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For All Executive

12/09/2016

Geração Global

Eles nascem na era digital com todas as oportunidades de ter, desde muito cedo, contato (no mínimo virtual) com pessoas de qualquer parte do mundo. Qual o impacto desta realidade sem fronteiras na formação das crianças de hoje?

Aos 12 anos, Felipe Rodrigues Camelo (que recentemente completou 13), teve a oportunidade de realizar seu primeiro intercâmbio na vida "Talvez o Felipe nunca mais volte à França, talvez nunca mais faça uma viagem internacional, mas a chama da curiosidade foi acesa. O mundo é do tamanho do nosso conhecimento, não é?" Carla Camelo Dra. Susana Graciela Bruno Estefenon é médica pediatra e especialista em Medicina do Adolescente (Hebiatra), ex-editora chefe da Revista Científica Multidisciplinar Bilingüe "Adolescencia Latinoamericana" e da revista "Adolescencia Latinoamericana", versão digital da Biblioteca Virtual BIREME-Scielo, de la Organización Panamericana de la Salud, OPS/Organização Mundial da Saúde

Aos 12 anos, Felipe Rodrigues Camelo (que recentemente completou 13), teve a oportunidade de realizar seu primeiro intercâmbio na vida. Em abril deste ano foi à França, sem os pais, juntamente com outros 10 colegas do time de futebol do qual ele participa (além de um pai voluntário e dois professores), para competir no Challenge du Printemps, Torneio Internacional de Guipavas na cidade francesa de Guipavas (região da Bretanha). O torneio reuniu 48 equipes na categoria U13 (nascidos em 2003), oriundos de 10 países. Felipe ficou quase 10 dias em Brest, hospedado na casa de uma família francesa, convivevendo com a cultura local e competindo com meninos de sua idade, originários de outras partes do mundo. Felipe pode experimentar a sensação do que é morar num país europeu. Logo na chegada, conheceu a torre Eiffel a Champs-Elyssés, e o Arc de Triomphe e passeou a pé pelas ruas de Paris. Resultado, ao voltar para o Brasil, relatou à familia, constantemente, sobre seu profundo impacto cultural. De acordo com a mãe, a profissional de Recursos Humanos Carla Camelo, Felipe voltou questionador e crítico em relação ao funcionamento de tudo, comparando as realidades de Brasil e França em relação ao trânsito, transporte urbano, consumo… Temas muito adultos? Agora imagine um menino de 12 anos questionando sobre educação e sustentabilidade ambiental. “Ele ficou impressionado como na França as crianças entram na escola às 8hs e saem às 17hs, invariavelmente”, explica Carla. “Também lhe chamou atenção o fato de as escolas públicas serem muito boas. Inclusive eles visitaram a escola da localidade de Plouguerneau”, relata Carla. “Ele critica, questiona, mas também valoriza o que aqui temos de melhor como a abundância de água e energia elétrica. Felipe nos contou que, como na França a energia é muito cara, as casas ficam com as janelas abertas até as 22hs, horário em que o sol se põe naquela época (início de maio). As lâmpadas só são acesas após este horário. Ele ficou com a impressão muito forte de que a água é um recurso muito caro para os franceses, então o banho é controlado com sensor de tempo, o que não acontece aqui”, completa Carla. Se pensarmos que, há poucos anos os primeiros intercâmbios eram apenas cogitados para adolescentes do Ensino Médio, pode-se dizer que a experiência de Felipe foi precoce. Entretanto, o que antes era extraordinário fica cada vez mais comum. Para Carla, é um caminho sem volta. “Talvez o Felipe nunca mais volte à França, talvez nunca mais faça uma viagem internacional, mas a chama da curiosidade foi acesa. O mundo é do tamanho do nosso conhecimento, não é?”. Mas e quando esse mundo fica grande demais? Essa intensa exposição a conhecimentos e estímulos internacionais é realmente, de todo, positiva?

Mundo sem Fronteiras

Não foram só as fronteiras físicas que tornaram-se menos instrasponíveis para as criancas e adolescentes de hoje. A partir do momento em que cada um deles tem em mãos um dispositivo eletrônico (telefone celular) que lhe proporciona a oportunidade de acessar qualquer tipo de informação sobre qualquer país, a qualquer momento, bem como ter contato com pessoas das mais diferentes culturas por meio das redes sociais, pode-se dizer que, agora mesmo, forma-se uma geração global. De que forma essa drástica mudança impactará na vida destas gerações? Aspectos culturais locais, relacionamento com comunidade, tudo isso está ameaçado? A seguir, a Dra. Susana Graciela Bruno Estefenon, médica pediatra e especialista em Medicina do Adolescente (Hebiatra) responde alguns questionamentos sobre o assunto.

NOI:  Qual o impacto psicológico, psíquico e cognitivo que as crianças nascidas hoje, ou que nasceram há pouco (última década) devem sentir por terem tanto acesso a tanta informação ao mesmo tempo e contato com tecnologias que as informam sobre o mundo de uma maneira tão próxima e ampla?

Dra. Susana Graciela Bruno Estefenon: A revolução provocada pelo avanço das tecnologias de comunicação e informação fez surgir uma nova era. Mudou a forma das pessoas se comunicarem, de se relacionarem e, fundamentalmente, de viver. As crianças que nasceram há mais ou menos 25 anos, que é a idade da internet, cresceram jogando vídeogame, assistiram a rede mundial de computadores se espalhar pelo mundo e o celular ser o instrumento central de todos os nossos relacionamentos. O mundo digital é o novo meio ambiente no qual nossas crianças crescem e se desenvolvem. Segundo o Comitê Gestor Internet-Cetic.br (em levantamento nacional realizado em 2014), em média 77% dos adolescentes brasileiros de 10 a 17 anos são internautas. Na região sudeste, o índice é ainda maior, quase 90%, tal como acontece nos países de primeiro mundo, nos quais o índice sempre é superior aos 90%. Cerca de 90% das crianças e adolescentes brasileiros internautas, usam as redes sociais para se relacionar, fazer amigos, namorar e se manifestar. Por esse motivo, é de se esperar que o uso destas mídias tenha um significativo impacto, tanto no crescimento e desenvolvimento, como na saúde mental e física de crianças e adolescentes. Este impacto tem sido motivo de preocupação e pesquisa para nós, profissionais da saúde, especialmente pediatras e especialistas em medicina do adolescente, nos últimos vinte anos.

Quais seriam alguns exemplos deste impacto na saúde ?

Muitos são os efeitos positivos do uso das novas tecnologias, mas a prática clínica e os estudos científicos apontam também vários efeitos indesejados na saúde como: sedentarismo e obesidade (precursora de outros problemas mais graves como os cardiovasculares e diabetes), problemas do sono, dores e lesões articulares crônicas, problemas de visão e audição. Existem riscos para a saúde mental que também nos preocupam como: o technostress, ansiedade, depressão, problemas estes preexistentes ou provocados pelo uso e abuso das novas tecnologias de comunicação e informação que podem chegar até a dependência de internet ou celular. Todos estes riscos são diretamente proporcionais ao tempo de uso diário e inversamente proporcionais à maturidade e ao preparo do indivíduo para evitar os potenciais danos diante dos recursos tecnológicos.

O acesso facilitado e ampliado é de todo positivo? Há risco de a criança ficar confusa e até, inerte, por ter tantas possibilidades acessíveis?

Atualmente, muitos neurocientistas como a inglesa Susan Greenfied, já estudaram, mediante ressonância magnética, o impacto cerebral deste consumo copioso de muitas informações simultaneas, e chegaram à conclusão de que há certo prejuízo de algumas áreas cerebrais que não são estimuladas e portanto não conectadas mediante as fibras neuronais. Isso faz com que a elaboração e a interpretação destas informações seja mais difícil. Nós,  pediatras, que estudamos os efeitos que o uso e abuso das mídias digitais podem ter na saúde e no desenvolvimento, alertamos sobre a necessidade das crianças e adolescentes terem uma atitude crítica e analítica (“Midiatic Literacy”) diante do gigantesco e incontrolado conteúdo da internet, assegurando assim a possibilidade de tirar o maior proveito possível, estimulando o próprio potencial e minimizando os riscos.

Estas crianças terão mais características culturais globais e menos características culturais locais (por terem contato tão facilitado com pessoas de outros lugares do mundo)?

Sim, muitas pesquisas mostram que tanto a globalização quanto o acesso fácil à informação e a possibilidade da comunicação instantânea têm provocado um certo desarraigo cultural, dando lugar à influência de outras culturas e a valores antes inacessíveis e desconhecidos. Isso tem aspectos positivos e negativos relativos ao crescimento e desenvolvimento saudável das crianças e jovens; por um lado existe a infinita e democrática possibilidade de crescimento cultural, mas também por outro existe o risco da perda dos valores éticos, morais e religiosos da família, da comunidade e/ou da sociedade à qual o indivíduo pertence. Isso pode ou não se transformar num fator de risco a seu desenvolvimento saudável.

Qual a melhor postura para pais diante dos aparelhos que permitem acesso a qualquer coisa (jogos, chats, sites, etc) em qualquer tempo?

Em primeiro lugar, não cair na tentação de estar sempre ligado nas mídias digitais em detrimento da qualidade e quantidade do tempo que comparte com os filhos e a família, como durante as refeições, por exemplo. Hoje chamamos isso de “Síndrome dos pais distraídos”, gerando insegurança e solidão nos filhos. Em segundo lugar, colocar regras, que inclusive já desde 2009 a Academia Americana de Pediatria recomenda, como crianças menores de 2 (dois) anos NÃO DEVEM USAR midias digitais (celulares, tablet, notebooks, computador, tv ou video games). Crianças menores de 10 anos não devem gastar mais que 2 horas por dia de telas digitais, e não deveriam possuir seu próprio smartfone ou tablet. Os dados que temos hoje são alarmantes. Sabemos que as crianças do primeiro mundo, como as americanas, gastam em media 4 horas por dia com telas digitais e os adolescentes passam umas preocupantes 11 horas por dia, mais que qualquer outra atividade a não ser dormir. Em terceiro lugar, educar, sobretudo mediante o próprio exemplo, a administrar equilibradamente o tempo, incentivando atividades na vida real que permitam compartilhar momentos presenciais com família e amigos presentes fisicamente.

O intercâmbio (ir para outro país) infantil é positivo? Quais os riscos desse tipo de experiência para crianças de até 12 anos?

Sabemos que a infância é um período crítico da vida, no que se refere à formação do indivíduo, onde o papel dos pais e da família é muito importante. Temos que considerar também que durante o fim da infância e o início da adolescência, começam câmbios maiores da vida do indivíduo: os biológicos (a puberdade), os psicológicos e também os sociais. É a difícil transformação de uma criança em um indivíduo adulto. Portanto, a rigor, durante toda esta etapa é esperado que os pais e a família proporcionem contenção, amparo e sobretudo afeto.

Trajetória 

Dra. Susana Graciela Bruno Estefenon é médica pediatra e especialista em Medicina do Adolescente (Hebiatra), ex-editora chefe da Revista Científica Multidisciplinar Bilingüe “Adolescencia Latinoamericana” e da revista “Adolescencia Latinoamericana”, versão digital da Biblioteca Virtual BIREME-Scielo, de la Organización Panamericana de la Salud, OPS/Organização Mundial da Saúde. Autora e colaboradora de livros e artigos científicos na área de medicina do adolescente e organizadora de varios livros como "Vivendo esse Mundo digital" da Editora Artmed, indicado ao premio Jabutí em 2014 e do livro editado na França "La Santé des infants et des Adolescents à Lére du Numerique"  Coordenadora do Projeto Saúde da Geração Digital.

Caroline Pierosan