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Oratória

04/07/2019

Psicofobia

A psiquiatra Karen Letti fala sobre saúde mental

"Devemos dormir melhor, nos alimentar melhor, nos exercitar mais, mesmo que a pressão externa continue sendo brutal. Deve haver equilíbrio entre o dever e o lazer e/ou prazer" ( Foto: Cy Rezzadori )

O estilo de vida moderno é responsável pelo aumento dos índices de doenças mentais. Como isso poderia ser combatido?
O estresse de hoje em dia é um grande facilitador das doenças mentais, desencadeando antecipadamente as doenças que poderiam ou não vir a surgir. Podemos amenizá-lo dormindo melhor, nos alimentando melhor, nos exercitando mais, mesmo que a pressão externa continue sendo brutal. Deve haver um equilíbrio entre o dever e o lazer e/ou prazer.

Segundo a OMS, a depressão afeta cerca de 300 milhões de pessoas no mundo. Por que muitos doentes escondem a sua condição e não a tratam?
Parece que virou moda dizer que a doença mental é inventada. Parece que se trata de algo como a psicofobia. Em geral, ninguém sabe, nem os doentes estigmatizados, que escondem a sua condição, ignorando o fato de que é possível se tratar. O preconceito é monstruoso. A doença mental existe há dois mil anos. Vamos descobrir quem a inventou, então?

Um dado divulgado recentemente, fala de 113 mil gaúchos cadastrados em uma plataforma de relacionamento extraconjugal. Como achas que serão as relações amorosas daqui por diante?
Penso que as relações amorosas vão mudar ainda mais. Vê-se o número alto dessa pesquisa. Cada casal tratará de forma singular o que for melhor para a manutenção da sua família ou o rompimento das relações. Os profissionais dessa área atuarão no sentido de evitar o caos familiar, compreendendo cada situação com as suas peculiaridades.

O ciumento expressa o desejo de controlar e possuir unicamente para si a pessoa que quer bem. Até que ponto o ciúme está na fronteira da normalidade de um relacionamento ou se tornou algo patológico?
O ciúme normal é fácil de perceber, pois se compõe essencialmente do pesar, do sofrimento causado pelo pensamento de perder o objeto amado, de sentimentos de inimizade contra o rival bem sucedido. A dor narcísica, o defrontar-se com a ideia de que não somos tão indispensáveis para o amado como se pensava. A percepção do rival  é sempre forte, potente e desejável. Quando o ciúme ocorrer numa reedição edípica com um grau na falha da resolução dessa fase pode o indivíduo afetado reagir com uma conduta inadequada, impulsiva  frente ao conflito, até as situações extremadas como no caso dos crimes passionais.  

Se pudesses mudar algo na mente humana, que tipo de pensamento mudaria primeiro?
Isso nos remete à individualidade de cada ser humano. Não mudaria nada, porque se cortássemos os defeitos, não vibraríamos com as virtudes. Errar, mesmo que não seja prazeroso ou positivo, é também aprendizado e crescimento, e só o erro ensina mais do que o exemplo. Essa resposta, para ser fornecida, nos obriga a repensar e esse é um exercício que fortalece os nossos valores e direciona novas e mais justas condutas.

Pessoalmente, quais aprendizados a tua profissão te presenteou?
A psiquiatria me impressiona e me presenteia a todo instante que tenho a possibilidade de ajudar as pessoas, que estão com as suas vidas danificadas por quadros psiquiátricos, a voltarem a viver.

A organização e/ou desorganização do ambiente pode ser o reflexo do mundo interno?
Em geral, a bagunça que encontramos no espaço em que habitamos é sinal da desordem no nosso mundo interior.

O que gostarias que as pessoas soubessem?
Que há milênios existe um grande preconceito contra as doenças mentais. Várias pessoas foram sacrificadas por ouvirem vozes (alucinações auditivas). As pessoas que sofrem com isso sempre foram vistas como um fardo. Levaria ao conhecimento daqueles que escondem a sua condição (e ignoram o fato) que existe tratamento e que podem utilizá-lo.

 

Entrevista | Marina Grandi - Edição | Caroline Pierosan