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For All Executive

23/02/2016

Mulher, Trabalho e Tempo

A longevidade e os desafios de um mercado de trabalho cada vez mais feminino e das mulheres que trabalham e estudam por muito mais tempo, ressignificando-se

"Ouvi muito: "você é louca?", "você vai mesmo sair da empresa?", "mas Angola não é um país pobre?". Talvez se eu fosse para a Europa, EUA, as pessoas achassem o máximo, mas como é África, e deixei o trabalho por um relacionamento, os comentários foram nesse sentido" Camila Storchi "O principal desafio de quem estuda para um concurso é não desistir. São muitas provas e reprovações; não estamos acostumados a ouvir tantos "não" na vida. Fiz mais de 50 concursos e o abalo psicológico existe a cada negativa nos resultados. Mesmo assim, sempre optei por acordar no dia seguinte e voltar a estudar" Rebecca Fernandes "Observamos cada vez mais um tratamento de igual para igual. Acredito que as gerações atuais contribuirão para uma mudança nesse sentido" Zilda da Silva

Na cadeira mais alta de um tribunal, na direção de um ônibus, na pilotagem do avião, segurando o gravador para coletar tuas palavras, te ensinando sobre qualquer matéria e, ainda, competindo por cargos de liderança em empresas ou à frente de grandes organizações. Trabalho de mulher... qual não é? Hoje elas estão praticamente em todas as funções depois de, por muito tempo, terem sido principalmente os pilares domésticos da família. Cerca de 50 anos depois de seu ingresso no mundo profissional caminhamos para uma época em que boa parte dos lugares serão ocupados por elas. Na América Latina, 22% dos líderes empresariais são mulheres. Na Ásia a porcentagem é de 32% e na Rússia, ainda maior - 46%. A média global de mulheres que ocupam cargos como CEO de empresas é de 8% (no Brasil são 4% de mulheres CEOs), em contrapartida a média brasileira de mulheres que ocupam posição de liderança nas empresas é de 24%, superior a média global de 21%. Dos empreendedores que ocupam cargos de sócios do negócio no Brasil, 12% são mulheres (enquanto a média global é de apenas 4%)*. Ou seja, praticamente tudo o que se realiza pelo ser humano, está sendo feito, também, pelas mulheres. Qual o impacto disto neste Mercado de trabalho mundial, historicamente masculino? Como é a realidade de uma mulher que dedica grande parte da sua vida ao seu papel profissional? E quem resolve abrir mão desta tendência para seguir outros planos? A seguir conheça algumas destas bravas, ícones de tantas milhares de mulheres que neste exato momento estão mudando a realidade que você vive!

REBECCA

“Lido predominantemente com homens, advogados, promotores e réus, contudo acredito que tenho a sensibilidade necessária para cuidar dos casos, sem perder a firmeza”

“Desde pequena tinha o sonho de ser juíza e fui apoiada pelos meus pais; não via outra opção que não fosse trabalhar”, afirma Rebecca Roquetti Fernandes, 31 anos. A “Doutora” Rebecca, como é chamada no ambiente de trabalho parece uma jovem descontraída. Entretanto, ocupa um dos cargos mais sérios e de maior responsabilidade social como magistrada. Ela seguiu um minucioso planejamento para conquistar tal título. Natural de Barretos (SP), Rebecca é graduada e pós-graduada em Direito. Desde a conclusão do curso superior começou os estudos para o concurso da Magistratura, razão pela qual realizou atividades voluntárias em gabinetes de juízes e desembargadores no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. “Exerci ainda, a função de juíza leiga, nos Juizados Especiais de Campo Grande e Casimiro de Abreu”, conta. Ela foi empossada no dia 18 de setembro de 2014 e em outubro do mesmo ano iniciou seu trabalho como juíza na 3º Vara Criminal de Caxias do Sul. Rebecca crê que o fato de ser mulher contribuiu para atingir seu objetivo. “Vejo que somo muito disciplinadas e obstinadas quando queremos algo”. A juíza também não considera que o gênero crie dificuldades no trabalho. “Na vara criminal lido predominantemente com homens, advogados, promotores e réus, contudo acredito que tenho a sensibilidade necessária para cuidar dos casos, sem perder a firmeza, passando segurança nas decisões”, afirma. Se a maratona de estudos até a conquista do título foi árdua, a rotina de Rebecca permanece pesada. “Acordo às 6h30min para ir a academia, volto pra casa, me arrumo e chego no trabalho às 9h. Faço audiências o dia todo. Nos intervalos e ao final do dia revejo os despachos e sentenças”. Ela reconhece que sua dedicação aos estudos e agora, sua carreira profissional, sempre absorveram grande parte de sua energia. “Vejo que muitas pessoas conseguem conciliar a vida de estudos e a pessoal, mas eu não tive tanta habilidade. Sei que abri mão de muitos momentos ao lado da minha família, amigos e de uma vida social mais ativa”, relata Rebecca que não é casada, não tem filhos e avalia que sua família foi, de certa forma, afetada por sua dedicação exclusiva aos estudos. “Estou tentando recuperar um pouco deste tempo com eles até porque meu desempenho profissional se deve muito, ao fato de terem me apoiado totalmente. A família é o suporte que temos para nossas vidas. O sucesso na vida profissional depende do apoio das pessoas que nos amam”, conclui.

JUÇARA

“Podemos chegar a um determinado limite nos relacionamentos profissionais e cargos. As fronteiras para os homens são muito além”

Juçara Angelina Tonet Dini começou a trabalhar no início da década de 80, em um jornal diário, sendo uma das únicas profissionais mulheres com diploma em Caxias do Sul. “O diretor me chamou a sua sala e me comunicou literalmente que o fato de ser mulher me faria ter um honorário letra “c”, o menor da equipe. Sorriu, irônico, e fechou a questão. Pensei que fosse brincadeira, mas quando recebi o contra-cheque percebi que ao meu redor existia uma linha de pensamento que eu não conseguia entender”, lembra a admirável profissional. Juca, como todos a conhecem, é natural de Caxias do Sul, jornalista e especialista em terapia familiar sistêmica, psicologia organizacional e teologia. Também é Diretora da Dinâmica Comunicação há 30 anos. A empreendedora fundou o primeiro jornal de Bairro de Caxias do Sul (O Pellegrino), atual Gazeta de Caxias, e, até hoje, dirige uma das primeiras empresas de comunicação empresarial da Serra Gaúcha, por onde já passaram mais de 90 jornalistas, registrando história de empresas, entidades e instituições. É notável que Juca sempre trabalhou. “Recebi a mensagem psicológica de minha família de origem de que o trabalho significava minha identidade, ou seja, minha motivação inconsciente era que a importância do meu eu dependia do que eu realizava. Quando me dei conta disso, lá pelos trinta anos (hoje tenho 57) comecei a trabalhar ainda mais, mas pelos motivos certos”, explica. Superativa, Juca normalmente trabalha noite adentro. “A adrenalina demora a se esvair. Meus dias finalizam sempre nas primeiras horas do dia seguinte”. Ela afirma que o custo pessoal é sempre alto quando se trabalha muito. “Não tenho hora para voltar para casa mas me mantenho disciplinada em seis áreas de prioridade: busca espiritual, tempo e relacionamento com o meu eu, com minha família, na sequência com a igreja, trabalho e finalmente, com a comunidade”. Ela avalia que o principal desafio nesta jornada de tanta dedicação à profissão foi lidar consigo. “Meus medos, autoaceitação e praticar a fé em todas as situações”. Casada há 38 anos, Juca tem dois filhos, de 28 e 23 anos. Ela acredita que família e trabalho convergem e se afetam mutuamente. “Vivendo em rede sou afetada pela família e a afeto também”, pontua. Recentemente a trabalhadora tornou-se avó. “Essa foi a grande surpresa da minha vida neste período. Libertou-me novamente. Acredito que a vida segue com estas superações”, comemora. Sobre as diferenças de sexo, Juçara evita extremos. “Para mim, homem e mulher apenas se complementam e tem total capacidade para os mais variados desempenhos. A própria humanidade dentro de nós foi o que separou os gêneros e nos segregou. Sinto muito por isso, porque este posicionamento só enfatiza o machismo e o feminismo”. Entretanto ela tem convicção de que ser mulher lhe prejudicou de certa forma na vida profissional. “Podemos chegar a um determinado limite nos relacionamentos profissionais e cargos. As fronteiras para os homens são muito além”, afirma.

ZILDA

“Observei, em muitos momentos, que os homens tiveram mais facilidade em galgar posições"

Para a Empresária Consultora Zilda da Silva trabalhar sempre foi um sonho. “Comecei aos 16 anos. Queria ter meu salário, estudar, construir minha vida”. Natural de Turvo (SC), Zilda é graduada em ciências contábeis, formada em Dinâmica dos Grupos (SBDG), tem MBA em Gestão Empresarial (Unisinos) e é pós-graduanda em Educação e Coaching Financeiro (Unis/DSOP).  Ela é voluntária da ARH Serrana desde 2006 e desde 2014 atua como vice-presidente de desenvolvimento da Associação. Depois de atuar na Marcopolo de 1985 a 2003, e até 2006 na Saccaro Móveis Zilda resolveu empreender. “Encontrei uma amiga de infância que estava em busca de uma sócia. Iniciamos a Advance Gestão de Pessoas, na qual atuo desde então como consultora”. Zilda também atua na Publim Publicidade Mobile, na venda de aplicativos personalizados para smartphones. Hoje a empresária concilia a empresa com a dedicação à família que mantém juntamente com seu companheiro - um filho de 27 anos e os enteados de 22 e 17 anos. Zilda afirma que sempre preocupou-se em dar atenção a todos os aspectos da sua vida. “Família, espiritualidade, amigos e lazer, porém, sem dúvida, alguns nos ocupam mais em certos momentos, e normalmente o que predomina é o trabalho. O grande desafio desta jornada é conciliar papeis, mãe, dona de casa, profissional, estudante, esposa e eu mesma, simultaneamente”, constata. “Ainda bem que pude contar com minha mãe e com minha auxiliar doméstica, que está comigo desde 1996. Sem elas seria muito mais difícil. Sempre precisei trabalhar para estudar e criar meu filho. Ficar longe de casa não nos dá tempo nem de almoçar com a família. Isso aconteceu por vários anos. Trabalhava de dia e estudava a noite até 1997, fazendo a graduação, sem falar nas especializações”, relata Zilda, descrevendo a rigorosa rotina. Entretanto ela avalia que a família contribuiu para seu desempenho profissional. “Primeiro foi pai e mãe; há uma admiração deles por ver os filhos estudando (mesmo que não pudessem bancar), conseguindo um emprego. Depois o casamento e meu filho que foi um incentivo cada vez maior para continuar e fazer jus à responsabilidade que, como mãe, eu tinha por uma vida. Hoje sinto que minha família admira o que faço e, sem dúvida, continua sendo meu maior incentivo”.  Na empresa de Zilda, atuam exclusivamente mulheres. “Sentimos o nosso trabalho e conhecimento bem aceitos. Entendo que, em primeiro lugar, precisamos nos empoderar de conhecimentos e habilidades e, principalmente, melhorar atitudes para que nas relações de trabalho sejamos percebidas como profissionais e não como sexo feminino. Cada vez que levantamos uma bandeira, desfavorecemos alguém. Acredito que só mudamos o mundo com respeito ao ser humano e, na área profissional, como alguém que detém conhecimento, que tem habilidades para contribuir. Tantos anos se passaram com a mulher no local de trabalho, tantas tecnologias desenvolvemos e ainda discutimos a guerra dos sexos. O fato de ser mulher por si só, não me trouxe até onde estou hoje. O que realmente acredito que influencia é a atitude de cada um na busca da realização dos seus sonhos e na determinação de seguir adiante”, conclui.

CAMILA

“Na indústria encontrei cenários que me fizeram crescer muito, porém a vida me trouxe algumas perguntas e as respostas exigiram mudança e decisão”

Camila Alexandra Storchi, 28 anos, nascida em Caxias do Sul, graduada em Relações Públicas, analista de comunicações, recentemente tomou uma inusitada decisão, na contramão do que imagina-se que a maioria das mulheres de sua faixa etária fariam: abriu mão do cargo de analista de comunicação corporativa em uma das maiores empresas da Região da Serra Gaúcha para investir na sua família – o noivo. Hoje Camila mora em Angola para onde se mudou recentemente para acompanhar o parceiro, quando este foi transferido pela empresa em que trabalha para atuar no país. Estabilizada profissionalmente, Camila estava há cinco anos na empresa, quando decidiu pela marcante mudança de vida. “Comecei a trabalhar aos 17 anos, incentivada pelos meus pais. Queria ter meu dinheiro e não depender mais deles. Cresci em uma família de pais independentes financeiramente um do outro, então isso sempre foi natural para mim. Entre 2010 e 2015 trabalhei muito. Iniciei com estágios, sempre em constante busca por formação, trabalhei como assessora de Relações Públicas do Teatro Municipal de Caxias do Sul e no setor de marketing de uma empresa. Além disso fiz a graduação, depois a pós somado a cursos de inglês, formações especificas e alguns trabalhos voluntários”, relata. A rotina da indústria em Caxias do Sul começa cedo. Por volta de 5h30 da manhã Camila costumava já estar de pé, inverno ou verão. “A rotina de trabalho na área de comunicação sempre foi bastante intensa. Ao longo desses cinco anos, por vezes foi preciso trabalhar até bem tarde e em finais de semana”, relata. Agora, morando em Luanda, capital da Angola, na África, Camila “pausou” sua atuação profissional para investir na sua relação. “Acreditávamos que juntos seríamos prósperos, mas a distância estava nos atrapalhando. A ideia de conhecer um país pouco explorado e riquíssimo culturalmente também me atraiu muito”, explica. O casal ainda não tem filhos mas eles estão nos planos. “Nossa ideia é trabalhar agora para recebê-los estabilizados. Queremos ter mais tempo para educá-los sem precisar contar com terceiros desde muito cedo”, explica. O exemplo de Camila talvez revele uma tendência inusitada – jovens mulheres que começam a resgatar valores familiares depois de perceberem que isso também pode significar vencer na vida. Camila admite que estava em uma ótima empresa, trabalhando exatamente na área que estudou, e que sabe ser esse o sonho de muitas hoje em dia. Dúvidas, medo de ficar sem emprego especialmente em um ano de crise econômica; receio de deixar os pais. Depois de muito planejar, ponderar e até, pensar em desistir, finalmente, Camila afirma ter tido a coragem de seguir o coração.

* (Dados: Grant Thornton International Business Report 2015, apresentados no Passarela de Negócios Caxias do Sul - RS - março 2016)

Caroline Pierosan