Menu

Reportagens

23/06/2020

O Que o Turista Quer?

A preferência é por destinos e empreendimentos 4S: sustentáveis, saudáveis, seguros e solidários

O bucolismo se estende por toda a Serra Gaúcha, mas nos bastidores, Poder Público e inciativa privada traçam planos para reerguer o comércio local e o turismo (Foto: Ricardo Zeni Moreno) Muitas empresas estão descobrindo o poder do delivey e do e-commerce. Quem já possuía o comércio eletrônico estruturado tem menos motivos para reclamar (Foto: Ricardo Zeni Moreno) Em grande escala o turismo mundial teme a perda estimada de 100 milhões de empregos. Segundo informações da Organização Mundial do Turismo (OMT), o prejuízo do setor é estimado em 1 trilhão de dólares (Foto: Ricardo Zeni Moreno) O comércio precisa trabalhar híbrido com venda física e virtual. Os eventos não podem mais exigir grupo mínimo para refeições. Agora o que atrai é a limitação de grupo máximo, respeitando a legislação (Foto: Ricardo Zeni Moreno) "Luxo agora é qualidade de vida, tempo, segurança, simplicidade, discrição e bons produtos. Não é mais ostentação" (Ivane Fávero) Foto: Ricardo Zeni Moreno

Fronteiras fechadas, cancelamentos de voos, restaurantes parados. Nunca imaginamos nada igual. De segunda a sexta-feira, o Vale dos Vinhedos voltou a ser como há 20 anos. Pelas ruas bordadas de parreiras só passam tratores e carros de quem segue cumprindo a rotina de trabalho. O bucolismo se estende por toda a Serra Gaúcha, mas nos bastidores, Poder Público e inciativa privada traçam planos para reerguer o comércio local e o turismo. “Não podemos nos dar ao luxo de perder tantos empreendimentos e qualidade de vida. Por isso, um apelo que faço é que a região se una para salvar nossos destinos. Em 2001, quando comecei a trabalhar por aqui, não havia opções diferentes para jantar ou tomar um café. Quero continuar a frequentar esses lugares. Ter qualidade de vida também é viver”, avalia a mestre em Turismo e especialista em Enoturismo, Ivane Fávero. A corrida para a readequação inclui repensar maneiras para se manter competitivo. Muitas empresas estão descobrindo o poder do delivey e do e-commerce. Quem já possuía o comércio eletrônico estruturado tem menos motivos para reclamar. 

Muitas vinícolas estão com um faturamento ainda maior, visto que o vinho está sendo o psicólogo de muitos isolados. Até então, foram vendidos mais de 66,4 milhões de litros. De acordo com a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), nunca se vendeu tanto vinho gaúcho como nestes primeiros meses de 2020. No total, houve um crescimento de 29,5% nas vendas do mercado interno, em relação ao mesmo período do ano passado. A média de crescimento para o período, desde 2013, é 7,9%. O espumante também alcançou um crescimento considerável (25%). Há quem tenha experimentado o isolamento e gostado. Para outros não é questão de escolha, mas de sobrevivência. Localmente já é possível observar novos empreendimentos do ramo turístico encerrarem as atividades definitivamente. “Ninguém tem muita ‘gordura’ e muitos haviam investido em melhorias e equipamentos há pouco tempo”, lamenta Ivane. Em grande escala o turismo mundial teme a perda estimada de 100 milhões de empregos. Segundo informações da Organização Mundial do Turismo (OMT), o prejuízo do setor é estimado em 1 trilhão de dólares.  

O que se busca, agora, são alterativas de retomada com segurança. A preocupação é preservar a saúde de visitantes e visitados. “Não posso me apegar aos velhos conhecimentos. Estou estudando diuturnamente. Nunca estudei tanto na minha vida para poder me preparar e ter respostas”, afirma Ivane. Além de estar desenvolvendo planejamentos turísticos de diferentes cidades e destinos, a turismóloga foi convidada para fazer parte do grupo Tranquilamente Enoturismo, uma iniciativa da Itália, Espanha, França, Chile e Brasil, que busca divulgar os destinos turísticos voltados aos apaixonados pela bebida. Os representantes de cada país participam de uma rede de ações que visam atrair visitantes. 

 

O TURISTA PRIORIZARÁ O INVESTIMENTO EM EXPERIÊNCIAS
A seguir apresentamos a avaliação da especialista em turismo Ivane Fávero
Valor: A preferência é por destinos e empreendimentos 4S, ou seja, sustentáveis, saudáveis, seguros e solidários. “As pessoas não querem alguém que durante a pandemia deu as costas para as necessidades do mundo. Também não querem comprar de quem nem lembrou de informar sobre como estava o funcionamento do estabelecimento durante a pandemia. Essa não é a hora de vender produto. É hora de se mostrar humano”, ressalta Ivane.
Origem: com a tradição de receber 6 milhões de turistas ao ano, Gramado começa a presenciar a retomada dos visitantes que viajam de carro, da Grande Porto Alegre, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Esses também procuram experiências no Vale dos Vinhedos, Caminhos de Pedra e Garibaldi. Nesse novo mundo a pessoa local tem uma importância muito grande. Os moradores estão sendo vistos com outros olhos pelos estabelecimentos. São os novos turistas em potencial.
Slow Travel: esse já era o foco do turismo da região Uva e Vinho. Na visão de Ivane, houve um acerto na escolha das ofertas regionais. A procura por reservas ainda é muito branda. Os hotéis continuam fechados. Há uma inconstância e qualquer notícia ruim pode frear novamente o fluxo. 
Experiências físicas ou virtuais: qualquer evento poderá ser apenas virtual ou híbrido. O Garibaldi Gastrô - evento envolvendo diversos chefs de cozinha, que culminava com um jantar harmonizado dentro da Maria Fumaça, em Garibaldi, deverá ser virtual neste ano. A região Costa Doce Gaúcha (Pelotas, Rio Grande, Jaguarão, entre outros) vai realizar a Primeira Semana Farroupilha Virtual. “Não vejo nenhum problema. Qualquer evento pode ser transformado. O que não dá é deixar morrer o que se criou com muita luta ao longo desse tempo. Se nesse ano não normalizar, 2021 voltará à naturalidade. Somos seres que gostam de contato. É só ver o que está acontecendo na China. Na Europa as pessoas já estão indo às praias”, diz. 
Ressignificado do luxo: “o turista quer segurança e uma experiência significativa de vida. Não é mais ‘o ter’. Ser é o que importa. Não é ter uma bolsa ou um carrão. No final da pandemia estava todo mundo de pijama e pantufa. Ouvi de muitas pessoas que estão repensando seus estilos de vida. Nesse sentido, algo que vai despontar muito é a valorização das experiências de vida que realmente contribuem com seu modo de ser. As viagens propiciam isso. O equilíbrio com a família e a simplicidade também são tendências. O overconsumo perdeu totalmente o sentido. Claro que vamos ter menor poder aquisitivo, mas por outro lado há ricos cada vez mais ricos que não poderão viajar para fora e buscarão o luxo daqui. Aliás, o luxo está sendo ressignificado. Luxo agora é qualidade de vida, tempo, segurança, simplicidade, discrição e bons produtos. Não é mais ostentação”, avalia. 
Segmentos que mais despontam: turismo de natureza, turismo rural e enoturismo. Meios de hospedagem alternativas como cabanas, piqueniques, locais isolados, consumos de alimentos ao ar livre ou com ventilação serão os mais procurados. O comércio precisa trabalhar híbrido com venda física e virtual. Os eventos não podem mais exigir grupo mínimo para refeições. Agora o que atrai é a limitação de grupo máximo, respeitando a legislação. 
Fim da gambiarra digital: “muitos estão sobrevivendo do delivery. Vi quem começou a vender o que já fazia, mas inovou entregando pizza com vinho harmonizado, por exemplo. Criar café da manhã para datas comemorativas também é muito legal! As padarias e comércio precisam repensar seus negócios e incorporá-los. É o fim da gambiarra digital. Ou você é digital ou não.

 

 

PANORAMA DA SERRA GAÚCHA

 

Bento Gonçalves

A monotonia nos pontos turísticos da cidade causa nostalgia ao setor. O município recebeu quase 1,7 milhão de turistas em 2019, o que corresponde a um crescimento de 12,7% em relação a 2018. A pandemia de covid-19 paralisou a Maria Fumaça, um dos cartões postais mais conhecidos. O retorno ocorreria agora, no dia 8 de junho, após 80 dias de paralisação. A empresa Giordani Turismo e Eventos decidiu suspender por tempo indeterminado mediante a Resolução Federal Nº 5.893, publicada no Diário Oficial da União, no dia 3 de junho. 

No dia 4 de junho a Secretaria de Turismo apresentou o calendário de eventos presenciais, postergados para ocorrerem entre setembro e dezembro. O secretário, Rodrigo Parisotto, comenta sobre as medidas adotadas por Bento Gonçalves para uma reabertura segura: “formamos o Comitê Pró-Turismo no início da pandemia. Realizamos uma análise do Setor e montamos um planejamento estratégico. Uma das primeiras ações foi a criação do Selo Ambiente Limpo e Seguro, que assegura quem visita e quem está sendo visitado”, diz.  

Segundo o secretário, nenhum empreendimento turístico de Bento Gonçalves fechou as portas definitivamente. Apenas o Hotel Vitória Dall’Onder e o Viverone ainda não reabriram, pois como possuem outros hotéis na cidade, conseguiram se organizar. “O setor já está chamando pessoas para voltarem a trabalhar. Maio sempre foi um mês de baixa, mas com a movimentação regional ele se manteve bem. Entre junho a agosto, lançaremos uma campanha para as pessoas planejarem suas viagens”, afirma. Na tarde de quinta-feira, 4 de junho, em uma live, a prefeitura divulgou o novo calendário de eventos. Entre eles estão o Festival de Balonismo - 10 a 13 de setembro; Movelsul – 14 até 17 de setembro; ExpoBento - 08 até 18 de outubro e Avaliação Nacional de Vinhos - 07 de novembro.   

 

Caxias do Sul

Caxias do Sul estuda a realização de eventos híbridos entre o presencial e o virtual. A secretaria tem focado suas ações nos moradores de Caxias, enxergando-os como potenciais turistas. “Talvez não consigamos ter uma abrangência estadual, mas atrairemos os moradores da cidade e da região. O turista que está começando a sair não vai longe; passeia de carro, procura um lugar seguro e volta para a sua casa”, considera o secretário de turismo de Caxias do Sul, Ênio Martins. 

O primeiro evento a ser realizado após o surto de Covid-19 foi a Feira do Vinho, ocorrido no domingo, 8 de junho, na Praça Dante Alighieri.  A programação foi realizada com a parceria da Rede de Vinícolas de Caxias do Sul (Revinsul). Durante manhã e tarde, as vinícolas participantes comercializaram seus produtos em estandes com distanciamento, munidas de álcool gel e máscaras. 

O Parque da Festa Nacional da Uva está fechado e a realização da festa símbolo do município ainda é uma incógnita. “A escolha da rainha se dará, possivelmente, entre setembro e outubro para que não se perca a simbologia da data. A festa completa 90 anos em 2020. Mas tudo é ainda muito incerto”, avalia Ênio. 

Recentemente, a secretaria realizou uma ação de valorização aos motoboys que trabalham nos 30 estabelecimentos que comercializam Xis. “Caxias possui o maior número de casas de Xis do mundo. É um diferencial. O entregador recebeu uma máscara com a estampa de duas mãos segurando o lanche em frente à boca. O Xis foi entregue com sacolas e material turístico de Caxias do Sul. É algo muito simples, mas mostra nosso reconhecimento e zelo”, observa o secretário. 

 

Carlos Barbosa

O FestiQueijo 2020 foi cancelado. O evento aconteceria durante todo o mês de julho. Em 2019 a cidade recebeu cerca de 28 mil visitantes para sua maior festa. Nesse momento, 30 estabelecimentos estão sendo incentivados a usar o Selo Turismo Responsável, atestando boas práticas de segurança, limpeza e higiene. “Estamos trabalhando com o planejamento do Natal no Caminho das Estrelas para ocorrer entre 28 de novembro a 6 de janeiro. A rede hoteleira está atendendo apenas de pessoas que se hospedam a trabalho. Na semana que vem, faremos uma reunião com os três roteiros turísticos da cidade que ainda não retomaram as atividades. Somente alguns estabelecimentos isolados já estão em atividade”, informa a secretária de Turismo, Vanessa Campana. 

Os destinos turísticos de Carlos Barbosa são: Recanto Bergamasco, localizado no distrito Cinco da Boa Vista; L’Amore Di Colonia, em Santo Antônio de Castro; e Marcas do Tempo, que engloba vários pontos históricos da cidade. 

 

Farroupilha

A cidade está se organizando para a retomada dos eventos como ExpoFarroupilha e Vivere, ambos ainda sem data prevista. As festividades envolvendo o Santuário de Caravaggio, que ocorreriam em maio, foram canceladas. O secretário de Turismo e Cultura, Miguel Ângelo Silveira de Souza, reconhece que será necessário muita organização e criatividade para contornar a crise. “Temos que apostar em um turismo mais regional e local. Estamos realizando um novo estudo com base na restruturação do orçamento municipal. A prioridade agora é a saúde, contornar a questão da seca e o desemprego. Muitos que estão sem renda possuíam uma boa remuneração. É um momento difícil e me parece que vamos demorar mais do que o esperado para voltar à normalidade”, pondera.

 

Garibaldi

De acordo com o secretário de Turismo de Garibaldi, Paulo Salvi, o Conselho Municipal de Turismo trabalha na ideia de eventos comemorativos aos 120 de emancipação ocorrendo entre setembro a dezembro. Entre eles está a Feira do Livro, o Garibaldi Vintage, o Dia Internacional do Enoturismo, o Natal Borbulhante e a Virada Borbulhante, além de iniciativas privadas. “A região Uva e Vinho vinha numa crescente. Embora Garibaldi optasse por um turismo mais sustentável e não massivo, em 2019 recebemos 500 mil pessoas. No início de 2020, a Vindima e o Carnaval Retrô surpreenderam. O impacto será muito grande. Sem dúvidas será uma grande perda”, salienta. 

Salvi aposta na retomada do turismo com o desfrute de obras em execução. Após a revitalização da Buarque de Macedo, a proposta foi estendida para as ruas adjacentes: Júlio de Castilhos e avenida Rio Branco. A comunidade também terá um novo Parque da Barragem, com espaço para caminhadas e ciclovias no seu entorno. Pelo interior do município, as propostas seguem a tendência slow travel. Aos visitantes são oferecidos passeios pela Rota dos Espumantes, Estrada do Sabor, Via Orgânica, Rota Cinematográfica e Cicloturismo pelo Vale do Espumante. 

 

Texto I Priscila Boeira  - Edição I Caroline Pierosan