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Pelo Mundo

17/09/2020

Cuba

“Um regime de governo pode afetar drasticamente todas as pessoas que vivem num país”

"Andando pelo entorno temos a impressão de que se continua no mesmo ano da revolução comunista ocorrida em 1959" "Outra coisa que nos surpreendeu é que, apesar de estarmos hospedados num dos melhores hotéis, não havia rede wifi. Para usar a internet era preciso ir no saguão onde havia uma pequena cabine. Também fomos prevenidos de que as mensagens poderiam ser monitoradas" Centro de Havana "Sabe-se que após a revolução comunista em 1959, mais de dois milhões de pessoas abandonaram o país, apesar das rígidas restrições impostas pelo governo. Isso equivale a quase 20% da população" Centro de Havana "Creio que cabe uma reflexão importante e séria de como um regime de governo pode afetar drasticamente todas as pessoas que vivem num país" Táxi, Havana Varadero Buenavista, grupo musical Daiquirí, bebida cubana

Certo dia comentei com minha esposa: “Que tal conhecer Cuba? Vamos sentir como funciona um país comunista antes que o regime acabe?”.

Proposta aceita. Chegamos pelo aeroporto de Havana, a capital, e logo na esteira das malas já tivemos a uma experiência que, para nós, foi inusitada. Havia muitos policiais com cães de pequeno porte fazendo o serviço de segurança. Um dos cães foi solto da guia, e corria numa velocidade espantosa sobre a esteira e malas. Por ser pequeno e parecer um cão de passeio, achei a cena engraçada.

O problema é que uma de nossas malas não aparecia e, como havíamos trazido seis kits de higiene pessoal e seis bíblias em Espanhol para doação, fui me preparando psicologicamente para ser preso. Você deve estar se perguntando o porquê dessas mercadorias. Explico: soubemos que havia muitas necessidades lá e, em especial, que itens de higiene pessoal são muito caros. Também que os cubanos não têm onde comprar bíblias e, como tínhamos uma visita agendada em uma igreja cristã local, pretendíamos levar os donativos. Fomos praticamente os últimos a deixar o aeroporto (quando finalmente a mala apareceu).

Seguimos viagem para Varadero, região de lindas praias. No caminho, a paisagem urbana fazia parecer que tudo tinha parado no tempo, vilas, pequenas cidades, carros... tudo com a aparência de antigo. No hotel precisamos pedir para trocar de quarto devido a problemas, ao que fomos prontamente atendidos pela atenciosa equipe. Chamou minha atenção a grande quantidade de Russos hospedados. Fizemos um tour para conhecermos as belezas da região em um confortável ônibus de turismo Chinês. Fiz amizade com um jardineiro do hotel. Um senhor já com certa idade e muito simpático. Seu sorriso deixava à mostra os dentes muito estragados e com pequenas partes em ouro, o que mais tarde observei ser comum nas pessoas mais velhas. Conversando, soube que seu salário girava em torno de 20,00 U$/mês, mesmo assim ele relutou muito para receber uma oferta financeira. Ele só aceitou quando sugeri trocar a oferta por uma cédula cubana para trazer como lembrança.

Dias depois, seguimos novamente para Havana. Passeamos pela Malecón, avenida a beira mar bem cuidada e com linda vista. No entanto, ao nos afastarmos da mesma, a paisagem muda. Percebe-se as mazelas sociais do povo nas ruas e como tudo parece antigo e desgastado. Os carros antigos que vemos na TV, que encantam colecionadores e românticos, é o que eles têm para usar no dia-a-dia. Andando pelo entorno temos a impressão de que se continua no mesmo ano da revolução comunista ocorrida em 1959.

No hotel, tivemos outra experiência inusitada; o maleteiro perguntou se tínhamos algo com a bandeira do Brasil para presentear seu filho. Então lhe dei um chinelo de dedo que tinha a pequena bandeira, e ele ficou muito feliz com o presente. Com o passar dos dias, e a liberdade com que fomos tratados pelo atendente nos falando de suas dificuldades nos sensibilizou e acabamos doando muitas roupas. Sua alegria era notável. Depois de nossa saída do país, nos demos conta de que deveríamos ter doado muito mais. Outra coisa que nos surpreendeu é que, apesar de estarmos hospedados num dos melhores hotéis, não havia rede wifi. Para usar a internet era preciso ir no saguão onde havia uma pequena cabine. Também fomos prevenidos de que as mensagens poderiam ser monitoradas.

Enquanto estávamos lá, a então presidente Dilma (em seu primeiro mandato) fez uma visita para checar as obras do porto de Mariel. O BNDS destinou uma soma gigantesca de dinheiro (nossos impostos) para a construção do porto. Pensei: A presidente (após o retorno ao Brasil) falará sobre a miséria em que vive a grande maioria do povo Cubano... ingenuidade minha; não houve sequer uma palavra sobre.

Lembram dos kits de higiene pessoal e das bíblias? Fomos visitar a igreja para realizar a entrega.  Conversamos longamente com as duas senhoras que nos receberam. Elas nos relataram das dificuldades que o povo enfrenta. Uma delas, cujo marido teve que ser hospitalizado por longo período, nos contou que havia momentos em que o hospital não tinha sequer coisas básicas durante a internação, como água para tomar e gaze por exemplo.

Reservamos uma noite para assistir ao show musical do famoso e tradicional grupo Buenavista Social Club. Foi muito divertido! A apresentação foi de ótima qualidade e o ritmo é, de fato, contagiante. Aliás, cabe ressaltar que fomos muito bem tratados pelo povo cubano, e sou muito grato por isso. Eles possuem virtudes como amabilidade, simpatia, educação, bom atendimento... que foram facilmente percebidas.

Contudo, não posso deixar de relatar as dificuldades que percebi viverem muitos cubanos, provavelmente a maioria. Num restaurante, o garçom nos contou que um tio, com diploma de doutorado, inclusive organizador de seminários em sua área, ganhava U$ 50,00/mês de salário. O taxista que nos levou para o aeroporto, com curso superior em comunicação, nos falou da grande dificuldade em conseguir trabalho. O carro antigo e em precárias condições que ele dirigia, tinha um pequeno ventilador adaptado no painel para amenizar o calor. Contou também que gostaria de viajar e de conhecer outros países, mas, para isso, seria preciso superar uma burocracia muito grande, como mostrar um documento que comprovasse o convite para viagem e que as despesas seriam custeadas por quem convidou.

Mesmo assim, sabe-se que após a revolução comunista em 1959, mais de dois milhões de pessoas abandonaram o país, apesar das rígidas restrições impostas pelo governo. Isso equivale a quase 20% da população. Quase oitenta por cento dessas pessoas foram para os EUA, sobretudo à Flórida, que está a 150 km ao norte da ilha. A maioria se aventurou na travessia pelo mar em pequenas e precárias embarcações, correndo todos os riscos possíveis, como naufrágios e ataques de tubarões por exemplo.

Creio que cabe uma reflexão importante e séria de como um regime de governo pode afetar drasticamente todas as pessoas que vivem num país. E que nós, que vivemos num pais democrático, devemos ter a sabedoria e o bom senso de escolhermos bem quem vai nos governar. 

 

Ademir Pierosan | Viagem em Janeiro 2012