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Auber Césaro

07/05/2018

O Futuro do Pedal

Você se enxerga usando a bicicleta como meio de transporte diário?

A partir do desenvolvimento da infraestrutura, acessibilidade, conexão modal e redes bem conectadas, a bicicleta se torna-se um meio de transporte lógico para o cidadão "Não importa o país, o clima, a topografia, se for construída a infra para pedalar, os ciclistas aparecerão e começarão a pedalar!" "Cidades são erguidas em colunas espirituais. Como espelhos gigantes, elas refletem os corações de seus moradores. Se esses corações escurecerem e perderem a fé, as cidades perderão seu glamour"

Quero começar com uma pergunta provocativa para nós que vivemos nessas cidades do sul do Brasil: você se enxerga usando a bicicleta como meio de transporte diário? A esmagadora maioria diria que não, e logo surgem as autodefesas: é perigoso, ninguém respeita, a topografia não é favorável! Ou até mesmo defesas mais individualistas como: não tenho tempo pra isso, bicicleta é coisa para passeio de fim de semana, e por aí vai. A verdade é que nos acostumamos com o automóvel e a sua velocidade alucinante. O uso massivo do automóvel se popularizou. Muito por conta da velocidade nos acostumamos a perder referência de escala e a relação com a cidade. Eu entendo, também fui acostumado assim, com a velocidade. De certa forma pensamos que é o estilo de deslocamento que mais combina com a batida do nosso dia-a-dia. E quando a gente se acostuma com algo, aquilo se torna ‘simplesmente normal’. O empresário e escritor Jim Rohn disse que “somos a média das cinco pessoas com quem mais passamos nosso tempo”. Talvez não seja tão lógico assim alguém apontar quem somos, mas com observação e referência pode indicar ou supor quem você vai se tornar. E o ambiente em que a gente vive – a cidade por assim dizer, não exerce uma força semelhante sobre o nosso comportamento? Creio que sim. “Cidades são erguidas em colunas espirituais. Como espelhos gigantes, elas refletem os corações de seus moradores. Se esses corações escurecerem e perderem a fé, as cidades perderão seu glamour”. A citação do pensador e poeta persa, Shams Tabrizi, de 900 anos atrás, é mais verdadeira do que nunca. Voltemos à nossa provocação: a bicicleta povoou os dias brilhantes da nossa infância como uma das primeiras coisas a nos dar sentimento de liberdade. Depois, como adultos, estendemos essa liberdade ao carro, até que isso começou a se tornar um problema, de custo, de manutenção, de espaço, de congestionamento, de poluição, de segurança. E então o carro vem se tornando mais um estorvo diário, no nosso caso, ainda necessário. Mas se tivéssemos a infraestrutura adequada para uso diário das magrelas, então a bicicleta poderia nos trazer novamente a doce liberdade para gozar a ternura da infância?

Na Holanda, hoje considerado um paraíso para os ciclistas, mais de 25% dos deslocamentos diários são realizados por bicicletas. Mas nem sempre foi assim. Lá, assim como no Brasil, os carros se popularizaram durante os anos 50 e 60. O protagonismo do automóvel e sua proposta de valor como meio de deslocamento do futuro e indutor de crescimento econômico fez mudar o cenário de tal forma que as políticas públicas de planejamento urbano das cidades holandesas passaram a privilegiar o automóvel. Também não foi diferente na Holanda aquilo que vemos hoje por aqui: aumento excessivo de congestionamento, poluição do ar e aumento excessivo no número de acidentes de trânsito. No começo dos anos 70, por lá, mais de 400 crianças morreram vítimas de acidentes de trânsito envolvendo automóveis. Um movimento de reação popular, de indignação, deu voz a ativistas e população em geral, reivindicando tráfego acalmado, mudança de postura para a política pública de fomento ao uso do automóvel, e infraestrutura para ciclistas. Desde então passou-se a priorizar o uso de bicicletas. Investimentos constantes em infraestrutura, educação e proteção do ciclista  tornaram a Holanda um dos melhores lugares do mundo para se pedalar!

A partir do desenvolvimento da infraestrutura, acessibilidade, conexão modal e redes bem conectadas, a bicicleta se tornou um meio de transporte lógico para o cidadão. Essa infra custa para a Holanda cerca de 500 milhões de euros por ano. Os defensores dizem que o investimento é autossuficiente, já que trouxe a redução de custos com saúde, desenvolvimento social e outros, afinal pedalar diariamente contribui com níveis adequados de atividade física das pessoas, reduzindo casos de obesidade, hipertensão, diabetes e doenças do coração. Além disso, o aumento da infraestrutura fez reduzir acidentes de trânsito. Por aqui muitos dirão que as bicicletas atrapalham o trânsito, que os ciclistas andam nas calçadas, atravessam o sinal. Mas enquanto o trânsito de uma cidade estiver tão centrado nos carros, os que se ‘aventuram’ no pedal precisam buscar a sua proteção. A cidade é um ambiente de convívio, e neste ponto a Holanda dá mais uma lição: o país foi considerado em 2016 o melhor lugar do mundo para se dirigir, segundo consulta de satisfação dos próprios motoristas. São diferentes modos de deslocamento convivendo em harmonia, o que sugere que diversificação é uma possível solução para o trânsito caótico.

O tema das cidades está em evidência. Fóruns surgem em todo o mundo com temas dos mais diversos relacionados às cidades, e ensaiando sobre os desafios e oportunidades por vir. Na esteira do assunto em voga, encontramos campo fértil para discutir e endereçar soluções possíveis para as nossas cidades. Tenho lido e estudado muito sobre infraestrutura das cidades, planejamento, formas alternativas de transporte, e... bicicletas! Cidades improváveis em todo o mundo começam a alternar seu deslocamento diário com o uso de bicicletas. Medelín, na Colômbia é um exemplo na América Latina. Outro exemplo é Buenos Aires, que começa a mudar a sua postura com relação ao espaço público, criando ruas de tráfego acalmado, ruas exclusivas para pedestres e aumento da infra para bicicletas. Em Lisboa, a conhecida cidade das sete colinas – lê-se topografia acidentada, já se percebe maior atividade de ciclistas em deslocamento. Moscou, na Rússia, e suas temperaturas severas, também dá importantes passos nesse sentido. Aqui no Brasil já se vê o uso em boa escala em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife, mesmo ainda com infraestrutura bastante reduzida. Para as nossas cidades, que estão nesse exato momento discutindo suas estruturas de plano diretor para os próximos anos, por que não incluir um plano ciclo-inclusivo? Os especialistas em transporte ciclável sugerem: Nas cidades, não importa o país, o clima, a topografia, se for construída a infra para pedalar, os ciclistas aparecerão e começarão a pedalar!  

Auber Césaro - auber@olimoveis.com.br