Menu

For All Executive

17/07/2019

Já Pensou Como Um Y?

O mercado de trabalho enfrenta um conflito geracional que cria tensões mas pode ser positivo quando bem administrado; entenda a situação pela ótica da geração Y

"Aceitar mudanças! Precisamos dar espaço para novas opiniões, novas formas de ver a vida, o trabalho e o mundo que nos cerca. As pessoas mais velhas resistem muito a aceitar, mas não adianta, é um caminho sem volta" (Cláudia Dalberto) Foto: Caroline Pierosan "Relaxar e aproveitar a vida é necessários. Fazer também as coisas que gosta. Cuidar da família. Ter tempo para chegar em casa e estar em casa, de corpo, alma e mente"  (Samuel Antoniazzi Sirena) "Pessoas com mais de 40 anos deveriam trocar mais. Trocar de lado, de postos, de dias, de momento. Trocar! Experimentar. Nem que a mudança seja almoçar em uma mesa diferente. É tão bom renovar e não fazer a mesma coisa todos os dias" (Leila Cemin) "Precisamos ser mais flexíveis, aceitar opiniões. Sermos mais abertos para novas ideias, para mudar métodos. Precisamos ouvir mais, porque às vezes, você pode acabar aprendendo coisas importantes com quem nem imagina" (Rafael Bianchi)

Haja paciência! Muita calma nessa hora. Muito tem se falado no meio corporativo da dificuldade de conviver com os “Y” (pessoas nascidas entre o fim dos anos 70 e meados dos anos 90), mas é raro encontrar quem pare para pensar como seria estar no lugar deles.

Pessoas dessa geração trocam de emprego com frequência em busca de oportunidades que ofereçam desafio profissional. Cresceram na era digital e estão familiarizadas com dispositivos móveis e comunicação em tempo real; são a primeira geração verdadeiramente globalizada e têm na Internet uma necessidade básica. Por meio do acesso facilitado, desenvolveram uma grande capacidade em estabelecer e manter relações pessoais à distância. Além disso, os Y têm uma postura independente e autodidata - podem aprender quase tudo, a qualquer momento.

Como encaixar esse perfil de jovem profissional em um mercado de trabalho conservador? É difícil contê-los, já sabemos, mas quais serão as dificuldades enfrentadas por eles? Será que eles realmente “não estão nem ai”, ou existe o esforço para subsistir, competitivamente? Será que há empenho verdadeiro em prol de um melhor relacionamento com os seniors?

Você já se colocou no lugar de um Y? A NOI conversou com profissionais e empresários com idades entre 20 e 33 anos e analisa: vale a pena o exercício!

O Cenário

Imagine que você tem um chefe com menos conhecimento sobre recursos tecnológicos, menos preparado no que se refere à formação acadêmica e menor capacidade de administrar informações do que você, entretanto, por conta da experiência, têm todo o poder de decisão nas mãos. A ele compete aprovar projetos, determinar promoções ou autorizar aumentos. Imagine agora que todos os seus clientes são, no mínimo 15 anos mais velhos que você e têm dificuldade de compreender o produto que você oferece ou de acompanhar o cálculo do valor agregado do seu trabalho. Imagine como seria ter que vestir-se de forma a parecer mais velho, cuidar o tempo todo com as palavras e postura para tentar provar que você sabe do que está falando...

Pois uma mistura dessas cenas compõe o cenário da realidade da maioria dos Y. Enquanto os maduros reclamam de sua impetuosidade e impaciência, eles têm dificuldade de suportar a demora, às vezes necessárias à maturação do assunto, em tomar decisões, a desconfiança em relação à tecnologia e o temor em apostar em propostas inovadoras. Outra grande “pedra no sapato” dos Y é o apego procedimentos que consideram ultrapassados. Para eles o “sempre foi feito assim” é torturante. Eles enfrentam muitas vezes uma rotina em que organizações e superiores têm apego a tradições que eles não assimilam ou não consideram úteis.

Muitas vezes os Y calam diante de algo que entendem estar errado, entretanto será feito daquela forma porque o chefe ou o cliente assim o deseja.  Não é nada fácil para eles também... mas será que esses conflitos representam simplesmente uma ameaça às empresas? Como administrar as diferenças e encontrar nelas oportunidades em prol do sucesso do grupo? Talvez o primeiro passo seja tentar compreender como, afinal, se orientam os Y...

Inquietude - Problema ou Qualidade?

“Minha geração é ansiosa”, afirma Cláudia Dalberto, 24 anos, natural de Candelária, graduada em design de moda pela UCS de Caxias do Sul e trainee da Dakota em Novo Hamburgo. “Temos a ânsia por independência, por atingir objetivos, ter experiência de trabalho e de vida. Queremos tudo para hoje. Eu, com 24 anos, queria já ter feito muito mais!”, explica.

“A comunicação facilitada mudou o nosso perfil, nos deu acesso a coisas que nos fazem questionar. Por exemplo, eu nunca tinha viajado para o exterior. Comecei a ter contato com muitas pessoas que o faziam e percebi que também precisava disso para ser feliz”, conta Ederson Almeida Pedro, 31 anos, natural de Vacaria, bacharel em Sistemas de Informação pela UCS, sócio-fundador da Gáutica Tecnologia em Informação. “Minha mãe e avós não têm essa percepção. Nunca tiveram essa experiência virtual da viagem. Por isso, me criticam muito quando resolvo escapar”, conta.

A inquietude dos Y pode ser um potencializador das habilidades quando bem administrada e não está necessariamente ligada a falta de planejamento ou inconsequência.

Demandas da Tecnologia, Impossível Desconectar

Tanta agitação tem uma causa – a tecnologia. Quem pensa que ser jovem hoje em dia é muito fácil e que a globalização apenas facilita a vida dos rebentos, está ligeiramente enganado. Samuel Antoniazzi Sirena, 31 anos, natural de Caxias do Sul, sócio-fundador da AMBE Gerenciamento de Resíduos Tecnológicos, explica que não é bem assim. “O nosso problema hoje em dia é que temos muita informação. Isso complica a cabeça. Temos que saber tudo ou somos considerados mal-informados. Temos que saber baixar música, postar fotos, administrar nossa vida virtual... tudo.”, relata. “Uma pessoa de 50 ou 60 anos não tem noção da pressão que isso acarreta. Ao mesmo tempo que a tecnologia nos auxilia, temos que lidar com todo o lado negativo: serve de canal para inveja, fofoca, ostentação, coisas que podem nos prejudicar. A geração anterior não faz ideia do quanto uma pessoa jovem pode sofrer por causa disso”, explica Sirena.

Praticamente toda pessoa de até 30 anos assimila a importância das redes sociais e assume que elas influenciam diretamente no bem estar das pessoas e, portanto, no seu rendimento no trabalho. Alguns jovens líderes têm tentando administrar suas equipes de forma mais liberal. “Eu tenho uma sala de entretenimento dentro da empresa. A hora que meu funcionário quiser, ele pode ir ali relaxar, checar as redes, mas tem que ter consciência que em primeiro lugar vem o trabalho. Às vezes é importante desopilar. Eu não me importo, contanto que não atrapalhe o rendimento. Eles sabem, por exemplo, que na frente do cliente não devem ficar respondendo mensagem no celular”, explica Paulo Marques da Motta Júnior, 33 anos, natural de Vacaria, proprietário da Newservice Informática. “Prefiro ter regras que regulem o acesso do meu grupo (oito funcionários com idades entre 18 e 38 anos) do que saber que a pessoa está trancada no banheiro acessando o celular”, afirma Samuel.

“Às vezes tenho vontade de rezar uma Ave Maria para o Dropbox”, brinca a jovem empresária Leila Cemin, 33 anos, natural de Flores da Cunha, relações públicas pela UCS e sócia-fundadora da Somma Comunicação. “Eu amo o Google e uso muito o Facebook. A tecnologia me proporciona acesso a jornais e revistas de todo o mundo. É demais! Às vezes eu estou tomando um café com uma amiga e consigo resolver um problema pelo telefone. Não sei como eu viva antes”, afirma.

A initerrupta ligação dos Y à internet é mais uma necessidade que uma transgressão. Administrar essa demanda como algo que faz parte de suas vidas e organizar janelas para que os funcionários possam acessar a rede de forma lícita e comedida, durante o expediente pode ser a melhor estratégia.

Juventude, a Imagem da Irresponsabilidade?

Quando as sócias Leila Cemin e Carlise De Barba decidiram criar a Somma Comunicação, tinham 29 e 27 anos, respectivamente. Apesar da experiência de trabalho que ambas tinham na área (dez e seis anos), não foi fácil fechar os primeiros contratos. “As pessoas nos indicavam, falavam muito bem de nós mas no momento que chegávamos para a visita, o cliente levava um susto. ‘Vocês são tão jovens!’, diziam, como se fosse algo negativo”, conta Leila. “Voltamos atrás em negociações várias vezes, em termos de valores por causa disso”, relata. “Há pessoas que de certa forma duvidam, quando tem uma pessoa nova num cargo dizem que ela não merece, que não sabe o que está fazendo”, concorda a trainee da Dakota, Cláudia Dalberto.

Para reverter a situação e driblar o impacto ‘negativo’ que a juventude causava, Leila procurou auxílio com uma consultora de imagem. “Nos especializamos. Não queríamos envelhecer em termos de aparência mas sim mostrar a seriedade do nosso trabalho pela nossa forma de vestir”, explica. “Hoje se eu for ao mercado ou abastecer o carro sempre penso em como eu estou vestida. Se qualquer pessoa em qualquer momento olhar para mim, quero que pense: ela é uma empresária”, explica. “Ser mulher e ser jovem é complicado. Tenho que provar que não sou só mais um rostinho bonito. É chato lidar com a desconfiança de que podemos fazer um excelente trabalho”, lamenta Leila.

Sirena passou pela mesma experiência. “Quando abrimos a empresa (AMBE, Gerenciamento de Resíduos Tecnológicos), participávamos das reuniões, com grandes grupos em sindicatos e federações, e todos nos chamavam de “guris”. Não nos davam credibilidade; até fazermos o primeiro serviço”, conta o jovem empresário. “Eu chegava com minha roupa normal e nem me olhavam direito. Então aprendi que preciso me disfarçar (risos). Hoje me visto com a camisa por dentro do cinto e sapato, principalmente nas cidades da Serra gaúcha, onde sou atendido pelos ‘gringos’. Se te olham com a camisa para fora ficam desconfiados”.

Samuel faz piada da situação, mas a realidade é que muitas vezes excelentes profissionais deixam de ser contratados por serem muito jovens, ou simplesmente por serem despojados.“É muito difícil ganhar credibilidade  enquanto não envelhecemos um pouco mais. Seria mais fácil se atentassem mais para nosso conhecimento técnico”, conclui Sirena.

Nem sempre ser despojado pode significar ser irresponsável. Jovens nunca gostaram de precisar se apegar tanto a uma aparência institucionalizada como padrão profissional. Mas estão preocupados com a competência. Valorizar menos a aparência padrão e observar mais, de fato, o que o Y tem a oferecer pode propiciar agradáveis surpresas.

Jovens, porém, Planejados

Um ano de pesquisas e estudo de mercado. Esse foi o tempo investido por Sirena, sócio da AMBE Gerenciamento em Resíduos Tecnológicos, no planejamento do negócio. Depois de passar nove anos fora do país, morando na Austrália e em diversos países da Europa, concluiu a graduação em Administração na faculdade Técnica de Sidney e voltou para Caxias do Sul. “A mim pareceu ser um mercado bacana para implantar uma empresa de reciclagem de resíduos, até porque a legislação brasileira se preparava para isso”, explica. Hoje a AMBE é a única empresa da região a prestar esse tipo de serviço.

Planejamento e muito estudo também fizeram parte da história da Somma Comunicação. “Fomos ousadas em abrir uma empresa com um conceito que não existia, mas planejamos um ano inteiro antes disso”, explica Leila Cemin. Paulo Motta Júnior também precisou de ousadia para construir a Newservice Informática. “Eu era funcionário de uma empresa que deu um calote no mercado. Do acerto, fiquei com a carta de clientes e alguns computadores. Tive que tomar um decisão muito séria: abandonar tudo, ou recomeçar sozinho. Resolvi tocar. Ganhei clientes na confiança mostrando que eu tinha credibilidade”, conta. “Somos objetivos para decidir, mas isso não significa que sejamos inconsequentes.  Algumas vezes me precipito mas, na maioria das vezes, não”, completa Cláudia.

Confiar mais em sugestões do jovem funcionário ou parceiro, orientar e observar o planejamento e execução do plano ao invés de descartar uma ideia por parecer ousada demais. No fim das contas, tudo pode dar muito certo.

“Sempre Foi Assim”, e Agora?

Rafael Bianchi, 20 anos, estudante de engenharia civil da UCS é o mais jovem funcionário da construtora onde trabalha. “A equipe é formada por cerca de 60 operários da construção civil, pedreiros e serventes. Todos, inclusive meus chefes e supervisores são mais velhos do que eu”, conta. “É trabalhoso conquistar confiança. Tenho muito cuidado com as palavras e com a abordagem. Teria várias sugestões para dar, mas às vezes fico calado, porque eles sempre fizeram de tal forma e não mudam facilmente. Intervenho quando tenho certeza que o que estão fazendo vai dar errado”, relata.

A idade por si não traz conhecimento. Não necessariamente. “Todos nós somos ignorantes em algumas áreas. O conhecimento coletivo é muito maior do que o individual. Independentemente de serem vários jovens ou pessoas maduras, o coletivo sempre será mais rico do que uma pessoa sozinha que tenha a soma de todas as idades do grupo. É preciso ter muito cuidado com a arrogância”, afirma Pedro.

“O que as pessoas não se dão conta é que não importa se tu tens 18, 30 ou 50 anos. Todos podem aprender com o outro. Eu já aprendi com gente muito mais velha e muito mais nova. Eu aprendo com as crianças. O importante é ter propriedade”, afirma Leila. “Pra mim não existem gerações, existem pessoas. Alguém de 20 anos pode ser tão bom ou melhor do que uma pessoa de 50 anos. Tem pessoas de 40 anos que nunca mais buscaram novos conhecimentos. O jeito que faziam há 30 anos é o jeito que fazem hoje. Chego a morder as unhas quando vejo isso!”, completa Leila.

Desconectar-se um pouco de quem está falando e conectar-se no que está sendo dito e abrir-se para novas ideias pode ser lucrativo. Muitas vezes os jovens têm facilidade para ver uma situação de uma perspectiva mais prática e apontar excelentes soluções.

Empenho no Relacionamento Intergeracional

Postura aberta e muita paciência. O movimento dos Y (muitas vezes antagônico ao das gerações anteriores) é ter calma e procurar facilitar o relacionamento com clientes ou superiores mais experientes. “Sessenta por cento dos nossos clientes são mais velhos”, conta Pedro. “Mas eles optam por nós pelo nosso espírito inovador. Fazemos o que outras empresas não fazem na área de software. É um risco porque também se pode falhar quando se inova demais, mas preferimos tentar”, explica.

Essa também é a realidade de Motta. “Cerca de 90% da minha clientela é da geração anterior. Eles sempre me procuram porque eu tenho toda a paciência do mundo para explicar os recursos tecnológicos dos dispositivos que adquirem”, explica. “Eles buscam essa assistência aqui porque têm dúvidas às quais ninguém tem calma para explicar”, conclui. 

Leila também desenvolveu uma estratégia para se relacionar com os clientes. “Das pessoas que atendo, 99% são mais velhas do que eu. Criamos parcerias de credibilidade e confiança com muito carinho. Eu aprendo tanto com esse pessoal que, em contrapartida, tenho que respeitar o limite deles. Em certos momentos eles se desconectam, não aceitam totalmente nosso ritmo frenético. Aprendi a lidar com isso. Se eu atropelar ou impuser o meu ritmo, vai ser prejudicial para o cliente e para mim. Por isso todo esforço é válido”, defende.

Se os Y se esforçam para que o relacionamento aconteça de forma satisfatória, quem sabe trocar a postura crítica por compreensão e empatia possa fazer toda a diferença no ambiente corporativo.

Felicidade Integra o Contrato de Trabalho

“Somos a geração que diz basta! Quem disse que eu preciso viver exatamente igual meus pais e avós? Essa geração está muito preocupada em ser feliz”, explica Pedro. “O jovem atual chega ao mercado de trabalho muito mais focado no que quer. Falo por mim também. Antigamente as pessoas precisavam abraçar as possibilidades que apareciam, porque eram poucas. Hoje, se o jovem tiver a oportunidade de ir para outro trabalho que lhe faz mais feliz, por que ele vai continuar num que não lhe faz? São épocas bem diferentes”, explica Leila. “As empresas mais modernas querem ter o funcionário como um aliado, como um amigo. Antigamente só queriam que a pessoa fosse eficiente, mas é obvio que se eu fico num ambiente onde me sinto confortável e feliz, por mais que eu tenha metas e prazos, eu trabalharei melhor”, defende Cláudia.

A era do ‘chefe tirano’ passou. Tornar a vida do funcionário miserável e achar que pressionado pelo medo ele vai render mais, tornou-se uma ideia ultrapassada. Tentar criar motivações e fazer da empresa um lugar positivo, onde as pessoas gostam de estar é o novo desafio. A motivação pode ser um bem rentável.

Caroline Pierosan