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Viva Bem

12/09/2016

O Grande Diferencial Competitivo da Acessibilidade

Ela sobreviveu ao impossível. Jovem e cheia de vida, grávida de sete meses, costumava acompanhar seu marido, motorista de caminhão. Um dia, ao desviar de um veículo na entrada de uma ponte em Caxias do Sul, o caminhão voou numa queda de 80 metros. O marido faleceu, Rosângela foi resgatada mas perdeu o bebê e ficou paraplégica. Após as fases de negação, raiva e frustração, redescobriu a vida através do esporte e tornou-se medalhista paraolímpica. Nesse relato, conta com bom humor como encara um mundo sem acessibilidade

"Hoje eu não aceito mais ser atendida na porta da loja porque não há acessibilidade para entrar, ou porque o vestiário é pequeno, ou é grande, ou foi mal projetado. Hoje eu só compro em lojas onde eu possa entrar, me locomover bem e ser muito bem atendida" Rosângela Dalcin (Foto: Orildes Maria Lottici SEC - BG) Acessibilidade será sempre um diferencial competitivo: positivo para quem a proporcionar e negativo para quem não a oferecer (Foto: Orildes Maria Lottici SEC - BG)

Nasci em Bento Gonçalves no dia 14 de abril de 1964, tenho dois irmãos, e quatro sobrinhos. Aos quatro anos de idade, saímos de Bento para morar no Nordeste, a nossa infância foi muito feliz, conhecemos varias cidades e diversas pessoas. Sempre dedicamos muita importância para nossa família, nos unimos muito. Voltamos para morar em Cruz Alta onde passei maior parte da minha adolescência e quando meu pai foi para a reserva, retornamos a Bento. Foi bem difícil pois não tínhamos mais amigos. Em 1984 conheci o César e nos casamos em outubro de 85, mas infelizmente nosso casamento durou pouco pois sofremos um acidente gravíssimo na Rota do Sol em Caxias. Fomos levados a um hospital e meu marido faleceu três dias depois. Eu estava gravida de oito meses e perdi o nenê, além de ficar paraplégica. Segundo os médicos, fui transportada muito mal. Depois de cair de uma ponte de 80m, as pessoas que me socorreram me pegaram no colo e fui passada de braço em braço. Acabei lesionando a medula. Fiquei dois meses no hospital, duas semanas na UTI, quando o médico veio me contar que eu havia ficado paraplégica e que minha lesão era irreversível, que eu ficaria em uma cadeira de rodas, foi muito difícil. Depois de alguns meses fiquei sabendo que havia o hospital Sarah Kubitschek em Brasília e eu fui pra lá, cheia de esperança, achando que poderia voltar a caminhar. Mas quando lá cheguei, os médicos explicaram que eu estava lá apenas para reabilitação e que me ensinariam a ter uma vida normal, que eu conseguiria fazer as coisas sozinhas em uma cadeira de rodas. Minha primeira reação foi de negação, fiquei revoltada. Durante vários anos não aceitei minha condição de paraplégica e por muitas vezes falei que tinha vontade de morrer. Até que um dia percebi que a vida continuava, que se não fizesse nada por mim, iria simplesmente deixar a vida passar tornando-me paralisada não só nas pernas, mas na mente também. Até então eu andava na rua e era vista como coitadinha, algumas pessoas chegavam a me oferecer esmolas. O grande segredo foi eu me aceitar. Graças à minha mãe e à minha família, decidi ir à luta, viver e ser feliz. A partir do momento em que me aceitei, resgatei minha identidade: Rosangela. Em 1992 prestei concurso para Prefeitura Municipal, passei e fui trabalhar e hoje exerço minha função no Escritório Regional da Junta Comercial. Faço análise e requerimento de livros e certidões também. Em 1997 ingressei no curso de ciências jurídicas na UCS e me formei. Só em 1996 descobri o esporte paraolímpico. Eu não queria só praticá-lo, queria ser uma atleta de ponta. Em 1999 participei do meu primeiro campeonato internacional, um Parapan no México. Durante vários anos fiz parte da seleção brasileira de tênis de mesa, por mais de 10 anos fui a primeira no ranking nacional, já fui a primeira das Américas e a 13ª do mundo. Graças ao esporte eu tive a oportunidade de competir em várias cidades do Brasil e em diversos lugares no mundo. Tenho mais de 100 medalhas e diversos títulos. Por insistência da minha amiga companheira de equipe, voltei ao hospital Sarah, pois ela dizia que do jeito que eu fazia meus exercícios eu iria morrer. E, realmente, eu não ia para o Sarah há mais de 23 anos, então em 2008 eu voltei lá e dessa vez estava aberta a aprender tudo que eles podiam me ensinar. Fiquei lá 25 dias e depois que contei para o médico como eu fazia meus procedimentos, ele comentou que não sabia como eu não tinha ainda morrido. Eu estava perdendo os dois rins e não fazia a mínima ideia, me ensinaram novos procedimentos, me sondaram, me deram remédios que vou tomar a vinda inteira. Eu acreditava que depois disso iria muito longe ainda, mas os médicos me disseram que não poderiam garantir nada. Desde 2008 sigo no tratamento que me deram, sigo na sonda. Eu mesma me sondo, faço isso de 5 a 6 vezes por dia além dos medicamentos. Relato isso porque acredito que seria bom que todos tivessem conhecimento sobre como nossa vida funciona, como é o nosso dia a dia. Imagino que o preconceito seja gerado muito pela falta de conhecimento, de não saber como lidar com as pessoas. A minha vida é cheia de horários, de disciplinas que sigo rigorosamente, eu tenho horário para fazer xixi, para tomar remédio, e sou muito regrada nisso. Mesmo assim não posso reclamar, sou uma pessoa muito feliz. Tudo foi muito importante na minha vida: meu trabalho me deu dignidade, minha faculdade me deu conhecimento, mas o esporte me ensinou a superar limites, a conviver com pessoas como eu. E outra coisa maravilhosa que o esporte me trouxe, foi ter sido uma das condutoras da Tocha Olímpica, foram os 200m mais emocionantes da minha vida.

Pessoas com Deficiência: Um Poderoso Público Consumidor

Júlio Ortolam, publicitário especialista em marketing e design de produto:

“Hoje, pelo menos 1,5 bilhão de pessoas tem deficiência no mundo, o equivalente à população da China. Se incluirmos neste grupo os que têm relação com as pessoas com deficiência, teremos a metade da população do planeta! Já pensou sobre isso? Segundo o senso de 2010, no Brasil 45,6 milhões de pessoas tem deficiência, isso significa 24% da população. Agora esse número possivelmente aumentou. São 11,2 milhões de pessoas com algum tipo de dificuldade de mobilidade. No nosso Rio Grande do Sul, quase dois milhões. A renda dessa população, no estado, é de R$200 milhões concentrado nessas famílias. No entanto muitas pessoas ainda não estão prontas e aptas para atender alguém com deficiência em sua empresa. Se olharmos nossa região, em Carlos Barbosa, quase 18% da população tem deficiência, em Garibaldi quase 19%, em Bento Gonçalves quase 22%, Veranópolis 18%, Farroupilha 20% e Caxias do Sul, 24% o que traduz 155.396 pessoas com algum tipo de deficiência neste pequeno universo. Ou seja, nessas cinco cidades existem todas essas pessoas, clientes em potencial, que possivelmente não conseguem sequer entrar em uma loja, por exemplo, por causa de um simples degrau. Essas pessoas têm renda. Não se pode pensar que não entram em determinado local porque não têm dinheiro para comprar. Se puderem entrar, talvez comprarão.  Grandes empresas como Coca-Cola e Google, já pensam em produtos para esse público, já que o impacto nos negócios seria significativo. Temos que pensar na pessoa que vai receber essa acessibilidade. O termo correto é pessoa com deficiência; a gente escuta muito na mídia, portadores de deficiência, mas esse termo é incorreto pois quem porta pode deixar de portar uma coisa. O que não acontece com a pessoa com deficiência. Mais importante: deficiência é uma característica. A pessoa com deficiência é um consumidor como qualquer outro, vai no supermercado, shopping, feiras, então temos que considerar as características que a pessoa com deficiência tem. Quando equacionamos o local, excluímos as barreiras, de forma que todos possam fazer tudo.

Falta Acessibilidade em Todo Lugar

A acessibilidade se refere também à questão do idoso. Hoje 20% da população gaúcha é idosa e daqui 15 anos será quase 50%. É muita gente com mobilidade reduzida então é fundamental pensarmos também, principalmente, no futuro. Podemos, inclusive, nos questionarmos se nós mesmos conseguiremos, daqui a alguns anos, frequentar os locais que hoje vamos regularmente. A vantagem de investir em acessibilidade hoje é a baixa oferta de produtos e serviços e o grande público potencial. Promover a acessibilidade não pode ser considerado apenas custo pois o retorno virá de várias formas, dinheiro, mídia espontânea, conformidade com a legislação e valor para a marca como uma empresa que tem responsabilidade social, que é o mais importante. Bento Gonçalves é uma cidade que recebe muitos turistas, por exemplo. Para a pessoa com deficiência viajar não é só ir a um lugar agradável; é também desfrutar da acessibilidade que pode proporcionar uma sensação de liberdade, de poder conseguir fazer todas as coisas de forma plena. As pessoas são diferentes, gostam de coisas diferentes, mas todas têm o direito de poder consumir o que quiserem e a falta acessibilidade não pode mais ser um empecilho para isso”. 

4º Café Sensorial Sindicato dos Empregados do Comércio (SEC-BG)

A palestrante motivacional, Rosângela Dalcin e o publicitário Júlio Ortolam foram as importantes vozes do 4º Café Sensorial realizado em agosto pelo Sindicato dos Empregados do Comércio (SEC-BG). O encontro é realizado anualmente, destinado a lideranças, empresários e gerentes de Relações Humanas. Para sensibilizar a sociedade e o comércio sobre as necessidades de pessoas com deficiência, o mote deste ano foi acessibilidade. "Precisamos trabalhar incansavelmente para transformar teoria em prática, para que a Lei seja cumprida na sua totalidade, para que as pessoas com deficiência sejam tratadas com igualdade tanto no mercado de trabalho quanto como clientes, para que os gestores, tanto públicos quanto privados lhes proporcionem as condições de acessibilidade necessárias para terem oportunidades condizentes com suas realidades", defende a presidente do SEC-BG, Orildes Maria Lottici, ressaltando a importância do evento. De acordo com ela o Café Sensorial é uma oportunidade para mudar a realidade. "Enquanto cidadãos e líderes sindicais temos esta responsabilidade. Queremos mais entendimento, e participação. Somos um pontinho numa imensidão, mas não podemos e não vamos desistir", compromete-se Orildes. Ela considera que a Capital Brasileira do Vinho, Bento Gonçalves, anda a passos lentos neste sentido. "Temos muitos estabelecimentos comerciais, industriais e prédios públicos sem acessibilidade. Por isso o trabalho de conscientização é tão importante", destaca.

Acessibilidade: é a possibilidade de qualquer pessoa ter acesso a qualquer coisa.
Mobilidade reduzida: o termo pode ser aplicado a qualquer pessoa. Uma gestante tem mobilidade reduzida por exemplo, um idoso, uma mulher de salto numa calçada toda irregular, etc.
Desenho universal: produtos feitos para que todos possam usar. O desenho prevê que um local seja planejado para que todas as pessoas possam circular nele.
Tecnologia assistida: produtos, projetos, equipamentos que possam ser usados para quem tem qualquer tipo de deficiência, temporária ou não.

 

Coragem na Trilha

“A vida, é muito curta para ser pequena”. A cada passo, em todo movimento, no mais simples agir, lá esta ela, a diversidade. Com ela estão também as grandes oportunidades de se obter uma mente pensante que sente e não apenas consente a partir da superficialidade de ideias previamente formadas. Neste ano fui o 3º colocado na maratona internacional de Porto Alegre e fui o primeiro deficiente visual do Rio Grande do Sul a concluir uma prova de Triatlon. Também participei, nos dias 06 e 07 de agosto, de uma das etapas do Brasil Ride, em Santa Catarina, prova de renome mundial, um mountain bike extremo, nada fácil, ainda mais quando se tem apenas 10% de visão, mas bem distante de ser impossível. Para mim as dificuldades são uma grande oportunidade de aprendizado. Os conteúdos de nossas experiências, são formados a partir dos caminhos que nossa consciência vivencia durante estas realizações. A questão é: por quais caminhos guiamos nossa mente, quando temos experiências que tangem a inclusão da diversidade? Faz parte da existência humana perder-se em pensamentos complexos e dolorosos como, ‘Porque comigo?’, ‘O que fiz de errado?’, lamentações inclinadas à desistência e a milhares de lágrimas de sofrimento. Tristezas profundas já foram constantes nos caminhos que percorri, já optei por trilhas onde acabei por ficar preso na mata densa, mas decidi que jamais me privaria do prazer da beleza do cume das montanhas mais difíceis de se alcançar. Participar do Brasil Ride - SC foi realizar um sonho. A equipe que formamos (com atletas guias ao meu redor) me mostrou que, talvez, não seja crucial enxergar, é preciso acreditar, confiar e sentir. A trilha era muito técnica mas repleta de recursos para transpor as dificuldades, dentre eles, o precioso significado das amizades. Essas tornam possível resgatar sentidos perdidos, por meio da confiança e empatia, que permitem ver além do que é físico. Sua gancheira pode quebrar, a correia estourar, mas o desejo de você ser melhor do que você mesmo, não pode acabar, pois a vida é muito curta para ser pequena. Retornamos com corações repletos de alegria. Então, mesmo quando achares difícil, movimente-se. Jamais deixe de ter coragem para viver. Concluo citando Helen Keller, escritora americana e ativista social, surda, cega em decorrência de uma doença manifestada aos 19 meses de idade: “A experiência humana não seria tão rica e gratificante se não existissem obstáculos a superar, o cume ensolarado de uma montanha não seria tão maravilhoso se não existissem vales sombrios a atravessar”. Lembre-se que a palavra coragem, que tem origem no latim, significa, “agir com o coração”. Samuel da luz Stumpf, triatleta.

Caroline Pierosan