Menu

Oratória

05/07/2019

Um Gesto de Amor

A jovem neuropediatra Juliana Dall’Onder entende que até um simples gesto de afeto pode ser muito para uma criança e sua família; isso a ajuda a lidar com os fatos desafiadores de seu dia a dia

"O meu papel é dar condições para que seus pacientes se desenvolvam e possam ser adultos independentes"   ( Foto: Gane Coloda )

Lidar com o sofrimento do outro é uma lição diária para Juliana Dall’Onder. Cada paciente, cada família traz uma história e uma dor que devem ser respeitadas e que ela, como neuropediatra, vivencia, sem se envolver demasiadamente emocionalmente, nem, tampouco, banalizar tal sofrimento. “O meu papel é dar condições para que seus pacientes se desenvolvam e possam ser adultos independentes”, afirma, convicta. A seguir conheça um pouco do trabalho e das convicções da jovem neuropediatra.

Por que decidiste ser neuropediatra?

Sempre quis fazer pediatria, desde antes de entrar na faculdade. O desejo de fazer neuropediatria veio durante a graduação, durante as cadeiras de neurologia. Eu gostava muito dessa área, porém queria trabalhar com crianças, então fiz a especialização em neurologia infantil.

Como manter-se atualizada em uma área no qual seguidamente fatos são revisados? 
Eu procuro ler e estudar algo toda semana e sempre que tenho algum caso diferente também pesquiso bastante sobre ele. É muito importante conhecer as fontes de pesquisas. Bibliotecas online de artigos científicos são o melhor meio de se manter atualizado e com trabalhos aprovados pela equipe científica. O Google e sites de busca podem ser rápidos, mas muitas vezes contém informações distorcidas e que atrapalham o entendimento da verdade. Outra forma de me atualizar é por meio de congressos e seminários. 

Como manter a sanidade lidando com tantos problemas, diariamente, no trabalho?  
Às vezes me faço a mesma pergunta. A área que eu trabalho pode trazer dias realmente pesados e eu não saberia dizer o que, como ou quando foi que aprendi a lidar com estas dificuldades. Mas foi o que eu escolhi fazer. Alguns dias serão piores que os outros, porém alguns serão recompensadores. Por pior que tenha sido o dia, com certeza foi pior ainda para outra pessoa e o menor gesto que a gente fizer para ajudar alguém, pode ser muito para aquela realidade. Isso me motiva.

Podes citar algum caso recompensador?

É difícil citar algum em específico, mas é muito recompensador ver a sinceridade com que diversas pessoas agradecem por algo que pra mim parece tão simples; como agradecem por apenas entendê-las e acolhê-las em suas dificuldades.

E o mais difícil? Que lição tiraste?

A de não julgar ou criticar as ações de pessoas fragilizadas em seus momentos de maior desamparo. Procuro estar disponível para ouvir.

Lançaste recentemente uma cartilha que aborda a estimulação precoce e, em breve, lançarás um livro infantil. Qual teu objetivo com esses projetos?
Escrevi dois livros que são voltados para os pacientes que procuram meu atendimento, com informações úteis e orientações que considero importantes para os pais de hoje para auxiliar no desenvolvimento social, motor e psicológico das crianças. Montei os livros de acordo com as necessidades que observei na população que atendo. Um deles trata de estimulação de bebês e crianças de até cinco anos, em diversas áreas de desenvolvimento, e o outro é voltado para crianças em fase pré-escolar e escolar, de séries iniciais. Muitas crianças nessa faixa etária, hoje em dia, são apontadas como agitadas, hiperativas ou desatentas. O livro infantil foi só uma brincadeira, uma história que inventei para o meu afilhado e que depois coloquei no papel em texto e ilustração.

O que é superimportante quando se trata de desenvolvimento do cérebro?

Diálogo. É fundamental conversar com as crianças. Todas as aéreas são importantes para serem estimuladas desde pequeno; mas conversar, explicar o que está acontecendo, contar estórias, trocar experiências de forma carinhosa, com um tom de voz afetivo, trará benefícios incríveis.

Muitas escolas indicam avaliação neurológica de alunos com comportamentos agitados por suspeita de TDAH. Qual é a tua visão sobre isso?

Realmente, recebo com frequência. Temos que observar que, nos dias de hoje, as crianças estão mais ativas, mais ligadas às tecnologias; temos também muitos casos de pais que trabalham o dia inteiro e acabam tendo pouco tempo de convivência com seus filhos e isso tudo gera um comportamento mais agitado por parte das crianças. Quando avaliamos essa criança temos que considerar todo o seu contexto. Os índices de TDAH veem mantendo-se estáveis, em torno de 10% das crianças em fase pré-escolar e escolar, com uma redução para 5% na adolescência. Se uma sala de aula supera muito estes índices, temos que rever este contexto. Regiões que convivem com violência, pobreza, restrição alimentar, terão uma população mais agitada.

Qual a tua visão sobre uso de telas como tv, tablets e celulares?

Já temos diversos estudos mostrando os prejuízos de usos destes eletrônicos por parte de crianças pequenas; desde problemas visuais a atrasos no desenvolvimento motor, de fala e socialização. Observamos frequentes casos de vício em eletrônicos e comportamentos condicionados ao uso, por exemplo, crianças que só comem com o celular na frente ou só se comportam se tiver um desenho pra ver. Trabalhos recentes mostram que a hiperexposição audiovisual causa especialização de vias cerebrais que processam estímulos visuais e auditivos de maneira “não social”. Essa via reforçada inibe o desenvolvimento do “cérebro social”. Como se estivéssemos fazendo academia para o cérebro e trabalhando um único músculo. Oriento aos meus pacientes que não utilizem mídias antes dos dois anos. E, após esta idade, dar preferência à TV, evitando ao máximo uso de celular e tablet, pois com telas que ficam próximas ao rosto, a criança perde o seu campo de visão periférica e se desconecta totalmente do mundo ao seu redor durante o uso.

 Tens 31 anos, praticamente 1/3 deles dedicados aos estudos. As pessoas têm preconceito quando encontram uma neuropediatra tão jovem?

Nunca sofri preconceito por isso, pelo menos não que eu tenha interpretado desta forma. Alguns ficam surpresos e comentam que não esperavam alguém tão novo, mas só isso. Agora já nem sou mais tão nova assim.

Acreditas que religião e espiritualidade têm influência significativa na saúde dos pacientes?

Acredito que a crença e a espiritualidade tenham influência, sim, independentemente da religião. Acreditar em algo torna mais fácil superar qualquer momento. 

Viver mais e melhor pode ser atribuído à fé?

Não diria desta forma; há pessoas que matam e dizem ser por fé. O conceito de fé é particular, significa acreditar em algo incondicionalmente. Posso ter fé em algo que trará o bem a mais pessoas e posso ter fé em algo trará o bem só pra mim e prejudicar outros; como é o caso de terroristas radicais. Mas viver em paz, sim. Hoje em dia, as pessoas que vivem em grandes cidades, movimentadas, com barulho, correria de trabalho, vivem muito mais estressadas do que antigamente. E isso traz um prejuízo real à saúde dos adultos e interfere no desenvolvimento das crianças. Os índices de doenças mentais são altíssimos; suicídio infantil, violência em escolas, agressão a professores. Muitas pessoas estão saindo desses grandes centros e mudando-se para interiores em busca de uma vida mais tranquila, em busca de qualidade de vida, viver melhor. 

O que gostarias que as pessoas soubessem sobre a tua profissão?

Que atuo numa área que envolve crianças com distúrbios neurológicos como epilepsia (crises convulsivas), cefaleia (dor de cabeça), atraso no desenvolvimento, autismo, transtorno de aprendizado, tarantismo de déficit de atenção/hiperatividade, deficiência intelectual e outras doenças neurológicas.

Quais os planos para 2019?

Pretendo realizar um desejo muito grande de ver a Aurora Boreal; se eu tiver sorte de ela aparecer pra mim. 

 

Entrevista | Marina Grandi - Edição | Caroline Pierosan - Foto | Gane Coloda