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For All Exclusive

03/01/2019

A Doença do Século

Especialistas revelam tudo o que precisa ser conhecido sobre diagnóstico, tratamento e expectativa de vida pós-câncer

"Hoje, é típico que uma mulher tenha o seu primeiro filho depois dos 30 e, muitas vezes, apenas um filho. Isso significa que ela terá todas as menstruações e, durante cada ciclo, se exporá ao estrógeno. Por isso as gerações antigas tinham menos câncer de mama, por estarem menos expostas ao hormônio"(Ruy Reinert Júnior). Foto: Caroline Pierosan "A estimativa aqui é similar à dos países desenvolvidos onde uma em cada 10 mulheres terão câncer" (Tomás Reinert ). Foto: Caroline Pierosan "Idade avançada, exposição excessiva a hormônios, ingestão de bebida alcoólica em excesso, obesidade, sedentarismo, não ter filhos e história familiar, podem aumentar o risco de ter a doença" (Fábio Miguel). Foto: Caroline Pierosan "Eu tenho uma filha de 23 anos. Ela deveria fazer o teste genético já que eu fui acometida pela doença antes dos 60 anos?"(Sandra Elisa Barbosa da Luz). Foto: Caroline Pierosan

* O tumor da mama é o mais frequente entre as mulheres. Até o final de 2014, aproximadamente 57 mil brasileiras serão diagnosticadas com este tipo de câncer e provavelmente 13 mil perderão a vida por causa da doença. O Outubro Rosa é uma campanha de conscientização realizada por diversas entidades governamentais e empresariais para alertar sobre a importância do diagnóstico precoce do câncer de mama. Para falar sobre o assunto reunimos em uma mesa redonda a paciente Sandra Elisa Barbosa da Luz, que enfrenta o câncer de mama, e três médicos oncologistas do DEVITA – Centro de Tratamento Oncológico e Hematológico de Caxias do Sul – Doutores Ruy Reinert Jr., Fábio Miguel e Tomás Reinert. Em conjunto eles debatem o assunto, falam sobre como superar a doença e revelam informações importantes que todas as mulheres, portadoras de câncer ou não, devem saber.

NOI: Diante de dados tão alarmantes, muitas mulheres se perguntam: o que fazer para escapar do câncer? É possível preveni-lo de alguma forma?

Ruy Reinert Júnior – Há maneiras de diminuir o risco, porém não completamente. Medidas preventivas para a diminuição de risco e métodos de diagnóstico precoce são conceitos diferentes. A medida preventiva é aquela que, ao ser utilizada, diminui a chance de se ter a doença, como a adoção de um estilo de vida com alimentação saudável e prática de atividades físicas. Método de diagnóstico precoce é o que identifica a doença em fase inicial. Por exemplo: Aa mamografia não previne o câncer; ela aponta sua presença em um estágio inicial, o que é fundamental para a cura.

NOI: Por que cada vez mais as mulheres têm esse tipo de câncer?

Ruy Reinert Júnior - Há três gerações, as mulheres engravidavam com frequência, tinham mais filhos e costumavam amamentar os bebês por mais tempo. Com isso, diminuíam o aporte de estrógeno na mama ao longo da vida. Hoje, é típico que uma mulher tenha o seu primeiro filho depois dos 30 e, muitas vezes, apenas um filho. Isso significa que ela terá todas as menstruações e, durante cada ciclo, se exporá ao estrógeno. Por isso as gerações antigas tinham menos câncer de mama, por estarem menos expostas ao hormônio.

NOI: Além de não ter tantos filhos, que hábitos no estilo de vida podem influenciar no surgimento do câncer de mama?

Tomás Reinert - O aumento de peso, uma dieta rica em gorduras e o sedentarismo são os principais fatores. O tipo de alimentação consumida parece estar diretamente relacionado à incidência do câncer. As mulheres do Sul também vivem mais tempo, se cuidam melhor e com isso as doenças infecciosas e cardiovasculares são mais bem controladas. Como consequência as pessoas têm mais tempo de vida, durante o qual podem desenvolver câncer. A estimativa aqui é similar à dos países desenvolvidos onde uma em cada 10 mulheres terão câncer.

Sandra Elisa Barbosa da Luz: Eu praticava atividades físicas, cuidava da alimentação e fazia exames periódicos. Nunca fumei ou consumi bebida alcoólica em excesso. Por que será que, aos 52 anos, fui acometida pelo câncer?

Tomás Reinert - A maioria dos casos de câncer de mama não acontece porque a mulher fez alguma coisa errada ou deixou de fazer algo benéfico. O câncer é uma doença causada por múltiplos fatores genéticos e ambientais. Não pode ser completamente prevenida. Por isso é importante que as mulheres conscientizem-se sobre medidas para diminuir o risco e realizem a mamografia para que, no caso de diagnóstico, a doença seja descoberta em estágio inicial, quando as chances de cura são superiores a 90%.

NOI: Se uma mulher toma anticoncepcionais continuamente, interrompendo os ciclos, ela está prevenindo o câncer?

Tomás Reinert: Não está bem claro se isso se associa ao aumento ou à diminuição do câncer de mama. Sabe-se que o uso contínuo do anticoncepcional atua na diminuição da incidência do câncer de ovário.

NOI: Como uma mulher pode saber se é mais propensa ao câncer de mama?

Ruy Reinert Júnior – Menarca muito cedo, menopausa tardia, não ter filhos e não amamentar, são fatos que facilitam o surgimento da doença. Se a alimentação for inadequada e a pessoa não fizer exercícios físicos, também terá aumento de risco. Deve-se levar em conta o risco genético, que explica o aumento de incidência em determinados grupos familiares.

Fábio Miguel: Todos apresentam células normais que podem sofrer alterações no DNA dos genes – a mutação genética. Estas células alteradas podem crescer de maneira desorganizada e causar o Câncer. O organismo por si só pode combater estas alterações ou não. Quando isso soma-se a uma cadeia de eventos, se desenvolve a doença. Idade avançada, exposição excessiva a hormônios, ingestão de bebida alcoólica em excesso, obesidade, sedentarismo, não ter filhos e história familiar, podem aumentar o risco de ter a doença.

NOI: Em que casos a testagem genética é indicada?

Fábio Miguel: Mulheres que têm parentes de primeiro grau, mães, irmãs ou filhas, com câncer de mama, principalmente se tiverem o câncer antes dos 40 anos de idade, apresentam risco para desenvolver o câncer associado à mutações genéticas. As mulheres deste grupo devem consultar com um mastologista ou oncologista, para definir a necessidade ou não de fazer exames que identifiquem genes que podem estar presentes nestas famílias.

Sandra Elisa Barbosa da Luz: Eu tenho uma filha de 23 anos. Ela deveria fazer o teste genético já que eu fui acometida pela doença antes dos 60 anos?

Ruy Reinert Júnior: O paciente tem que ter características bem específicas. Deve ser solicitado apenas para casos selecionados depois de avaliado todo o contexto e a história do câncer de mama na família. A idade em que a pessoa apresentou a doença, qual subtipo histológico, se o câncer foi nas duas mamas, se ele acometeu também um ou dois familiares de primeiro grau, são implicações importantes. O teste pode ser feito na paciente e nos membros da família. Pacientes que têm a mutação precisarão tomar sérias decisões como optar por fazer ou não intervenções agressivas. Um exame genético mal indicado pode trazer muito mais problemas e dúvidas do que benefícios. Precisamos considerar que o histórico familiar pode ser, também, porque as mulheres daquela família têm os mesmos hábitos culturais. O surgimento do câncer de mama pode ser devido ao comportamento do grupo familiar e não a uma mutação genética.

Fábio Miguel: Menos de 10% das mulheres portadoras de câncer de mama apresentam mutações genéticas. Nas mulheres portadoras do câncer e seus familiares, em que são identificadas tais mutações, o aconselhamento médico pelo especialista deve ser realizado e medidas devem ser idealizadas, pois o risco do aparecimento do câncer de mama é muito elevado. Tais medidas envolvem mudanças no estilo de vida, acompanhamento médico e de métodos de imagem minucioso, e em casos selecionados, cirurgias profiláticas como mastectomia (retirada das mamas) ou ooforectomia (retirada dos ovários).

O estresse emocional facilita o desenvolvimento do câncer?

Tomás Reinert – Seguramente, contribui bastante, apesar de ser difícil provar isso cientificamente. Influencia não apenas na incidência mas também em como as coisas acontecem depois da descoberta. Percebemos que as mulheres que não enfrentam e se entregam, demoram mais para atingir um resultado satisfatório do que aquelas que enfrentam e não se deixam abater. As mulheres que têm bom enfrentamento vivem mais e com muito mais qualidade.

Ruy Reinert Júnior – Os americanos usam o termo winner e loser. Existem pessoas que são vencedoras, e outras enfrentam os problemas da vida de forma negativa, completamente esmorecidas, pensando que nada vai dar nada certo. Comparando estas formas de viver vemos, nitidamente, o quanto a postura influencia. Uma postura positiva pode fazer toda a diferença.

O que já mudou no tratamento do câncer de mama?

Ruy Reinert Junior: Quando cheguei em Caxias do Sul, há mais de trinta anos, a maioria das pacientes apresentava tumores grandes, muitos deles envolvendo linfonodos axilares, ditos localmente avançados. Hoje graças às campanhas de diagnóstico precoce, temos cada vez mais tumores pequenos localizados na mama, ditos iniciais. Isso favoreceu a mudança da cirurgia da mastectomia para cirurgias que permitem a conservação das mamas. A técnica da pesquisa de linfonodo sentinela fez com que pudéssemos diminuir a indicação de esvaziamentos axilares, evitando sequelas de movimentação e edema do braço do lado da mama operada. Atualmente a quimioterapia é mais efetiva e muito melhor tolerada. Novas tecnologias como o uso de anticorpos monoclonais e tratamentos hormonais mais modernos estão associadas com aumento importante das taxas de cura e prolongamento do tempo de sobrevida. Além disso, o desenvolvimento de modernas técnicas genéticas permite identificar o tipo de tratamento oncológico mais indicado, a “terapia personalizada”.

Quais as perspectivas para o tratamento do câncer de mama no sécuclo XXI?

Tomás Reinert:  Nas últimas décadas o avanço das técnicas cirúrgicas, dos exames de imagem e principalmente a evolução do entendimento da biologia molecular e da genética do câncer revolucionaram o campo da oncologia mamária. O termo “câncer de mama” representa na verdade um grupo de doenças geneticamente diversas. Com esse entendimento, o futuro da oncologia é a “personalização”. Um exemplo são os métodos de última geração para sequenciamento do genoma, que permite a identificação de mutações que conferem resistência ou sensibilidade a determinados tratamentos. Isso permite definir se para determinado paciente o tratamento mais indicado é quimioterapia, hormonioterapia, uso de anticorpos monoclonais ou uma combinação desses métodos. Além disso, a evolução dos tratamentos permite atacar especificamente as células tumorais evitando o dano aos tecidos normais do corpo. Cada vez mais o tratamento oncológico não estará associado com efeitos adversos como mucosite, queda de cabelo e problemas com a imunidade.

Quais são os seus sonhos ou metas para ajudar na evolução do tratamento do paciente oncológico ?

Tomás Reinert: Quero utilizar o conhecimento que adquiri durante a minha formação em oncologia mamária para oferecer aos pacientes o que há de melhor e mais atual. Um conceito de extrema importância é o de “multidisciplinaridade”, segundo o qual o cuidado e acompanhamento são feitos não somente pelo clínico, mastologista e oncologista, mas por uma equipe composta por enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, entre outros profissionais da saúde. Também estamos desenvolvendo o Centro de Pesquisa e Ensino da Serra Gaúcha (CEPESG) cuja meta é trazer para a nossa região a possibilidade de incluir pacientes em estudos clínicos com medicamentos de última geração além de desenvolver parceria com instituições de excelência no Brasil e no exterior. Queremos trocar experiências e propiciar aos nossos pacientes acesso a modernas ferramentas de análise genética e molecular.

 

Hoje em dia, quem é diagnosticado com câncer tem maior chance de cura ou de viver mais tempo com boa qualidade de vida. A taxa de cura cresce não apenas pelo diagnóstico precoce, mas também pelos avanços no tratamento. As cirurgias estão menos agressivas e os tratamentos oncológicos cada vez mais efetivos, bem tolerados e personalizados para cada paciente.

 

Quatro medidas importantes para prevenir o câncer
1) Mudar o estilo de vida: evitar o sedentarismo, o tabagismo, a obesidade e o consumo excessivo de bebidas alcoólicas.  Ter cuidados com a alimentação.
2) Realizar exames de detecção precoce: A mamografia, se necessário associada a ecografia e REM,  faz diagnóstico precoce e aumenta as chances de cura.
3)Tratamento farmacológico: dita quimioprevenção, a ser utilizada em  pessoas que já tiveram lesões pré-malignas
4) Cirúrgico: a retirada da mama ou ovários para diminuir o risco de incidência do câncer. Recomendada para casos muito selecionados de paciente,  que  apresentam mutação genética de alto risco.  

 

* Entrevista realizada pela jornalista Caroline Pierosan, publicada na edição impressa setembro 2014 da Revista NOI