para a relação. Muitas vezes, com estilos bem diferentes de criação. Cada qual gostaria de criar o filho do modo como foi educado, o que gera muitos conflitos. As mulheres costumam ainda se queixar da sobrecarga em relação aos cuidados com os filhos. Embora saibamos de todas as transformações culturais havidas ao longo dos anos, de que a mulher hoje tem mais independência, trabalha fora e auxilia na economia doméstica, os cuidados com as crianças, na maioria das vezes, ainda ficam ao encargo delas. A sobrecarga é muito grande, acompanhamento educacional, noites mal dormidas... elas trabalham fora e, em casa, como mães, cuidadoras e administradoras do lar. O fato é que filhos mudam a dinâmica familiar e o casal precisa estar preparado para isso. Outra questão importante é a sexualidade (que é um item basilar no casamento). O outro se sente bem? Eu percebo isso? Ele me diz? Eu me interesso? Muitas vezes são apontadas questões até como o desleixo com a aparência. As pessoas não conversam sobre isso, não buscam alternativas, não se comunicam. Vai-se criando um desgaste na vida conjugal, que pode levar à falta de interesse e até a perda da intimidade. Aos poucos pode desencadear, ou contribuir para outro problema apontado nas pesquisas como motivador de conflitos e crises, e até de ruptura do vínculo, qual seja, as relações extraconjugais. É também uma situação que não só quebra a confiança mas provoca dores muito intensas. A traição mexe com a segurança da pessoa, com sua autoestima, gerando uma situação de desamparo. Poucas pessoas conseguem “sobreviver” ao impacto da infidelidade. Pessoas mais equipadas emocionalmente, em situações onde há uma base de amor preservada, ou que já se valeram de outros recursos como terapia, conseguem ter uma compreensão melhor de si mesmos e da vida e dar ‘a volta por cima’ numa situação destas, principalmente perdoando, o que vai demandar um novo ajuste na relação. Isso é bem complexo e pontual. A infidelidade também vem sendo facilitada pelo acesso à tecnologia digital que acaba proporcionando a aproximação de pessoas distantes e o afastamento dos que estão próximos. Você consegue conversar com antigos namorados ou namoradas, pessoas desconhecidas que se mostram “muito interessantes”. Existe toda uma idealização nestes contatos, que muitas vezes acabam saindo do campo virtual para o real, acarretando uma série de conflitos conjugais. Outro fator que motiva muitos divórcios são as questões de temperamento, a presença de psicopatologias que também podem impactar nos relacionamentos. Quadros de depressão, histórico de drogadição, alcoolismo, dentre outros podem conduzir a vários problemas, desordens e disfunções impactando na família quando não enfrentados de forma saudável. A questão da divisão de tarefas domésticas também é bem complexa. As pessoas não conversam ou negociam a respeito disso. Questões de ordem financeira, disputas de poder, são  geradoras de muitos conflitos. Aponta-se ainda a falta de intimidade e afeto, de companheirismo, de cumplicidade. São muitos os fatores que, se não rompem com o vinculo conjugal,   tornam a relação disfuncional e geradora de sofrimento. Um dos fatores que também poderíamos colocar como facilitador do rompimento das relações, é a facilidade que, hoje, as pessoas têm de se divorciar. Com a emenda constitucional 66/2010 não é mais necessário passar primeiro por um processo de separação judicial e nem se discutir a culpa pelo rompimento da união. Além disso, entre maiores e capazes, o casamento formal se dissolve via Tabelionato, acompanhado de um advogado. Essa facilidade tem contribuido para que algumas pessoas entendam ser muito mais interessante, mais fácil, se divorciar e partir para um novo relacionamento do que tentar resolver o que está disfuncional no casamento.

Para exercermos uma profissão fazemos cursos, faculdades, doutorados; para dirigir um carro nos preparamos numa auto-escola; mas para casar e ter filhos, não há qualquer preparação…

Isso tem gerado muitas discussões e se fala muito na questão da educação para a conjugalidade. As pessoas não são educadas para casar, não entendem o que é na realidade essa prática. A maioria acha que casamento é a continuidade do namoro. E não é! Os primeiros anos da relação, como casados, são fundamentais. Você traz consigo comportamentos aprendidos na convivência com a família de origem, fora os aspectos inconscientes (as escolhas muitas vezes o são). É preciso identificar ‘o que na verdade eu busco nessa relação?’. Expectativas como ‘eu casei com um príncipe, eu vou ser muito feliz, vamos namorar muito’ podem se mostrar irreais… é preciso trabalhar, planejar o filho, o dia a dia, a divisão de tarefas. Temos os nossos sonhos, a nossa individualidade mas também temos que pensar na conjugalidade. É preciso distinguir o ‘eu’, o ‘tu’, e o ‘nós’, que são os três entes de uma relação. Os ajustes nos primeiros tempos da formação da conjugalidade são super importantes. É é aí que a maioria dos casamentos não resistem. As pessoas geralmente não têm competência para essa partilha de vidas. Muitas vezes falta preparação e até mesmo maturidade. Diante de toda essa complexidade surgem os confrontos, onde cada um quer que a sua posição prevaleça. Quando faltam projetos comuns e as individualidades prevalecem aumentam as insatisfações e os conflitos. Casamento tem que ser um caminhar juntos, mas respeitando as individualidades. É preciso ouvir, ter comprometimento, solidariedade e interesse pelo outro. Até simples situações do dia a dia como elogiar, agradecer, pedir desculpas quando se erra... Isso tudo demonstra maturidade que contribue para relações de qualidade. Sempre digo que é preciso recasar várias vezes com a mesma pessoa.

Podemos dizer que hoje está mais difícil casar e permanecer casado?

O casamento ainda é uma boa proposta para muitos. O que tem acontecido é o adiamento. As pessoas tem casado mais tarde, estão mais individualistas, querem se capacitar e equipar mais para o mercado de trabalho, se entreter mais, aproveitar da liberdade sexual e de tudo que hoje nos é oferecido em termos tecnológicos e de relacionamento. Muitos, porém, ainda buscam a felicidade no casamento, que, segundo várias pesquisas, oferece bem-estar e prolonga a vida (o casamento saudável é claro). A escritora *Susan Andrews, em seu livro, “A ciência de ser feliz”, faz referência à estudos realizados mundo afora, de que hoje, quando se fala em felicidade duradoura, há dois fatores bem importantes que são apontados: Um deles é ter fortes laços afetivos com pessoas (amigos e familiares, companheirismo, casamento), o amor que damos e recebemos, ou seja, ter pessoas próximas a nós. Isso acarreta mais felicidade, uma sensação de bem-estar maior do que a encontrada nas pessoas solteiras. O casamento acrescenta, em média, sete anos de vida ao homem e quatro anos à mulher.  

É certo dizer "em briga de marido e mulher não se mete a colher"?

Isso é um mito, embora proteja a intimidade do casal, não pode servir ou contribuir para acobertar situações que precisam de intervenção externa. Hoje com todo o histórico de violência doméstica que temos assistido, infelizmente, não é certo. Creio  que é um dever de todos que tiverem conhecimento ou presenciarem cenas de violência intervir. Não se trata de se meter. A violência tem que ser combatida. Não podemos mais falar que isso não é “comigo”. É com todos nós. Não podemos ficar omissos quanto à violência. Não devemos nos meter em questões outras, do casal. Agora, o que é relativo a violência, maus tratos, seja com mulheres (às vezes o agredido é o homem), crianças, com idosos, é um dever nosso. Temos o dever de tentar coibir, de denunciar… de salvar uma vida!

Por que tornar-se psicóloga?

Nos últimos anos (mais da metade dos meus 21 anos de atuação como advogada em Bento Gonçalves), tenho atuado no Direito de Família. A ideia de cursar psicologia surgiu durante esse período em que estive mais próxima de casos envolvendo separações, divórcios, e dos conflitos conjugais que levam a estes pedidos, e que envolve também  disputas de guarda de filhos, prestação de alimentos e partilhas de bens. Durante os meus atendimentos comecei a perceber que a conversa sobre questões jurídicas era relativamente curta, pequena, diante de todos os dramas que as pessoas traziam. Os clientes chegam emocionalmente abalados, precisando de apoio emocional. Entendo que o profissional de Direito tem que ter essa preocupação de auxiliar e amparar, além do interesse em resolver a lide. Muitas vezes o resgate da relação do cliente é possível, não se trata de um caso de divórcio. As pessoas querem ouvir isso do profissional, querem apoio! Procuro analisar o histórico de vida das pessoas que me procuram, as questões envolvidas, o que levou ao seu desgaste… Comecei a me interessar muito pelo fator comportamental. Quando percebia que não havia uma razão tão profunda para a separação, para o divórcio, comecei a indicar e mesmo encaminhar para atendimentos psicológicos (psicoterapia individual ou de casal), ou com psiquiatras, dependendo a necessidade e gravidade. Muitas vezes o cliente não voltou mais, o que significa que conseguiu equacionar o problema que o afligia. Outros retornavam com a ideia mais firme e amadurecida de sua escolha, o divórcio. O trabalho do profissional do Direito não é só atender com o olhar meramente jurídico, mas, principalmente visando o melhor resultado para o seu cliente. O importante é que o resultado do atendimento seja satisfatório para si e para quem o procura. Posso dizer que evitar um processo desgastante pode trazer um grande alívio e amparo. Também me sinto engrandecida quando essa alternativa é possível.

Como Psicóloga, qual é o seu direcionamento teórico?

Gosto da linha da Psicologia Positiva. Ela nos traz um novo olhar e compreensão da conjugalidade. A corrente nasceu no final do século XX com o teórico **Martin Seligman. Propõe a modificação do foco da Psicologia de estudos das doenças mentais para o estudo das forças e virtudes do ser humano, ou seja, das qualidades positivas relacionadas ao bem-estar. Na Psicologia Positiva trabalhamos o lado positivo das relações, não deixando de considerar o que está disfuncional. Ou seja, o reconhecimento das potencialidades dos cônjuges como estratégias para uma vivência conjugal considerada saudável. Ás vezes o negativo é um item muito pequeno na relação, mas as pessoas se apegam tanto a isso que acabam minando todo o relacionamento. Precisamos focar no que é bom. As pessoas dão um peso enorme e desconsideram os apectos positivos da relação como, por exemplo, ter projetos comuns, ser bons parceiros de viagem, ser bons parceiros sexuais, etc. Focar nas emoções positivas pode, além de manter o equilíbrio, prevenir situações disfuncionais mais adiante. Você reforça laços e cria um aparato de soluções futuras, criando recursos para a manutenção do casamento quando as crises surgirem. Trabalhar com os aspectos positivos do casamento é muito saudável. 

Entrevista: Ana Facchin e Caroline Pierosan I Fotos: Josué Ferreira