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Reportagens

24/01/2020

Por Mãos de Cirurgião

O médico Vinicius Ribeiro revive História e emoções recriando pequenos ícones de plastimodelismo    

"O tanque da Segunda Guerra, por exemplo, precisa ter aspecto de que realmente andou no barro, pegou sol... e isso só é alcançado com muita técnica e paciência" Vinicius Ribeiro A quantidade, porém, não é o foco da coleção de Ribeiro. Apesar de possuir 72 miniaturas dispostas em um espaço criado pela Florense especialmente para acomodá-las "Precisa gostar muito de história e de trabalho manual" Vinicius Ribeiro A organização que rege o trabalho começa pelo ambiente do atelier - bem iluminado e em cores claras "O avião montado é uma miniatura de um avião real; é uma reconstrução de algo que aconteceu" Vinicius Ribeiro

“O tanque da Segunda Guerra, por exemplo, precisa ter aspecto de que realmente andou no barro, pegou sol… e isso só é alcançado com muita técnica e paciência”, explica o cirurgião plástico Vinicius Ribeiro, ao abrir uma das portas do armário branco do atelier do seu apartamento. Ali, ele mostra as prateleiras preenchidas por caixas com kits montáveis de plastimodelismo. “Minha esposa diz que eu sou um otimista... Que acho que vou viver o suficiente para montar tudo o que tem aqui dentro”, diz, com bom humor, falando de Cintia, também médica. Cada carro de combate montado por Ribeiro exige meses de trabalho manual do médico, que, para isso, disponibiliza as horas vagas, especialmente os finais de semana. A organização que rege o trabalho começa pelo ambiente do atelier - bem iluminado e em cores claras.

A quantidade, porém, não é o foco da coleção de Ribeiro. Apesar de possuir 72 miniaturas dispostas em um espaço criado pela Florense especialmente para acomodá-las, a prioridade do médico, ao cultivar o hobby de construir pequenos aviões, tanques de guerra e carros de Fórmula 1 é a perfeição. Além da minuciosidade estética por trás de cada miniatura, o objetivo também é a fidelidade com a História. Antes de o trabalho manual, de fato, começar, são muitos dias de pesquisa online, em livros e filmes de guerra (seu assunto favorito). Ele tenta deixar as miniaturas o mais realísticas possível.

O hábito de montar miniaturas começou aos 10 anos de idade e durou até por volta dos 16. Por causa da dedicação que o vestibular e a faculdade de Medicina, em Porto Alegre, exigiram, ele precisou realizar uma longa pausa, durante vários anos, voltando a colecionar apenas após os 30, já formado, casado e morando em Caxias. “Eu sempre gostei muito de aviação. Meu pai integrava a Força Aérea e sempre adorei aviões, carros de corrida, essas coisas todas. Na época do colégio, a gente pintava com pincel e tinta a óleo”, relembra, mostrando as gavetas repletas de tintas especiais para a técnica que usa atualmente, bem mais qualificadas.

O atelier que montou em seu escritório conta com uma cabine de pintura e aparelho de secagem. “Nos momentos de folga, estou aqui. Às vezes, enquanto vejo futebol, estou montando. Mas, desde que a minha filha nasceu, dedico mais tempo para ela,” explica. “Hoje, a minha média é ter uma miniatura pronta a cada dois, três meses. É um hobby de quem gosta de ficar em casa, que é o meu caso, pois não sou baladeiro. Também precisa gostar muito de História e de trabalho manual”, avalia.

Na família, ele é o único com essa aptidão, diz. Mas a mulher e a filha apoiam o gosto. Quando viajam, já sabem que ele vai tirar um tempinho para visitar museus de guerra. “Tem uma turma grande em Caxias, uns 40 modelistas entusiastas, assim como eu, que se encontram para mostras temáticas”, conta. “O interessante é que todos nós que temos esse hobby gostamos do fato de que o avião montado é uma miniatura de um avião real, é uma reconstrução de algo que aconteceu e representa uma história”, conclui. As histórias são tão especiais que ele diz nem ter um favorito entre os 72 expostos em casa. “Quando tu tens alguma paixão, tudo tem algo de emocionante, é tipo filho. Não posso dizer que eu tenho um favorito”, explica.

Entre tantas narrativas que guarda na memória, ele escolhe contar uma que o marcou na época de exército, ao apontar para a miniatura de um helicóptero, ao fundo. Durante o ano em que passou servindo o quartel, em Uruguaiana, o presidente Fernando Henrique Cardoso visitou a cidade para um encontro com o presidente argentino. “Ele pousou de helicóptero no meu quartel e eu fui chamado para ver se estava tudo certo na maca, porque eu seria o primeiro a atender o presidente, caso algo acontecesse com ele. Até a Polícia Federal conversou comigo”, relembra. Durante as oito horas de visita em Uruguaiana (em que nada aconteceu a FHC), Ribeiro permaneceu dentro do quartel. Mas levou para a vida a lembrança do dia em que estava preparado para socorrer um presidente. Hoje, o médico tem em casa a miniatura daquele mesmo helicóptero, construída por ele.

As habilidades de cirurgião plástico (função que exerce há 19 anos) exigem muitos dos talentos do plastimodelismo. Talvez por isso ele encontre tanto prazer no lazer. “É uma válvula de escape para mim, mas que também exige boa habilidade manual e foco. Faz parte de gostar de ter algo pronto,” diz. “Eu queria ter sido piloto de avião, mas a carreira não decolou naquela época de juventude. Decidi ser médico. Primeiro, pediatra, depois, me apaixonei pela cirurgia. Eu já gostava disso aqui (diz, mostrando a coleção), porque nisso há algo de plástico, de criar, de deixar o mais perfeito possível. Mas eu não tenho nenhuma ilusão. Sei que nada disso vai voar (risos). Tenho o meu compromisso profissional estético e estático. Porém, também gosto disso”, conclui, feliz.

 

TEXTO | VALQUÍRIA VITA
EDIÇÃO | CAROLINE PIEROSAN