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Escrita Estratégica

01/05/2015

Qua Comando Mi

Será mesmo? Até que ponto a vida vazia de espiritualidade pode satisfazer o ser humano? Como a busca por ela pode potencializar as organizações?  

"O seu conhecimento técnico pode ser substituído por outra pessoa, mas a sua contribuição espiritual é insubstituível" Daniel Lima (Foto: Julio Soares )

Como crescer em espiritualidade, desenvolver comunidades que lidam com esse fator e pessoas que impactam a comunidade a partir disso? Com tais perguntas o Psicólogo e Teólogo Daniel Lima introduziu o complexo assunto durante Reunião Almoço realizada pela CIC de Caxias do Sul no dia 28 de abril. Lima abordou o fascínio do homem pela morte e ilustrou o tema mencionando os famosos túmulos construídos pelo homem ao longo da história como, por exemplo as Pirâmides do Egito e o Exército de Terracota na China. “Na verdade estes túmulos foram construídos para homenagear os mortos, por ordem de alguém que sentia que morreria em breve”, explicou.

O Anseio Por Deixar Uma Marca

“Costumamos falar sobre como queremos ser lembrados”, prosseguiu o palestrante constatando que o homem tem um profundo anseio pela eternidade. “No coração humano há uma angústia de que a vida não pode ser só isso – tem que ter algo mais – e muitas vezes passamos o tempo correndo e tentando entrar em contato com esse tal algo mais, sem conseguir”, afirmou. O psicólogo citou a teoria da Pirâmide das Necessidades de Abraham Maslow. De acordo com ela, logo na base da pirâmide estariam as necessidades fisiológicas (comida, água e reprodução), seguidas pela necessidade de segurança (do corpo, dos recursos, da moralidade, da saúde, da propriedade e da família). Acima destas estariam a necessidade de relacionamentos (amizades, família e intimidade sexual), seguidas pelo anseio pela estima (autoestima, conquista e respeito). Por fim, no topo da pirâmide estaria a necessidade de realização (moralidade, espontaneidade, autodeterminação). De acordo com esta teoria, tendo alcançado tudo isso, o ser humano se sentiria realizado.  

“Por que então, nas sociedades mais avançadas em nível de organização o indivíduo continua insatisfeito?”, questionou Lima. “Mesmo tendo todas essas coisas muitas pessoas não se consideram completamente felizes. Na Escandinávia por exemplo, observamos altos índices de suicídio e depressão. Nesta região do mundo o Governo garante salário e subsistência mesmo que você pare de trabalhar. Ainda assim as pessoas continuam ansiosas”, argumentou Lima.

O psicólogo citou a clássica frase do teórico Blaise Pascal ‘Há um vazio no formato de Deus no coração de todo homem’. “Podemos buscar preenchê-lo com necessidades básicas, segurança, relações interpessoais, mas, no âmago deste vazio ainda existe um anseio que ultrapassa o aqui e o agora. Você pode ignorar, mas não deixará de ser impactado pela espiritualidade”, afirmou Lima.

O Mito do Paraíso Perdido

Lima explicou que em muitas culturas espirituais humanas existe uma lógica comum: o ser humano vivia em um paraíso, fez algo de errado, por consequência sofreu a perda deste paraíso, e,  por isso, carrega um elemento de culpa enquanto busca retornar à condição anterior por meio da religião (palavra de origem latina que significa religar). “Buscamos retomar algo que sentimos que perdemos”, explicou.

Como Chegamos Até Aqui?

Lima apresentou um pequeno resumo da evolução cultural da humanidade nos últimos séculos. “Partimos do fundamentalismo, uma perspectiva exclusivamente metafísica em que tudo é visto pelo olhar que transcende o natural, ou seja, se as pessoas ficavam doentes era porque algum deus lhes castigava. Nesta ótica a responsabilidade do ser humano era unicamente aplacar a ira das divindades”, descreveu afirmando que o fundamentalismo normalmente se torna impositivo.

Em seguida a humanidade experimentou o Iluminismo, perspectiva que separa o natural do sobrenatural, afirmando que o que é místico e ultrapassa a capacidade de conhecimento do ser humano não deve influenciar seu cotidiano. “O Iluminismo surgiu como uma libertação do domínio religioso que havia na Idade Média e foi substituído pelo Secularismo, que, além de separar o sobrenatural do natural, relegou o sobrenatural ao campo da religião”, explicou o palestrante. “Antigamente a universidades inglesas eram todas teológicas, por exemplo. Com o desenvolvimento da ciência, isso foi apartado. Hoje a Teologia não integra mais o ramo da ciência”, contextualizou.

Após o Secularismo surgiu o Modernismo. “Se você tem entre 45 e 60 anos, ou mais, você cresceu totalmente dentro do Modernismo. Eu mesmo quando era pequeno tinha um estojo de madeira com a seguinte frase – hei de vencer estudando”, contou o teólogo. O modernismo relegou a espiritualidade para um campo de coisas que não interessam. “O ser humano se colocou como produtor do seu próprio futuro, afirmando que, mesmo que o plano espiritual exista, ele é irrelevante. Seria como afirmar - Qua comando mi - fragmentando nossa percepção da realidade”, exemplificou Lima citando a famosa expressão regional serrana de origem italiana que significa – eu é que mando aqui.

Várias manifestações culturais surgiram deste movimento como o Nazismo que tentava, pela ciência, provar que os arianos representavam uma raça humana superior. “Hoje, a geração criada a partir da perspectiva modernista está na liderança da sociedade. Isso explica porque nós nos preocupamos em ter, em sermos racionais. O que era metafisico e sobrenatural não nos interessava no passado”, explicou Lima. “O modernismo acreditava que a ciência produziria um mundo melhor e que extirparia a religiosidade que sempre atrapalhou o ser humano. Entretanto a primeira grande Guerra, conduzida por esta corrente, destruiu milhões de pessoas”, contrapôs. A profunda decepção com o modernismo no mundo acadêmico gerou uma sensação de frustração muito grande. “Por isso hoje vivemos o pós-modernismo e buscamos um novo modelo – a integralidade. “Afirmamos que o natural e o sobrenatural, o material e o espiritual são diferentes aspectos da mesma realidade e que é impossível separá-los”.

Mistérios e Aplicações da Espiritualidade

Lima citou o livro de Eclesiastes capítulo 3 verso 11 -  “Também pôs no coração do homem o anseio pela eternidade, mesmo assim, o homem não consegue compreender inteiramente o que Deus fez”, argumentando que, exatamente por não compreender tal dimensão e por ter sido educado sob o paradigma modernista, o homem contemporâneo se apega ao que tem, ao concreto e ao que pode dimensionar. “O mundo espiritual é tão misterioso... em contrapartida, em nossos escritórios temos a sensação de domínio, de controle sobre as coisas, e nos apegamos a isso. Mas de que forma a espiritualidade pode ser relevante nas organizações?”, questionou o palestrante, propondo algumas sugestões:

Desenvolva a sua espiritualidade – “não dá para escapar. Este anseio está na nossa vida. Você pode sufocar e tentar viver tão rapidamente para tentar apagá-lo mas ele permanecerá e se tornará irritante. Nos últimos três anos, cuidamos da minha sogra que está internada num lar de idosos. Convivo com pessoas de idade na fase terminal. Ali, no fim da vida, quando as pessoas não têm mais escritório e empresa, começam a pensar sobre isso, mas ai é tarde”, alertou.

Não evite as perguntas – “por não temos clareza de respostas tendemos a acelerar o motor de nossa vida para que não nos sobre tempo para pensar. Mas isso é uma ilusão. Não evite as perguntas, explore as respostas, leia, reflita, visite, pergunte, fale sobre isso”, propôs.

Observe pessoas ao seu redor – “observe vidas transformadas, pessoas com uma vida íntegra, em equilíbrio com suas posses materiais, seu lado emocional e desenvolvimento espiritual. Verifique se o discurso das pessoas é coerente com a vida que elas levam”, orientou.

Estruture suas conclusões – “você crê em algo? Fale mais sobre isso com as pessoas. Religião, política e futebol devem sim ser temas de debate, o que não significa briga e sim troca de opiniões e experiências. Temos que falar mais sobre espiritualidade”, incentivou.

Elabores seus valores – “crenças fundamentais e passionais acabam determinando como conduzimos a vida – não adianta pensar nos valores da sua empresa e organização sem pensar nos seus primeiro. Quais são os valores e crenças das quais você não abre mão? Liste o que é importante para você, o que é fundamental na sua vida. Compare sua lista com as decisões que você toma. Será que o que você afirma ser importante se reflete no que você decide? Se nós queremos deixar uma herança precisamos ter ousadia, coragem e integridade de dar esse passo”, defendeu.

Elabore sua vocação – “encontre sua melhor descrição de um propósito para a vida. Por que você está aqui – foi criado, nasceu, surgiu? Você descobrirá que é algo muito além do que acumular dinheiro e ter sucesso. Traficantes de droga ganham muito dinheiro e nem por isso todos nós traficamos drogas. Qual o teu propósito? O que te faz sentir mais vivo? O que te faz sentir mais realizado? Elabore e declare seus valores e sua vocação. Em seguida procure alinhar sua experiência de vida a eles”, concluiu.

Coerência

“As pessoas que conviviam com Jesus Cristo diziam que ele ensinava como quem tem autoridade. Havia alguma ressonância de integridade na sua vida que lhe dava autoridade para falar. A mesma coisa deve se aplicar a cada um de nós. A coerência entre o discurso e valores deve existir. Eu não estou falando de perfeição – estou falando de caminhada – é claro que vamos errar mas precisamos deixar claro qual é nossa busca e qual nosso critério - isso torna nossa espiritualidade muito mais palpável ao nosso próximo. Ninguém é 100% íntegro, mas precisamos ter uma direção declarada. A cada decisão a cada dia – nas contratações, nos negócios, nos investimentos – precisamos voltar aos nossos valores. Quando as pessoas em nossas empresas percebem que somos sérios elas começarão a se alinhar” (Daniel Lima)

 

Caroline Pierosan -  Publicação | 2015