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Pelo Mundo

02/01/2019

Movida a Pedaladas

Conheça o município brasileiro sem carros, onde as ruas e casas são construídas sobre as águas do rio Amazonas, e absolutamente tudo acontece sobre duas rodas

Conheça o município brasileiro onde todos os cerca de 40 mil habitantes se locomovem apenas e tão somente de bicicleta  Afuá fica no norte da Ilha de Marajó, e pertence ao Estado do Pará, embora a principal ligação seja com o porto de Macapá, no Amapá Cada habitante tem seu próprio veículo de locomoção, uma bicicleta personalizada Hoje, não se sabe ao certo quantas são, mas Brito acredita que existam mais bicicletas que habitantes em Afuá . Canaletas de água correm entre as casas e as "ruas" na verdade são passarelas por onde circulam incessantemente as bicicletas "Há alguns anos eu conhecia todas as bicicletas dessa cidade, sabia de quem eram e que tipo de ajuste precisavam", explica Afonso Brito, 42 anos, o mais antigo profissional de manutenção dos veículos de Afuá Hoje, não se sabe ao certo quantas são, mas Brito acredita que existam mais bicicletas que habitantes em Afuá As necessidades particulares de cada morador geraram as mais diversas adaptações e deram origem aos bicitáxis, bicicarretas, bicicletas com cadeirinhas para crianças, com coberturas para proteger do sol, enfim... uma infinidade de criações Logo ao lado do mercado do camarão fica o porto do Açaí onde os ribeirinhos depositam sua coleta Além dos mais diversos pratos típicos, feitos com o fruto do Amazonas, a grande atração do Festival do Camarão é a eleição das misses camarão e a famosa "Biciata", na qual desfilam bicitáxis decorados com diversos temas Afuá, a conhecida como Veneza Amazonense Marajoara, é toda edificada sobre palafitas o que levam os moradores em tantas bicicletas adaptadas? Absolutamente tudo. Inclusive muitos dos cerca de 30 mil turistas que lotam Afuá durante o festival anual do camarão, que acontece em Julho

* Tanto quem está acostumado a empreender epopeias para conseguir andar de bicicleta em meio ao trânsito caótico das cidades gaúchas, ou o motorista que detesta ter aquele ciclista “atrapalhando” o fluxo dos carros, ficarão impressionados ao conhecer o município brasileiro onde todos os cerca de 40 mil habitantes se locomovem apenas e tão somente de bicicleta.

 Afuá fica no norte da Ilha de Marajó, e pertence ao Estado do Pará, embora a principal ligação seja com o porto de Macapá, no Amapá. Ali carros não entram. Motocicletas são indesejadas e proibidas.  Durante o breve período em que a população experimentou usá-las, percebeu que perturbavam a paz do trânsito, e, por isso, foram banidas.  Assim, cada habitante tem seu próprio veículo de locomoção, uma bicicleta personalizada. “Há alguns anos eu conhecia todas as bicicletas dessa cidade, sabia de quem eram e que tipo de ajuste precisavam”, explica Afonso Brito, 42 anos, o mais antigo profissional de manutenção dos veículos de Afuá.

Hoje, não se sabe ao certo quantas são, mas Brito acredita que existam mais bicicletas que habitantes em Afuá. “Conheço muitas pessoas que têm pelo menos duas, uma para ir trabalhar, e uma mais ajeitada para passear de noite”, conta. As necessidades particulares de cada morador geraram as mais diversas adaptações e deram origem aos bicitáxis, bicicarretas, bicicletas com cadeirinhas para crianças, com coberturas para proteger do sol, enfim... uma infinidade de criações.

Embora os habitantes de Afuá sejam tranquilos, simpáticos e muito pacientes com o turista desavisado que normalmente caminha pelo meio da rua, atrapalhando o “bicitrânsito”, Brito detesta dar entrevistas. Como referência na manutenção das bicicletas, é uma fonte muito procurada pela imprensa. Já recebeu mais de quinze jornalistas de diversos canais de comunicação do Brasil e do mundo e algumas experiências foram péssimas, o que lhe tornou receoso com os curiosos. “Outro dia veio um repórter aqui, me disse que queria fazer uma matéria sobre manutenção de bicicletas. Eu o recebi, gastei um tempão com ele, mostrei todo o meu trabalho e no fim, ele só mostrou os piores aspectos de Afuá”, explicou Brito.

Segundo relata o empresário, ao circular por Afuá, o repórter de televisão acabou deparando-se com o cemitério do município, que é inundado frequentemente pelo rio Amazonas. Difícil para quem mora em terra firme entender a vida de quem vive sobre as águas. A manchete logo mudou, já não eram as bicicletas o destaque, e sim, o “afogamento” dos mortos de Afuá. A questão é que o mesmo fenômeno (a maré do Amazonas) inunda, além do cemitério, absolutamente cada viela da cidade. Mesmo que os moradores quisessem, seria impossível poupar os túmulos da inundação.

Por isso mesmo Afuá, a conhecida como Veneza Amazonense Marajoara, é toda edificada sobre palafitas. Canaletas de água correm entre as casas e as “ruas” na verdade são passarelas por onde circulam incessantemente as bicicletas. Aos gaúchos habituados com a coleta seletiva de lixo, saltará logo aos olhos os vários materiais recicláveis descartados pelos córregos que desembocam no Amazonas, o que representa uma mácula paralela ao ganho ambiental conquistado pela ausência dos carros em Afuá.

Hoje, o negócio de manutenção de bicicletas emprega outras quatro pessoas da família de Brito (esposa, filha, filho e genro) e mais seis funcionários em duas oficinas de sua propriedade. Mas ele não é mais o único. Com o crescimento da população e do número de bicicletas, a manutenção do único veículo de transporte de Afuá tornou-se um bom negócio. É o que acredita Hildo Campos, de 30 anos que há dois abriu sua própria oficina. “Consertamos em média 15 bicicletas por mês”, calcula. Brito e Campos competem hoje com cerca de outras 10 oficinas de manutenção de veículos espalhadas por Afuá.

Camarão, Açaí e Chopp

Afinal o que levam os moradores em tantas bicicletas adaptadas? Absolutamente tudo. Inclusive muitos dos cerca de 30 mil turistas que lotam Afuá durante o festival anual do camarão, que acontece em Julho. Nesta época, faltam leitos nos poucos hotéis da cidade, cuja população praticamente dobra. Então, os moradores abrem suas casas para hospedar inúmeros parentes e amigos, ou apenas para emprestar o chuveiro.

Além dos mais diversos pratos típicos, feitos com o fruto do Amazonas, a grande atração do Festival do Camarão é a eleição das misses camarão e a famosa “Biciata”, na qual desfilam bicitáxis decorados com diversos temas. Os três campeões são premiados com valores ou objetos que variam a cada concurso.

São comercializados entre cinco e oito mil quilos de camarão por mês no porto de Afuá, conforme explica Elieuso dos Santos Macil, de 32 anos, fiscal do mercado público do peixe do município. “A alta temporada da pesca do camarão acontece nos meses de junho e julho”, explica. O controle da pesca é feito pela Secretaria do Meio Ambiente. O camarão recolhido pelos ribeirinhos é comprado pelos atravessadores em média por R$ 6,00 reais e vendido por R$7,00 para o consumidor final. “O camarão mais graúdo é vendido a R$9,00 reais e o descascado a R$12,00”, explica Maria Pereira, 55 anos, que trabalha há 30 anos como atravessadora em Afuá. “Pago R$2,00 reais por quilo para quem descasca o camarão”, conta Maria. Mesmo com uma margem de lucro não muito alta, ela é muito feliz no trabalho. “Temos que fazer nossas atividades com amor, dai o camarão fica mais gostoso”, diz Maria, em meio a um largo sorriso.

Outro produto importante para a economia do município é o Açaí. Logo ao lado do mercado do camarão fica o porto do Açaí onde os ribeirinhos depositam sua coleta. Os barcos que aportam diariamente em Afuá, trazendo mantimentos de Macapá, também partem levando sacas e mais sacas de açaí, recolhido na floresta Amazônica para ser comercializado no Estado vizinho.

Além da coleta dos frutos do rio e da floresta, pequenas atividades comerciais sustentam os moradores de Afuá, como o chopp vendido por dona Graça dos Reis, natural de Afuá, que há 42 anos mora na mesma casa e vende o mesmo produto. “Chopp por 25 centavos”. Como não poderia deixar de ser, um gaúcho fica abismado diante da oferta tão generosa. Mas quando a senhora volta pela passarela detrás da casa de palafitas com as mãos repletas do que no Rio Grande do Sul conhecemos como “sacolés”, preparados com uma mistura de abacate, leite e açúcar, fica tudo claro. “Toma, é chopp!”, entrega feliz dona Graça, com o sorriso brasileiro do norte estampado em seu amoroso rosto moreno.

 

* Matéria de Caroline Pierosan, publicada na edição de julho da revista NOI