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Adriana Schio

09/05/2019

A Indústria 4.0 é Realidade no Brasil e no Mundo?

Novas tecnologias geram “fábricas inteligentes”, com ganhos de produtividade

Diversas tecnologias integram o escopo da indústria 4.0: internet das coisas, inteligência artificial, big data, computação em nuvem, realidade aumentada, simulação, segurança cibernética, integração de sistemas, robótica avançada e fabricação aditiva "Indústria 4.0 é um conceito, um santo graal que pode ser alcançado passo a passo. Acredito que nenhuma indústria do mundo tenha se tornado 4.0 ainda, pois a jornada digital é longa" (Claudio H. Goldbach, diretor da ABII e CEO da Termica Solutions) O Grupo Randon tem um planejamento estruturado para a indústria 4.0, com dois projetos em andamento A Aço Peças Demore, de Caxias do Sul, situada entre as maiores do segmento de fornecedores de serviços de usinagem do Sul do Brasil, investe, desde 2013, em sistemas de MES para monitorar a produção em tempo real, visando a tomada de decisões na hora que o problema acontece, a escolha do melhor processo e a realização de cronoanálises para revisão de custos

Depois da máquina a vapor, da energia elétrica e dos computadores, o mundo vive uma nova revolução (ou evolução) industrial: a da indústria 4.0, termo moldado pela Alemanha em 2012 como estratégia para a indústria nacional competir globalmente. Estados Unidos e China (que utilizam o conceito de manufatura avançada), além da Alemanha, são os maiores protagonistas do novo modelo, que preconiza o uso de tecnologias existentes e emergentes para resolver problemas antigos ou demandas já conhecidas. Mas o que isso significa na prática? Na indústria 4.0 ou nas smart manufacturing, pessoas e objetos se comunicam em tempo real, disponibilizando informações on time para a tomada de decisões mais assertivas.

Diversas tecnologias habilitadoras passam a fazer parte do escopo desse novo modelo de produção: internet das coisas, inteligência artificial, big data, computação em nuvem, realidade aumentada, simulação, segurança cibernética, integração de sistemas, robótica avançada e fabricação aditiva estão entre elas. “Costumo simplificar dizendo que indústria 4.0 trata-se de digitalização, interconectividade e novas formas de fabricação. Juntos, esses fenômenos estão levando a novos modelos de negócios, sustentabilidade, uso eficiente de recursos limitados e produção viável de produtos customizados em escala”, afirma Claudio H. Goldbach, diretor da Associação Brasileira de Internet Industrial (ABII) e CEO da Termica Solutions, de Joinville (SC).

A reflexão é se estamos realmente vivenciando uma nova revolução industrial ou apenas uma evolução com o advento das novas tecnologias aplicadas na manufatura. “Acredito que é uma evolução que vai criar uma revolução. Antes só grandes players tinham acesso. Hoje já é possível aproveitar as máquinas existentes e, com customização, conectar esses equipamentos com as novas tecnologias”, defende o engenheiro Alexandre Baroni, pós-doutor em Engenharia de Materiais, professor universitário e diretor da Bemodular. Novidades nesta área, como tecnologias de comunicação ponto a ponto (M2M) e de robótica colaborativa, foram apresentadas na Hannover Messe 2019.

A indústria 4.0 pode beneficiar todos os segmentos e portes de empresas, embora nem todas tenham capacidade de absorver ou repassar os custos dos investimentos em tecnologia para serem competitivas. A certeza é de que o novo modelo traz inúmeras oportunidades para aumento de produtividade de processos, mas sem o enfoque adequado pode dispender grandes investimentos com poucos resultados. “Não adianta automatizar processos ineficientes. O que as empresas precisam fazer antes é olhar para o seu processo atual, otimizá-lo, deixá-lo enxuto, identificar quais são os pontos críticos e criar a sua jornada para ter mais competitividade e rentabilidade, para então avaliar se vale a pena investir em automação e robôs. Isso não corrige se as etapas anteriores não forem de qualidade. A transformação digital também precisa estar dentro da estratégia e da cultura empresarial. A tecnologia deve ser vista como meio para aumentar a produtividade e não como fim”, alerta Igor André Krakheche, supervisor de educação e tecnologia do Instituto Senai de Tecnologia em Mecatrônica.

Cenário brasileiro

O Brasil está em todas as revoluções industriais, com fábricas e cadeias produtivas em diversos estágios de maturidade. A indústria calçadista, por exemplo, ainda trabalha basicamente com pessoas e pouca automação, enquanto a cadeia automotiva está tão evoluída quanto a do exterior. O país ainda engatinha na indústria 4.0. Estudos apontam que temos apenas 2% de adoção das tecnologias das “fábricas inteligentes”, enquanto na Alemanha, Estados Unidos e China esse índice chega a 15%. “Estamos em estágios iniciais. Indústria 4.0 é um conceito, um santo graal que pode ser alcançado passo a passo. Acredito que nenhuma indústria do mundo tenha se tornado 4.0 ainda, pois a jornada digital é longa”, avalia o diretor da ABII.

Desafios

Especialistas apontam que ainda temos muito a trilhar rumo à indústria 4.0 e que nesta jornada precisamos percorrer as três revoluções industriais. “A terceira, que enfatiza a utilização da TI em processos de manufatura e de robôs nas operações, ainda está distante da indústria nacional. O que preocupa é que várias iniciativas públicas e de entidades estão sendo direcionadas para a quarta revolução e não para a base (terceira). Na engenharia de produção, o timeline das revoluções industriais só apresenta entradas e não possui saídas, ou seja, uma revolução ou sistema de produção serve de base para os avanços posteriores. Além disso, temos um problema de infraestrutura crônico em nosso país. Não evoluímos as comunicações, principalmente internet (fixa e móvel), para expandirmos a utilização dessas novas tecnologias”, pondera Fabiano Nunes, professor na Universidade Feevale, consultor de empresas, doutorando em Engenharia de Produção e Sistemas e pesquisador sobre a Indústria 4.0.

Há outros desafios a serem superados, como a padronização de comunicação entre os equipamentos para conversarem entre si e com os seres humanos. No Brasil, a média de substituição das máquinas na indústria é de 17 anos, o que indica esse gap até todos os equipamentos conversarem entre si – na Alemanha essa média é de cinco anos e nos Estados Unidos, sete. A segurança dos dados também impacta no avanço da transformação digital. Outra questão é o que fazer com a quantidade e complexidade de informações geradas com todas as tecnologias disponíveis.

 

Aço Peças Demore
A Aço Peças Demore, de Caxias do Sul, situada entre as maiores do segmento de fornecedores de serviços de usinagem do Sul do Brasil, investe, desde 2013, em sistemas de MES para monitorar a produção em tempo real, visando a tomada de decisões na hora que o problema acontece, a escolha do melhor processo e a realização de cronoanálises para revisão de custos. Hoje, a empresa já coleta mais de 195 mil linhas de dados/dia, provenientes de IoT instalados em diversas áreas do parque fabril (são mais de 200 equipamentos/sensores conectados à rede). São monitorados o consumo de energia, ferramentas de corte, máquinas de produção, equipamentos de qualidade, dentre outros, sendo que alguns equipamentos são previamente programados para tomar decisões em tempo real com base nas informações coletadas. Os investimentos na indústria 4.0 foram intensificados no último ano com o projeto da célula palltech, que consiste, na primeira etapa, em dois centros de usinagem totalmente autônomos interligados a um robô de manipulação de 24 pallets. O conjunto possibilita trabalhar até 24 horas sem intervenção humana, produzindo mais de 24 tipos de produtos diferentes de forma sequencial sem a necessidade de preparação ou programação. Remotamente é possível programar e gerenciar todos os aspectos das máquinas, através de 15 IoT conectados à internet. Tudo na célula é integrado, ferramentas, pallets, programas, automação robótica, produtividade, programação de entrega, etc. O preset de ferramentas, por exemplo, utiliza um sistema de RFID no qual as informações são gravadas em um chip acoplado à ferramenta. Ao ser colocada na máquina, automaticamente é feita a leitura da ferramenta e realizado preset automático das medidas dentro do programa de usinagem. “Embora o investimento seja alto, os ganhos com o aumento de produtividade e a possibilidade de não realizar um novo setup a cada troca de linhas de produto acaba pagando rapidamente o projeto. Nossos principais objetivos ao investir na indústria 4.0 são aumentar a eficiência de produção, reduzir custos de manutenção de máquinas, conseguir prever um problema enquanto está acontecendo e, em um futuro próximo, antes que ele aconteça”, explica Michael Copelli, coordenador de tecnologia e inovação. Está prevista para outubro a chegada da segunda parte da célula palltech, aumentando de dois para quatro centros de usinagem, de 240 para 480 ferramentas e de 24 para 48 pallets.

 

Randon Implementos
O Grupo Randon tem um planejamento estruturado para a indústria 4.0, com dois projetos em andamento. Um deles está rodando há 15 meses na nova fábrica de Araraquara (SP), planejada dentro do conceito lean manufacturing e com vários aspectos de conectividade estruturados. Entre as ações está a implementação do MES (Manufaturing Execution System ou Sistema para Execução na Manufatura), atuando no controle digitalizado da execução de manufatura e suporte à indústria 4.0. O sistema será o centralizador de informação, permitindo o atingimento dos quatro estágios da 4.0: visibilidade, transparência, predição e adaptação. Conectados ao MES, projetos como o de mapeamento de movimentação interna da fábrica via tecnologia inovadora de bluetooth low energy permitirão a efetivação de ambientes digital twin da fábrica. A unidade já contabiliza ganhos importantes de produtividade com um robô para cada 10 funcionários e fluxo de movimentação dos produtos totalmente automatizado. Outra iniciativa com foco na manufatura avançada está sendo implementada no processo de estamparia na unidade da Randon Implementos, em Caxias do Sul. O objetivo é modernizar a fabricação de componentes para montagem do produto. Utilizando lasers de fibra de alta tecnologia e uma movimentação automatizada de matérias-primas e peças prontas, a iniciativa visa renovar os processos iniciais, garantindo uma excelente qualidade, produtividade e segurança aos operadores. Iniciado em 2018 e com previsão de conclusão até 2020, o projeto está estruturado em três fases. Na primeira, já implantada, estima-se um ganho de produtividade de uma máquina para três até então em operação. O projeto completo prevê a redução de 20 para seis máquinas. Na Randon Implementos há também um projeto informacional em curso – o Projeto CLM, desenvolvido em parceria com a Siemens, que tem como objetivo a criação de um ambiente digital de desenvolvimento e inovação para as áreas de design de produto e processos. Integrado ao ambiente de MES, o sistema irá comparar automaticamente o planejado ao executado, resultando em uma área de desenvolvimento competitivo para a companhia. “Focamos a indústria 4.0 ancorada em princípios de produtividade e do lean. Entendemos que não se deve automatizar fluxos deficientes e processos precários. A empresa precisa entender em que estágio de eficiência ela se encontra. Primeiro deve-se otimizar o macro fluxo e após o micro fluxo para só então aplicar automação onde for pertinente. Não queremos seguir modismos, mas ter uma base sólida focada numa cultura de produção de alta produtividade para ir inserindo as tecnologias onde elas possam auxiliar no processo de crescimento de produtividade. O foco é sempre o resultado”, afirma Bernardo Bregoli Soares, gerente industrial e plano diretor.