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Recuperação Judicial

“É uma oportunidade e não uma vergonha! É um caminho para se restabelecer, para se recuperar, para dar a volta por cima e continuar cumprindo a sua função social de empresa”

 

Aline Babetzki, advogada especialista em Direito Empresarial, fala sobre um delicado (porém importante) assunto, a respeito do qual todo o empresário e empreendedor deveria saber: Recuperação Judicial. Acompanhe a percepção (bem como as orientações) dessa competente profissional da área Jurídica sobre o tema.

 

Caroline Pierosan: Qual é o momento certo para um empresário tomar decisão de pedir a recuperação judicial? 

O tema não é dos mais agradáveis para muitos empresários. Mas eu considero a recuperação judicial como mais um instrumento jurídico de reestruturação empresarial. É uma lei que está posta no ordenamento jurídico para ser aproveitada pelas empresas que dela necessitarem. Respondendo diretamente a tua pergunta: qual o momento certo? Vamos falar um pouco sobre antes do momento de pedir recuperação. Como é que uma empresa se financia? Dependendo do tamanho, ela buscará fontes tradicionais. Mas, na maioria das vezes, uma empresa começa com capital próprio - dinheiro dos sócios. Ela vai crescendo e se desenvolvendo e começa a tomar dinheiro de instituições financeiras, em volumes maiores. Se está tudo bem, se a empresa está conseguindo adimplir as obrigações contraídas, sem problema nenhum, pois as instituições financeiras servem para esta finalidade. Entretanto, às vezes, por motivos vários, as empresas começam a se endividar. Aí há, naturalmente, por parte dos bancos, a necessidade de garantias. Então há o fatídico pedido da garantia pessoal. Além das garantias que a própria empresa tem, o sócio, como pessoa física, começa a também prestar garantia pessoal seja com seu patrimônio, com seu nome, às vezes com o nome da esposa... aí começa-se a ampliar o leque de obrigações. Em seguida, pode ser que comece a faltar o dinheiro para adimplir com as obrigações trabalhistas. Então já não se tem mais o recurso do Fundo de Garantia, e começa a ficar muito apertado para o pagamento dos salários... O próximo passo é comprometer a cadeia dos fornecedores. Este é um cenário pré-recuperação judicial. Este é um sinal de que alguma coisa não está bem. Então a empresa tem que olhar para si e se perguntar “será que realmente o meu caminho é recuperação ou eu tenho algo pontual que está desequilibrando o meu caixa, a minha gestão, a minha vida empresarial?”. É possível remediar? Então não existe, necessariamente, o “momento certo”. Existem sinais na vida de uma empresa que mostram que talvez o remédio adequado seja a recuperação judicial. Os principais sinais são o endividamento por classe, um endividamento demasiado com bancos (que chegou a garantias pessoais), o comprometimento dos compromissos dos empregados, e um atraso cotidiano sistêmico e quase irremediável de pagamento aos fornecedores.

 

Esse é o momento certo de parar e considerar?

Exatamente.

 

A recuperação judicial é uma situação vergonhosa para o empreendedor?

Claro que não! Qual foi a pessoa que nunca passou dificuldades? Quem nunca fez um plano que deu errado? Quem de nós? Todos nós, pessoas físicas e jurídicas já cometemos equívocos na nossa caminhada, seja financeira, seja pessoal. Às vezes não são nem equívocos, são decisões acertadas naquele momento, mas que, por situações externas como economia, sistema tributário, quaisquer outras (às vezes uma alteração de legislação que impacta no negócio) acabam comprometendo as obrigações assumidas. Então, em momento algum, em hipótese nenhuma é vergonhoso, pelo contrário! Como eu disse: é uma lei, é um amparo legal que deve e que pode ser utilizado, com toda a certeza, por quem dela necessitar. É uma oportunidade e não uma vergonha. É um caminho para se restabelecer, para se recuperar, para dar a volta por cima e continuar cumprindo a sua função social de empresa.

 

Quais são os riscos implicados para o gestor que decide pedir recuperação judicial?

Há muito mito em torno disso! Dizem que se você tiver um administrador judicial em sua empresa, você não vai mais ter crédito, seus clientes vão desistir de você, que você vai perder o controle da empresa... Nada disso está previsto na lei e, na prática, não ocorre. Então os riscos que são inerentes à recuperação judicial são a falência (quando ela não for bem conduzida tecnicamente por um conjunto multidisciplinar de pessoas e profissionais que, devem trabalhar para alcançar esse fim); e o descumprimento da Lei por parte dos sócios (caso em que eles podem, sim, perder a administração da empresa). Mas isso não acontecerá simplesmente porque há a recuperação judicial: a lei diz quais são as possibilidades e o que se pode fazer estando nessa situação. Se o regramento for cumprido, há vida normal. Se for descumprido, aí sim pode haver problemas. Então eu vejo que os riscos seriam o risco de falência (e a lei diz quais são as hipóteses de falência) e a perda de administração (também prevista na lei). Sabendo conduzir um e outro, não vejo riscos na alternativa de restruturação empresarial.

 

Quem são os profissionais mais adequados para aconselhar o empresário nesse momento?

O advogado de sua confiança (aquele que o empresário conhece, do seu cotidiano) que, com toda certeza, vai indicar um outro colega se não se considerar capaz de fazer. Isso por que a recuperação judicial é um procedimento muito específico. Há profissionais que atuam focados nessa área. O contador será muito envolvido neste processo, bem como os profissionais de gestão, a alta administração da empresa e consultores financeiros especializados. Eu entendo que o apoio da família também é fundamental. Essencialmente, aqui na nossa região, a grande maioria das empresas são familiares. Então, normalmente há um núcleo familiar dentro do negócio. Contar com o apoio dessa família, de algum modo, é fundamental.

 

É uma decisão difícil, momento delicado que vai implicar em uma grande carga emocional; é importante, além de cuidar do âmbito jurídico e administrativo, que as pessoas também se fortaleçam para atravessar esse processo, não é?  

Exato! Até porque a recuperação judicial não deixa de ser uma confissão pública de “ter ido mal no negócio”.  O temor de quem a está pedindo é de que as pessoas vão julgar. Vão vê-lo como incompetente, que foi mau gestor, ou que foi desonesto e, por este motivo, “chegou onde está”. Na verdade a recuperação judicial vem se fortalecendo a cada ano. Se entende que sim, é um remédio jurídico. A questão da confissão pública pesa, o empresário gostaria de estar no jornal para dizer que está bem, que ganhou um prêmio, que é o melhor empregador do ano. E aí acaba indo para o veículo de comunicação para informar que está em recuperação judicial. Mas é a opção, é a possibilidade de se reerguer, de se estruturar, com toda a certeza. Se você tem uma boa estratégia, se planeja voltar ao mercado, é preciso ser forte. Há grandes cases de empresas que passaram por isso, que se reestruturaram e que estão de volta ao mercado, cumprindo sua função social. 

 

Entrevista | Caroline Pierosan
Imagens I Josué Ferreira
Edição I Fernanda Carvalho