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Oratória

05/07/2019

Cérebro Moldável a Partir do Ambiente

A neurociência pode contribuir muito para uma educação de qualidade

"O ambiente no qual a criança está inserida terá grande impacto na aprendizagem; É fundamental que os adultos propiciem um ambiente saudável para suas crianças"

“Compreender como funciona o cérebro e as melhores formas de estimulá-lo é algo que se tornou promissor na educação”, afirma Priscila Leal, natural de São José dos Campos – SP. Ela mudou-se para Farroupilha com seu marido, Alexandre, e seu filho, Gabriel, de dois anos ___ quando?. Priscila é pedagoga, psicopedagoga, tem mestrado em distúrbios do desenvolvimento e integra um grupo de pesquisa sobre leitura/escrita e perfil cognitivo de crianças com dislexia.

Como tem sido morar em uma nova cidade?

Estamos há dois meses em Farroupilha. Esta nova experiência de vida tem sido ótima, pois nos sentimos muito acolhidos desde o primeiro momento. Além disso, Farroupilha e região oferecem um contato mais próximo com a natureza e muito lazer ao ar livre, algo que valorizamos muito. Isso tem nos dado muita alegria.

De que forma pretende aplicar teu vasto currículo?

Me formei em pedagogia em 2011 pela Universidade Metodista de São Paulo. Cursei especialização em Psicopedagogia e me tornei Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. Buscar cada vez mais formação acadêmica e a prática é algo essencial para minha área de atuação, visto que a educação e a inclusão de pessoas com dificuldades ou transtornos de aprendizagem é um desafio na nossa sociedade. Desta forma, venho compartilhando os conhecimentos adquiridos, ministrando aulas em cursos de pós-graduação, atuando como psicopedagoga clínica e escolar e também como pesquisadora na área de desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita. A ideia é poder contribuir na formação de educadores, auxiliar pais e escolas com as dificuldades das crianças e dividir com a sociedade os achados que as pesquisas vêm nos mostrando.

O que mais te encanta na tua profissão?      

Muitas coisas me encantam na minha profissão, mas a principal delas é ver o olhar de alegria e satisfação das crianças quando percebem que são capazes de aprender. Ajudar a criança a identificar uma melhor forma de aprendizado e motivá-la nessa busca é muito especial. Isto é fundamental para sua autoestima e influenciará diretamente no aprendizado.

Como é o teu trabalho de pesquisa?

Faço parte do grupo de pesquisa do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP, desde 2012. O nosso foco de pesquisa é sobre leitura/escrita e perfil cognitivo de crianças com dislexia. Em 2014, meu marido e eu fomos morar em Portland, Estado do Oregon – EUA, aonde tive a oportunidade de fazer um curso sobre avaliação de leitura nas crianças do Ensino Fundamental na University of Portland. Com isso, tive contato com diferentes materiais de avaliação e um deles me chamou a atenção, por ser uma ferramenta de uso do professor e que tem por objetivo identificar e monitorar níveis de leitura das crianças. Ao retornar ao Brasil e retomar meu mestrado, decidi desenvolver uma ferramenta de avaliação com base nesse instrumento americano. Com a orientação do professor Doutor Elizeu Coutinho de Macedo e auxílio de alguns membros do grupo de pesquisa desenvolvemos o ILEF - Inventário Informal de Leitura para o Ensino Fundamental I. O instrumento avalia as principais habilidades envolvidas na leitura de crianças brasileiras do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental I. Criamos provas de listas de palavras isoladas e de textos que são específicos para cada ano escolar. Essa proposta de ter tarefas com níveis de complexidade crescente torna a avaliação mais dinâmica, visto que é possível aplicar as provas em busca do melhor desempenho que a criança pode ter naquele momento. Esse modelo de avaliação permite ao professor planejar melhores estratégias pedagógicas de acordo com a necessidade do aluno ou do grupo. O instrumento está em fase de normatização para futuramente ser publicado. Tenho um grande apreço por esse trabalho.

Qual o principal desafio da psicopedagogia hoje?

O objeto de estudo da psicopedagogia é compreender os processos de aprendizagem humana. Dessa forma, acredito que um dos principais desafios do psicopedagogo é envolver a criança no processo de aprendizagem, com estratégias e recursos que despertem o interesse de aprender. Em uma era em que a informação é absurdamente rápida, a tecnologia tem uma presença significativa nas nossas vidas e as formas de interação estão cada vez mais superficiais. O psicopedagogo precisa estar acompanhando esse movimento, que acaba tendo um grande impacto na vida das crianças. Quanto mais eu consigo me aproximar dos temas de interesse da criança, mais eu posso compreendê-la e ajudá-la.

O que é fundamental na atuação pedagógica?

Entendo que um dos fatores fundamentais na atuação pedagógica é a possibilidade de proporcionar meios eficazes para que a criança possa se desenvolver da melhor maneira. Isso implica em conhecimento, experiência, organização no trabalho, metodologia de ensino, recursos e muito amor pela profissão.

Psicopedagogicamente, qual olhar se deve ter sobre aprendizagem?

É importante lembrar que a aprendizagem está intimamente ligada ao desenvolvimento do cérebro, o qual é moldável aos estímulos do ambiente. A partir disso, devemos levar em consideração que o ambiente no qual a criança está inserida terá grande impacto na aprendizagem. Por esse motivo, é fundamental que os adultos propiciem um ambiente saudável para suas crianças. Outro ponto importante na aprendizagem é compreender que cada um tem uma forma de aprender. Na literatura isto é chamado de “estilos de aprendizagem” e se refere à forma muito individual que temos para aprender. Assim, o olhar do educador e da família deve ser sensível e sempre respeitar esta individualidade.

Dislexa e TDAH são problemas que impedem o desenvolvimento da aprendizagem?

De acordo com a classificação do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª. Edição (DSM-V), Dislexia e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade são transtornos do neurodesenvolvimento e interferem no processo de aprendizagem. No entanto, não impedem a criança de aprender, desde que seja dada a devida atenção a cada caso. Tanto a dislexia quanto o TDAH podem se manifestar de forma sutil ou intensa. O importante é identificar os sintomas e procurar ajuda de um profissional qualificado. Intervenções adequadas, frequentemente, amenizam os sintomas e auxiliam, não só no desenvolvimento da aprendizagem, como também na autoestima e desenvolvimento pessoal das crianças. No entanto, é fundamental que a família e a escola estejam engajadas no processo de intervenção. O sucesso do avanço da criança é um trabalho em parceria.

Para enfrentar o fracasso escolar é interessante que a escola volte o olhar para si e reveja as práticas pedagógicas?

O fracasso escolar é a maneira pela qual podemos nos referir à dificuldade do aluno em aprender. Esse tema é bastante complexo, pois pode ser atribuído a diversas causas, tais como: evasão escolar, formação inadequada dos professores, estratégias ineficazes de ensino, falta de recursos escolares, ambiente escolar e social, avaliação, interação entre família e escola, etc. Acredito que, primeiramente, a escola deve voltar seu olhar para seus alunos e compreender que é preciso respeitar e acolher a todos em sua individualidade. A partir disso, é fundamental rever as ações pedagógicas. Alguns estudos têm mostrado que diversos fatores influenciam positivamente na aprendizagem. Alguns deles são: práticas baseadas em evidências, atividades extracurriculares, participação dos pais na vida escolar, avaliação de monitoramento, prática guiada e o feedback durante as atividades.

 

Entrevista | Marina Grandi - Edição | Caroline Pierosan