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Oratória

02/04/2020

Equilíbrio na Fusão de Identidades

“Andréia Belusso cria projetos únicos, contemporâneos e inovadores, que valorizam raízes e demostram respeito ao DNA local”

"Arquitetura sustentável nada mais é do que a arquitetura bem relacionada como o meio em que está inserida, com tendências a soluções múltiplas, principalmente por sua relação com as características e os materiais do contexto" (Andréia Belusso)

“A elaboração de um projeto arquitetônico de vinícola exige uma imersão no mundo do vinho”, afirma Andréia Belusso, arquiteta e urbanista, com mestrado em Biotecnologia e Gestão Vitivinícola, qualificada para a elaboração de projetos arquitetônicos de vinícolas, com experiência fora do Brasil e no mercado interno. “A edificação industrial vinícola deve ser funcional como qualquer outra, com espaços adequados para que cada processo ocorra sem comprometer o bom funcionamento e a produção”, explica. “Durante a minha trajetória desenvolvi diretrizes que nada mais são do que formas de auxiliar o profissional de arquitetura. Diretrizes que respeitam e possibilitam que o profissional continue utilizando seu método de trabalho, criando um projeto único, mas que, embora possa ser contemporâneo e inovador, poderá mostrar raízes e respeito à identidade do local”, destaca. A seguir, ela fala sobre a sua distinta profissão, sobre o mundo do vinho e sobre o papel da mulher profissional no ambiente contemporâneo dos negócios.

 

MARINA GRANDI: Qual a importância da sustentabilidade nos teus projetos arquitetônicos para vinícolas?

ANDRÉIA BELUSSO: Antes de falar de sustentabilidade nos projetos, preciso destacar que o conceito de sustentabilidade é um termo muito amplo e complexo, atualmente faz parte de uma mentalidade, uma atitude, uma estratégia ecologicamente correta, viável sob o ponto de vista econômico, socialmente justa e culturalmente diversa. A sustentabilidade na arquitetura tem sido empregada de diferentes modos, desde o canteiro de obras até o modo de funcionamento do edifício. A construção sustentável se preocupa desde o resíduo de obra até a harmonia entre o edifício e o espaço construído. Um projeto arquitetônico sustentável necessita adotar várias premissas e pode seguir várias tendências. A verdade é que o conceito de arquitetura sustentável nada mais é do que a arquitetura bem relacionada como o meio em que está inserida, com tendências a soluções múltiplas, principalmente por sua relação com as características e os materiais do contexto.

És diretora de criação do Montem Arch. Qual o diferencial da empresa?

Principalmente a qualificação da equipe formada por arquitetos com mestrado em edificações e na elaboração de projetos arquitetônicos de vinícolas, com experiência na Itália. Além disso, possuímos parceria com um premiado arquiteto italiano. O estúdio lida com o projeto arquitetônico em várias escalas, mas foca na arquitetura industrial vinícola. Participamos de competições, feiras, conferências, seminários, exposições e produzimos conteúdo sobre espaços do vinho. O Montem Arch possui uma abordagem que visa a busca de novas trajetórias por meio de um olhar diferente, mas que equilibra a colisão entre as identidades que compõem cada paisagem.

Como alguém pode se tornar um sommelier internacional?

Se for apreciador (a) de vinho, e gosta de ter noções básicas, isso já é indício de que vale a pena  ir em busca dos segredos mais profundos do vinho. É preciso ser acessível e ter respeito. Digo “acessível”, pois a vida do sommelier é provar vinhos, degustar e tentar descrevê-los, exaltando suas peculiaridades. E quando eu digo respeito, ressalto a importância de enfatizar o mais ínfimo atributo do vinho utilizando as palavras adequadas para descrevê-lo sem denegrir todo um trabalho honesto e suado que existe por trás de cada taça. No mais, para tornar-se uma sommelier internacional é importante ser ousada. Ousada com os seus sentidos, principal instrumento de degustação de vinhos, olhar sem pressa, degustar todas as possibilidades de vinho até tornar seu paladar aguçado e ir aperfeiçoando o olfato. O treinamento é constante. O sommelier é um profissional que possui a tarefa de degustar vinhos, e também, que pode desenvolver habilidades mais complexas, como ser capaz de realizar combinações de alimentos (harmonização vinho x alimento) e de gerenciar o serviços de vinhos.

Como atua uma juíza de vinhos?

É uma grande responsabilidade de consistência e concordância de julgamento (principalmente entre diferentes provadores) sobre o mesmo vinho. Seguindo o método de avaliação do crítico Robert Parker, ser juíza de vinhos é creditar pontos às características visual, olfativa, gustativa, qualidade e o latente envelhecimento do vinho, participando de avaliações de vinhos nacionais e pelo mundo.

Também és professora de italiano. Como esse trabalho impacta a comunidade em que tu estás inserida?

Nós que vivemos na Serra Gaúcha estamos historicamente e culturalmente ligados à Itália. Por isso, o ensino de Língua italiana possui grande demanda na região. Percebo que a comunidade busca incessantemente compreender a sua origem e possui admiração por tudo que é Made in Italy. Acredito que a memória da imigração italiana na região se faz presente até hoje, porque é reverenciada, um sinônimo de busca, talvez, da compreensão da drástica mudança que foi a viagem rumo ao desconhecido: o Brasil. O ser humano precisa do pilar do passado para erguer seu futuro. É uma referência. Por isso, creio que este trabalho impacta positivamente contribuindo para que as pessoas aprendam sobre língua e cultura italianas, ajudando-as a compreender e encontrar suas origens.

Como é conciliar a vida de mulher, mãe e empresária? Quais os principais desafios?

Infelizmente não é possível conciliar tudo com excelência e perfeição, muitas vezes, durante a minha trajetória precisei fazer escolhas e, no meio do caminho, algumas coisas precisaram ser sacrificadas. No entanto, organização e parceria são palavras-chave. Eu vejo a família, a equipe do escritório, as turmas em que leciono como um time onde todos precisam colaborar para atingir o êxito. Precisa ter parceria e comprometimento de todos. Nem sempre há, já que o ser humano é suscetível a falhas, mas não podemos perder a esperança, é necessário renovar a máxima de que o comprometimento de todos é que faz o time vencer. Com certeza minha história não é exclusividade, mas sim a realidade de muitas pessoas que tiveram uma infância humilde, de poucos recursos, assistindo a todo tipo de dificuldade de pais não letrados e sem perspectiva em um futuro melhor, que migraram para a região em busca de uma oportunidade melhor para a família. Sempre fui muito criativa e, nos momentos de dificuldade, acabava criando possibilidades. Se eu não podia ter a casa da Barbie, eu a construía. Ia até a marcenaria mais próxima, pegava restos de madeira, as poucas ferramentas de meu pai, alguns pregos tortos que estavam guardados e construía não somente a casa, como mobiliava toda ela. E o pior, eu nem tinha a boneca, mas sonhava com uma! Encontrei muitas dificuldades, mas quando eu as encontrava procurava novos caminhos. Durante muito tempo, a criação, o estudo e o trabalho foram minhas “bengalas”, e minha terapia nos momentos de dificuldades. Com foco e determinação é possível vencer todas as dificuldades.

Segundo Relatório da ONU, serão necessários 81 anos para se alcançar a paridade de gênero na economia e 50 anos para a igualdade na representação parlamentar. O que pensas sobre isto?

As mulheres já percorreram um longo caminho até aqui. Uma dura, porém, gloriosa jornada. Se olharmos o quanto é recente o fato de a mulher poder estudar, trabalhar, votar, candidatar-se a cargos políticos, ocupar postos de liderança, veremos que já conquistamos posições significativas. E se continuarmos fazendo um bom trabalho, esses números não nos dirão nada, porque podemos acelerar e potencializar nossas conquistas. Na verdade, não gosto de rótulos, nem de uma sociedade segregada. Podemos mostrar nossa competência trabalhando juntos e construindo uma profícua forma de igualdade e paridade.

Qual é teu objetivo mais poderoso?

Fazer a diferença no setor vitivinícola do país por meio da Arquitetura. Poder contribuir com o melhoramento das estruturas vitivinícolas mostrando que a arquitetura pode transformar estas indústrias em um landmark, tanto para os clientes como para o território. A verdade é que, cada vez mais, percebe-se a necessidade de incorporar a grandeza do nobre fruto à ergonomia do imóvel, obra da arquitetura humana.

O que gostarias de mudar no mundo?

A falta de comprometimento das pessoas e a ingratidão.

Um desejo pra Caxias do Sul?

O tempo de convívio me permite dizer que eu gostaria que Caxias do Sul recuperasse a vocação turística por meio do investimento, desenvolvimento e modernização das indústrias vinícolas caxienses e de todo o potencial que sabemos que existe. Sendo o segundo polo metalomecânico em importância do país, o turismo de negócios poderia estar conectado com o turismo do vinho, ressaltando as diferentes potencialidades do local.

 

“Com certeza minha história não é exclusividade, mas sim a realidade de muitas pessoas que tiveram uma infância humilde, de poucos recursos, assistindo a todo tipo de dificuldade de pais não letrados e sem perspectiva em um futuro melhor, que migraram para a região em busca de uma oportunidade melhor para a família. Sempre fui muito criativa e, nos momentos de dificuldade, acabava criando possibilidades. Se eu não podia ter a casa da Barbie, eu a construía. Ia até a marcenaria mais próxima, pegava restos de madeira, as poucas ferramentas de meu pai, alguns pregos tortos que estavam guardados e construía não somente a casa, como mobiliava toda ela. E o pior, eu nem tinha a boneca, mas sonhava com uma! Encontrei muitas dificuldades, mas quando eu as encontrava procurava novos caminhos. Durante muito tempo, a criação, o estudo e o trabalho foram minhas “bengalas”, e minha terapia nos momentos de dificuldades. Com foco e determinação é possível vencer todas as dificuldades” (Andréia Belusso, arquiteta e urbanista)

 

ENTREVISTA I MARINA GRANDI
EDIÇÃO I CAROLINE PIEROSAN