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Viva Bem

25/02/2016

A Nova Velhice Feminina

Corpo como espaço de memória e ressignificação

"Saber lidar com as mudanças, aceitá-las como parte de um processo e, sobretudo, ser grato é a melhor forma de envelhecer com dignidade e saúde integral" Vanessa Lyra "Hoje há uma gama significativa de espaços que podem ser ocupados pela mulher idosa. Para além das academias de ginástica e musculação, dos cursos de idioma, das aulas voltadas às novas tecnologias; podemos citar os espaços públicos de lazer, como cafés, cinemas, bailes" Vanessa Lyra

“Em um passado recente, o velho foi visto como um peso para a sociedade, marcada por interesses produtivos. Não apenas a mulher, mas também o homem que envelhece era tratado com desrespeito e desinteresse, determinando que a juventude e a força de trabalho caracterizavam o valor social da vida humana. O próprio termo velho é interpretado em sentido pejorativo e, por vezes, preconceituoso. No que tange à mulher, o envelhecimento lhe trazia ainda o fardo das perdas físicas: as marcas corporais do tempo eram vistas como valores indesejáveis e, sobretudo, temerosos. Envelhecer era sinônimo de feiura, limitações e doença. Cabe, no entanto, destacar o fato de que a visão que se tem do idoso é diferente em cada cultura e para cada sociedade. Isto é, a velhice deve ser interpretada como fenômeno histórico, cultural e social”, afirma Vanessa Bellani Lyra, Graduada em Licenciatura Plena em Educação Física (UDESC), Especialista em Exercício Físico aplicado a Grupos Especiais (UGF), Mestre em Educação (UFSC) e Doutora em Ciências do Movimento Humano (UFRGS), citando DEVIDE, 2000. “No entanto, envelhecer é dádiva! Se não alcançássemos a chance de envelhecer, isso significaria que nossa vida teria sido interrompida em algum momento anterior”, avalia Vanessa, que atualmente é professora adjunta e pesquisadora da Universidade de Caxias do Sul, nos cursos de Educação Física, Pedagogia e Dança. A seguir, ela fala sobre suas investigações culturais que visam reconstruir e interpretar os cenários produzidos pelo corpo feminino que habita tempos e espaços diferenciados registrando em si uma memória de movimentos atravessada pela cultura em que se insere. “Ao envelhecer, o corpo feminino carrega consigo os signos de toda essa trajetória que é histórica e, ao mesmo tempo, atual”.

NOI: O que acontece com o corpo feminino ao longo de seu envelhecimento?

Vanessa Bellani Lyra: Cada indivíduo recebe influência de seus laços genéticos, ainda que não sejam, em sua maioria, determinantes. De outro modo, o estilo de vida adotado por cada um é fundamental para o curso que será direcionado o processo de envelhecimento. Geralmente, há uma perda na elasticidade da pele, acarretando o aspecto mais rugoso; os cabelos apresentam mudança em sua cor e textura; os ossos perdem significativamente seu conteúdo mineral, muitas vezes demandando reposição; a visão e a audição são sentidos afetados em termos de perdas; a estatura apresenta também redução significativa (mudanças posturais e/ou desgaste das vértebras da coluna); no caso das mulheres, há o processo da menopausa, marcado pela não-ovulação e pela redução da produção de estrogênio (gerando muitas consequências físicas e emocionais). Enfim, há uma desaceleração geral do metabolismo corporal. De uma maneira ampla, podemos perceber que o envelhecimento traz consigo um processo natural de desgaste do corpo, que pode e deve ser encarado em um movimento pacífico e solidário de adaptações.

NOI: Com uma perspectiva de vida cada vez mais longa, a dimensão do que é velhice muda para a mulher moderna?

Vanessa Bellani Lyra: Sem dúvidas! Hoje a nova velhice feminina vem se configurando em uma etapa de vida marcada por muitas conquistas e, sobretudo, aprendizagem. A mulher idosa reaprende a viver individualmente e em grupos, num movimento que vai das atividades de vida diária até o uso das novas tecnologias. A velhice não é mais encarada como um ponto de chegada; é compreendida como um primoroso ponto de partida. Abre-se um leque de muitas possibilidades antes não realizáveis. Nosso Programa UCS Sênior conta com aproximadamente 1.000 alunos matriculados. Destes, em torno de 90% são mulheres. Faço coro ao que nos trazem os autores Sueli dos Santos e Sergio Antônio Carlos: “envelhecer é, em certa medida, o mesmo que nascer”.

 NOI: O desenvolvimento intelectual influencia um envelhecimento saudável?

Vanessa Bellani Lyra: Certamente. Uma pessoa que se mantém ativa em termos cognitivos é aquela que tem a consciência de que é sempre tempo de novas aprendizagens. Aberta ao novo, a pessoa continua sua trajetória rumo ao presente e ao futuro, com outros objetivos, inserindo-se em um mundo que, por sua vez, também está em constante mudança. Uma mente ativa proporciona um estilo de vida ativo, em sua totalidade: mente e corpo integram um todo que, neste ritmo, impulsiona o indivíduo ao bem viver nesta etapa da vida.

NOI: Que espaços há para mulheres maduras e idosas na sociedade?

Vanessa Bellani Lyra: Hoje há uma gama significativa de espaços que podem ser ocupados pela mulher idosa. Para além das academias de ginástica e musculação, dos cursos de idioma, das aulas voltadas às novas tecnologias; podemos citar os espaços públicos de lazer, como cafés, cinemas, bailes. Destaco o papel das universidades na abertura de espaços de socialização e crescimento. Tanto nos cursos de graduação como nos programas de extensão universitária, a presença da mulher idosa tem sido percebida de forma importante.

NOI: Que novos papeis a mulher idosa pode ocupar hoje?

Vanessa Bellani Lyra: A convivência com mulheres nesta faixa etária tem se mostrado bastante interessante, no que diz respeito às novas leituras de velhice. Vejo minhas alunas apresentando-se socialmente como mulheres lindas, preocupadas com sua saúde, crescimento emocional e social. A maioria delas possuem filhos e filhas em idade adulta, e grande parte tem netos. É muito bonito perceber que são ótimas mães e avós; carinhosas e prestativas com suas famílias; que por vezes faltam às aulas para assumir tais papeis. No entanto, é tão interessante quanto, perceber que estes lugares parecem não ser mais suficientes para muitas delas, e esta inquietude as faz procurar novos espaços de convivência e aprendizagem. É crescente a procura por cursos e aulas regulares que as mantenham ativas intelectual, espiritual e fisicamente. Destaco os espaços virtuais como uma descoberta muito significativa para a mulher idosa: redes sociais e aplicativos de grupos de conversa são uma constante em suas rotinas. É uma nova forma de comunicação e convivência, que notadamente faz parte das novas aprendizagens de vida. O que antes servia apenas como instrumento para aproximá-las dos filhos e netos, que nasceram na chamada “era tecnológica”; hoje se presta ao serviço de criar uma nova atitude destas mulheres entre seus próprios pares.

NOI: Por que pesquisar sobre a relação entre Corporeidade e Envelhecimento Feminino?

Vanessa Bellani Lyra: O interesse emergiu a partir da prática regular da dança, com grupos de mulheres com idade acima dos 50 anos. Estes grupos são formados desde o ano de 2013, e integram as atividades semanais do Programa de Extensão UCS Sênior, da Universidade de Caxias do Sul. Os resultados foram muito positivos e os ganhos projetam-se em diversas direções: aumento da consciência corporal, manutenção/correção postural, melhora significativa na auto-expressão e autoestima, melhora na sociabilização. O estudo que desenvolvo enquadra-se no campo das análises qualitativas para os estudos em saúde e movimento humano: Serão realizadas entrevistas individuais a partir da abordagem historiográfica da Historia de Vida, cujo objetivo é recolher dados da trajetória individual que marcaram na construção das memórias corporais, dos movimentos sistematizados que foram realizados ou não ao longo da vida e, sobretudo, das formas de se relacionar com o seu próprio corpo. Dentre os pilares influenciadores desta trajetória, pode-se destacar a família, a religião, a escola, o casamento e as práticas corporais regulares. Em um segundo momento, o estudo focalizará a utilização de imagens sobre corpo e suas representações, provenientes de duas fontes: imagens pessoais trazidas pelas mulheres do grupo investigado, e imagens coletadas na mídia impressa e digital, na atualidade. O objetivo é discutir e analisar as projeções de corpo ideal construído socialmente, e de que forma o mesmo atravessa o imaginário da mulher idosa que se percebe inserida ou afastada deste ideal. Em uma terceira etapa, será realizado um estudo utilizando um delineamento de experimento do tipo antes/depois. A intervenção proposta será aulas regulares de Dança, cujo desfecho visará a qualidade de vida das participantes, que representarão seus próprios controles, comparando o período antes/depois da intervenção. A fim de complementar a análise, de forma qualitativa, será aplicada a técnica de grupos focais, cujo objetivo será obter informações acerca dos ganhos/interferência das aulas regulares de Dança, na construção/manutenção de um novo olhar sobre o corpo e sua corporeidade. 

Caroline Pierosan