Menu

Pelo Mundo

01/03/2017

Onde o Dinheiro Não Vale

Escalada do Monte Roraima  

"Doing what you love must be above all things" Prume "Essa simplificação da vida me permite pensar em outras coisas, coisas sobre as quais, inseridos no contexto urbano, não temos tempo e nem estímulos que nos façam refletir a respeito" Bruno Susin O Monte Roraima está localizado entre Brasil, Venezuela e Guiana, sendo que a sua maior parte (e a única trilha que possibilita acesso ao cume) está em solo Venezuelano "Ao final de tudo, naquele lapso de tempo em que as coisas se concretizaram, estava a paz" Bruno Susin

Gosto de lugares onde a minha carteira não faz sentido. Onde o cartão de credito é só um pedaço de plástico, onde o dinheiro não vale nada e a identidade tampouco. Gosto de lugares onde a minha maior preocupação do dia será “o que é que eu vou comer?”. São em lugares como esses que eu me encontro. Ali não existe transito, não há e-mail, não existem problemas econômicos ou sociais. Essa simplificação da vida me permite pensar em outras coisas, coisas sobre as quais, inseridos no contexto urbano, não temos tempo e nem estímulos que nos façam refletir a respeito.  Vivemos em um mundo ergonômico, onde tudo é feito para a fisiologia do ser humano. Aqui, em conforto, tudo está ao nosso alcance ou é facilitado. Ir para o mato significa sair da zona de conforto. É sentar no chão, sujar de terra sem nem se importar, banhar no rio, assistir o pôr do sol e a fogueira sem sentir falta do Netflix, dormir em barracas com a lua e despertar com o sol. Você, a rocha, o mato e o céu.

O Monte Roraima está localizado entre Brasil, Venezuela e Guiana, sendo que a sua maior parte (e a única trilha que possibilita acesso ao cume) está em solo Venezuelano. O monte integra um conjunto de grandes montanhas existentes em uma região controlada por índios chamada Savana. No cume do Monte Roraima existem formações rochosas enormes que conformam pequenas cavernas, conhecidas por lá como hotéis. Fiquei acampado sozinho em uma caverninha virada pro lado leste. Como passamos duas noites lá, fiquei muito bem acomodado com meus apetrechos. O silêncio era impressionante. No segundo dia no cume acompanhei o guia numa caminhada por locais interessantes como Jacuzis, formações rochosas, cristais e cavernas. Além desses, as vistas impressionantes, estão na lista de ¨things to do¨ lá em cima. Nessa noite choveu. Foi o único instante de chuva de toda a expedição. Fiquei ilhado sozinho na minha caverna, e resolvi fazer uma polenta com carne seca, a melhor comida do mundo (pelo menos foi o que senti naquele momento). A polenta realmente me alimentou, estava precisando! A caverna se manteve seca e dormi muito bem com o barulho da chuva. Foi a minha melhor noite, pois realmente descansei. No outro dia, às 5h da manhã, acordei sem chuva, sai da barraca e presenciei umas das cenas mais bonitas da minha vida. Contemplar o sol nascer lá de cima, com todas as suas cores e nuances foi uma visão fantástica. Me senti especial de poder estar ali naquele momento e poder ver aquilo. Me emocionei muito. Nesse dia iniciamos a descida cuja primeira etapa foi de caminhada até o acampamento do rio Tek (onde dormimos). Depois caminhamos de volta até a aldeia indígena onde o jipe tinha nos deixado para iniciarmos a caminhada. A energia do maciço rochoso, a imponência da montanha e o medo que ela causa no homem, desde a época das tribos indígenas, inspira a aventura. Foram 6 dias de caminhada, dois dias de aproximação (para chagar ao pé da montanha), um dia subindo (uma subida dura de 4km que levei 4h pra fazer), dois dias lá em cima e dois dias voltando. O cume do Monte Roraima é surreal! Em alguns momentos me sentia em um episódio antigo de Startrek (em um planeta alienígena com reptilianos) e, em outros, me sentia dentro de uma música do Raul Seixas. Os índios o chamam de mãe das águas, o que é engraçado, pois, conhecendo o cume, descobri que o Monte Roraima é uma enorme bacia de recarga de aquíferos. A rocha aflorante é um arenito intemperizado, poroso e o interior do monte é repleto de cavernas e galerias ainda não totalmente exploradas. Na realidade os índios já sabiam que essa montanha é, na verdade, uma enorme esponja que absorve e retém a água da chuva e alimenta os rios a jusante. Aprendi muito sobre mim mesmo, sobre como meu organismo se comporta em situações extremas e sobre a melhor maneira de me alimentar, de me abrigar e de me hidratar na montanha. Alimentar-se bem, na hora certa e com a comida certa é crucial. No dia 11 de dezembro de 2016, quando estava novamente chegando em Santa Elena do Uiaren, ao cruzar a Savana, presenciei de dentro do carro o pôr do sol mais bonito da viagem. O sol descia de um lado, a lua surgia do outro, e, no meio, a montanha do Monte Roraima. Ver essa cena me causou um sentimento de plenitude, de que era aquilo que eu deveria estar fazendo, o lugar onde deveria estar e, depois, a calma... O que a experiência de escalar a montanha me fez sentir e presenciar é parte do plano maior. Desafiá-la e vencer, com segurança e saúde, é uma conquista pessoal e uma auto realização indescritível. Ao final de tudo, naquele lapso de tempo em que as coisas se concretizaram, estava a paz.

Passei 6 dias na montanha. Carreguei todo meu equipamento e comida, administrei os meus recursos e a minha condição física. Minha mochila pesava uns 20kg no início da caminhada. Foram quase 80km assim, porém, caminhei sorrindo. Senti frio e calor, cansaço físico e exaltação. Dormia e acordava no horário da montanha, 19h e 5h respectivamente. Tinha que cuidar dos meus pés (uma bolha poderia estragar tudo). Fiz minha própria comida. Montei e desmontei minha barraca. Cuidei da hidratação; cuidei para me manter seco e para não extraviar nenhum equipamento. Senti muita saudade das pessoas que eu amo e também senti muita gratidão em poder estar lá. Sair da zona de conforto significa se expor, se arriscar e transpor tua condição circunstancial realizando saltos quânticos. Ao voltar, vejo tudo ao meu redor com outros olhos. Sou engenheiro civil e empresário em Caxias do Sul (RS). Sou montanhista e pratico escalada e mountain-bike há muitos anos. Para mim é impossível não fazer uma analogia entre a subida de uma montanha e administração de uma empresa. Ambos são um exercício de resiliência, de autocontrole, de gerenciamento de recursos finitos e de planejamento. Amo administrar minha empresa e amo subir montanhas.

Confesso que voltei otimista da Venezuela. Todos nós brasileiros estamos preocupados com nossa situação política e econômica, mas, tendo passado por lá, posso dizer que estamos relativamente bem. Naquele país o abismo social é gritante. A pobreza é aguda, falta comida para o povo e as pessoas sofrem. Com uma taxa de 1 pra 600, fiz câmbio antes de entrar no pais. Ao trocar R$500,00 sai com uma sacola de dinheiro, sem saber o que fazer com tantas cédulas. Mas o dinheiro não vale nada, para almoçar na cidade, gasta-se em torno de 20.000 bolivares, o que me fez lembrar o Brasil na época do dragão da inflação.

Texto | Bruno Susin - Edição | Caroline Pierosan