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Oratória

04/07/2019

Além da Medicina

“Sim, acredito em milagres. Na minha área eles ficam muito evidentes, talvez bem mais do que em outras especialidades”

"Literalmente colocam a si e ao seu filho em minhas mãos; sinto-me muito fortalecida e grata por isso"      ( Foto: Gane Coloda)

Cristina Ritter acompanha mulheres na hora mais importante de suas vidas, o nascimento de um filho. A ginecologista e obstetra atua há 21 anos e confidencia que em sua área, tudo pode acontecer, inclusive milagres.

Como é o teu dia a dia?

Costuma ser bastante corrido, muitas vezes não só durante a semana, como também nos finais de semana. Às vezes fico cansada, mas a obstetrícia pode ser comparada a uma atividade física - me propicia uma espécie de endorfina - renovando minhas energias. Quando fico algum tempo sem fazer parto, é como se faltasse algo. Ser escolhida pelas minhas pacientes para estar presente num dos momentos mais especiais das suas vidas é muito gratificante.

Achas que na tua área existem milagres?

Sim, acredito em milagres. Na minha área eles ficam muito evidentes, talvez bem mais do que em outras especialidades. Lidamos com duas vidas e, muitas vezes, nos deparamos com situações críticas, mas incrivelmente, na maioria delas, tudo acaba bem. Com certeza, existe um anjinho da guarda ali nos guiando para que façamos o melhor.

Qual o caso mais marcante que vivenciaste até hoje?

Foram vários casos, afinal são 21 anos de formada. Muitos foram verdadeiros milagres - a obstetrícia é algo sobrenatural - gerar uma nova vida perfeita é algo permitido por Deus e acima do nosso entendimento! Tive uma paciente que tinha uma endometriose grave, teve de ser submetida a uma cirurgia para correção da mesma e fertilização in vitro. Ao fazer sua cesariana, identifiquei aderências por tudo e já a alertei de que numa próxima vez, seria quase impossível engravidar espontaneamente. Ainda bem que falei quase! Passaram-se três anos e ela estava nos preparos para uma nova fertilização, quando teve um atraso menstrual - já estava grávida! Foi uma grande vitória! Casos como este me fizeram entender que existem coisas além do entendimento da medicina. Numa certa ocasião, uma gestante em idade já mais avançada, que era diabética grave e, inclusive, portadora de um problema de saúde seríssimo, em função da diabetes, me procurou. Ela aguardou por anos na fila de adoção e não sendo atendida, resolveu engravidar, mesmo sabendo de todos os riscos que ela e o bebê corriam. Fiz o seu pré-natal, muito receosa de alguma complicação, mas tudo correu muito bem, pois ela também fez a sua parte e se cuidou muito. Na obstetrícia precisamos da colaboração das pacientes, especialmente em se tratando de uma gestação de alto risco e, para que isso seja possível, precisamos dispor de tempo na consulta, a fim de formarmos um vínculo forte e de confiança.

O que mais te orgulha em sua trajetória profissional?

O que mais me orgulha na minha profissão é cuidar das gestantes, que muitas vezes estão fragilizadas neste período de vida e depositam em mim toda confiança. Literalmente colocam a si e ao seu filho em minhas mãos. Sinto-me muito fortalecida e grata por isso e sempre procuro dar o melhor de mim!

O que tens a falar sobre maternidade?

Maternidade é um eterno aprender. Nasce aquele serzinho indefeso, perfeitinho, cheirosinho e ele é seu, a partir de agora. E aí, na primeira noite, ainda no hospital, você descobre que ele faz o quer - não dorme na hora que você gostaria que ele dormisse, não tem fome no momento mais adequado, chora muito mais do que você gostaria.... e assim por diante. Mesmo assim, o seu amor por ele é incondicional. Você já o ama mais do que tudo nesta vida! Mas aos poucos, você vai tendo um retorno deste bebê: ele sorri para você, tenta imitar a sua voz, interage. Isso vai te dando forças para superar as noites mal dormidas, abrir mão de comer na hora em que se está com fome, fazer programas com os amigos, assistir um bom filme e tantas outras coisas mais, que pelo menos por um período, são deixadas de lado para priorizar o bebê. Logo você olha para trás e descobre que seu bebê cresceu e imagina que o mais difícil já passou, mas qual não é a sua surpresa ao descobrir que o maior desafio ainda está por vir. Sim, o maior desafio para mim é educar! Mas aí você vai errando e acertando e repensa os seus valores e se recria, tornando-se uma pessoa melhor. Ser mãe é aprender a lidar com as diferenças, sem achar que tudo tem de ser exatamente como planejamos. Os filhos vão nos ensinando diariamente sobre resiliência, amor, limites e aceitação. Posso dizer que meus filhos deram sentido a minha vida e, com certeza, me tornaram uma pessoa melhor.

Segundo indicou uma pesquisa recente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) em parceria com o Datafolha, pelo menos 5,6 milhões de brasileiras não costumam ir ao ginecologista/obstetra, 4 milhões nunca procuraram atendimento com esse profissional e outras 16,2 milhões não passam por consulta há mais de um ano. Qual é a tua opinião sobre isso?

Ainda são muito assustadores estes dados. Está muito difícil reduzir os índices de mortalidade por câncer de colo uterino e de mama no Brasil. Sabemos que na maioria dos casos, quando diagnosticados precocemente, são passíveis de cura. Em minha opinião, a saúde pública do país tem muito a melhorar. Falta ao governo fazer campanhas e medidas efetivas para conscientizar a população do quanto é importante prevenir.

Qual a tua opinião sobre partos humanizados e como é tua relação com doulas?

Sou totalmente favorável a partos humanizados seguros, ou seja, dentro de ambiente hospitalar e acompanhados por obstetras, uma vez que existem emergências e o binômio materno fetal deve ser protegido. As doulas, assim como o pai dos bebês, tem um papel fundamental no conforto físico e emocional das mães, num momento muito especial de suas vidas.

Conteúdo na área de saúde se encontra em abundância na Internet. Quanto isto é positivo e quanto negativo, ao teu ver?

Vejo como positivo o acesso à informação através da internet. Com certeza, facilitou a vida para médicos e pacientes. É claro que as informações nem sempre são corretas, mas as pacientes conseguem complementá-las e esclarecê-las com o seu médico.

Como concilias a atualização profissional à rotina quase sempre intensa?

Hoje em dia, como já tenho bastante experiência, busco as informações que me faltam na internet. Também vou a vários congressos e eventos científicos durante o ano. É claro que sempre que me ausento da cidade, preciso avisar minhas pacientes que estão próximas de dar à luz e deixar um colega de sobreaviso.

Como tu és fora do ambiente profissional?

Fora do ambiente profissional sou menos séria, mais divertida e me considero feliz com meus  amigos e minha família, a qual amo mais do que tudo nesta vida. Ser mãe hoje em dia é um grande desafio para mim! Esforço-me muito para que meus filhos venham a ser pessoas com um propósito bem definido, baseado em valores éticos e morais.

O que lhe levou a escolher esta profissão? 

Quando eu tinha sete anos, todas as minhas colegas queriam ser professoras e eu já queria ser médica. Não tive influência de nenhum médico para fazer esta escolha. O que me motivou, foi um problema de saúde que tive na infância. Isso me despertou o desejo de ter entendimento sobre o corpo e domínio sobre a situação. Aliado a isso, sempre gostei de ajudar os outros. Quanto a escolha da minha especialidade, ocorreu durante o último ano de faculdade, quando fiz o estágio obrigatório e fiz meu primeiro parto. Foi amor à primeira vista! 

 

Entrevista | Marina Grandi - Edição | Caroline Pierosan