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Caroline Pierosan

16/07/2019

A Foto do Meu Intelecto

Como é a cara da minha alma?

Nossa comunicação combina com a "nossa imagem" pessoal?

Sentou-se e começou a falar sem parar, o texto decorado (percebia-se que estava formatado, introjetado, e que fora dito já muitas vezes), sem espontaneidade alguma - ininterrupto. Aparência? Cansada, face pendente, olheiras profundas. Bastante sobrepeso, bastante evidente. A tentativa de ocultá-lo por baixo da camiseta preta (com a logomarca da empresa no meio do peito), apenas sobrecarregava o viés pesado daquela figura. Preto e branco. Pretos e brancos também os cabelos, cada vez mais raros, sobre a cabeça ainda relativamente jovem (pelo menos na contagem dos anos). A atitude? Velha. Preta e Branca. Preta e branca também a barba, muito por fazer, cobrindo o rosto redondo, sem qualquer ângulo, asseio ou arte.

“Muita coisa mudou desde a última vez que nos vimos. Eu, no último ano movimentei 10 milhões com o meu empreendimento. Virei pauta espontânea na imprensa local, agora estou indo para outros Estados do país”, afirmou, embora aquilo não parecesse lhe trazer felicidade alguma. Durante cerca de 20 minutos o monólogo prosseguiu. Sozinho e solitário, relatou toda a sua grandeza. A cada gole do imenso café que me servira (antes mesmo de saber o que me aguardava) tentava encontrar um caminho de conexão, um espaço (minúsculo que fosse), uma passagem (mesmo que estreita) para a significância da minha escuta, ali naquele mundo, onde apenas ele parecia habitar e transitar. Sem sucesso. Ao final, diante de tanta “grandeza” não soube o que dizer.

Há muito tempo deixei de me sentir “pequena” diante de pessoas que impõe autoelogios e grandes narrativas a respeito das próprias epopeias. Quem é culto de verdade, grande de verdade, ou rico de verdade, sabe que isso, além de ser feio, é sinal de fraqueza e de um sentimento de pequenez que o tempo todo precisa ser apaziguado (consigo mesmo) por meio das afirmações “eu fiz isso”, “eu fiz aquilo maior e melhor”, “veja o grande que sou”. Tentar entrar naquele universo “emsimesmado” me pareceu tão desgastante e cansativo que eu, depois de muito refletir, realmente não soube o que dizer. “Nem sei o que falar!” me escapou. "Disseste tantas vezes o quão grande és, e que não precisas de mim ou da minha iniciativa empreendedora, que não sou oportuna para as tuas ideias, que sou tão pequena perto de ti que, não creio que deva tentar te convencer do contrário”, larguei...

Diante da minha passividade, a fera se revelou.

Violentamente despertou, grosseiramente resmungou, vorazmente protestou. Disse que eu (logo eu ali naquela sala) teria “problemas”. Subitamente se levantou, projetando o corpo sobre a larga mesa que, por sorte, nos separava. Me obrigou a apertar-lhe a mão, como quem dá um tapa, e me deixou sozinha na sala (da sua própria empresa). Pasma, tão inacreditável era a cena, recolhi minhas coisas (nada tinha sequer sido aberto) e sai do estabelecimento, para nunca mais voltar, para nunca mais indicar, para nunca mais divulgar. Postar? Somente essa vez, para usar como ilustração negativa do algo muito importante que tenho a dizer e sobre o qual tenho refletido muito ultimamente: a gestão da imagem do nosso intelecto.

Como cuidamos da “cara da nossa alma” ?

Como é a nossa comunicação?

Muito tem se falado em gestão da imagem ultimamente. Que você tem que ter aquela determinada aparência para alcançar seus objetivos profissionais e pessoais. Que você tem que cuidar cores e cortes e tecidos. Que é preciso saber qual o dress code apropriado para cada situação... e isso é a mais pura verdade! A sua aparência tem que, realmente, transmitir aquilo que você deseja ser, ou, ao menos, aquilo que quer que as pessoas pensem que você é. Isso porque “com a aparência certa” você ganha tempo, abre as portas desejadas e causa impacto! Comprovado. Mas pouco (ou pelo menos muito menos do que o necessário) tem sido falado a respeito da forma como as pessoas se comunicam. Não raramente vemos pessoas lindas, bem vestidas (alguns até modelos) que, quando “abrem a boca” parecem ser outro ser. Isso mesmo – parecem ser uma entidade estranha dentro do corpo (ou da produção) alheia.

A maioria das pessoas não se apresenta bem quando se comunica. Falam muito alto ou baixo demais (ou não falam nada), tecem comentários deveras vaidosos, ou deveras ‘pobres’ sobre si, confidenciam coisas indevidas e, até, da vida alheia, não sabem administrar o tempo de sua fala, não sabem o que citar, não sabem quando ouvir – não sabem quando “ganhar” ou quando “ceder”... enfim, não entendem o que fazer com as oportunidades de encontro que a vida lhes proporciona. Isso gera uma série de pobres, grandes e tristes mal entendidos. Resultado de uma comunicação inconsciente, incontrolada e/ou falha é um monte de oportunidades perdidas e pessoas incríveis que deixam de se conhecer, deixam de se aliar e, até, terminam por se afastar (como na ilustração acima).

Pura incompetência em se comunicar.

Pura falta de estratégia.

Muito de não parar para refletir.

O que você fala é tão importante quanto o que você veste.

De quem você fala é tão ou mais importante do que falar de si.

Quando você fala é tão ou mais relevante do que “estar” em determinado evento e/ou ocasião ou não.

Sobre o que você fala (durante o tempo que tem disponível com as pessoas) mostra muito mais do seu caráter e do seu intelecto do que a sua roupa, a sua maquiagem, ou a grife da sua bolsa (ou do seu carro, no caso dos homens).

Ouvir é sempre mais importante que falar...

Cabe o questionamento – como nos comunicamos?

Nossa comunicação combina com a “nossa imagem” pessoal?

A foto do seu intelecto é bonita?

Como é a cara da sua alma?

Pense nisso ao se vestir amanhã.