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Caroline Pierosan

01/07/2019

O Empreendedor

“De que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Marcos 8:36)

Nossas conquistas produzem "mais vida", e para quem? O que, de fato, significam nossas empresas? (foto: Caroline Pierosan)

O empreendedor tinha um sonho. Ele queria ganhar mais dinheiro para viver melhor. Nisso depositou tempo, energia e persistência. Abdicou de momentos de lazer, parou de estudar qualquer coisa que não tivesse relação com o negócio, abriu mão de passar tempo com amigos, quase não conseguia ver a família. Mas ele foi conquistando. Cliente após cliente. O negócio foi crescendo, até que começou a dar “lucro”. Na medida que o lucro vinha, o tempo ia, como numa ampulheta da vida. Quanto mais energia e vigor se esvaiam pelo fino funil, mais a base da ampulheta se enchia das areias de dinheiro. 

O empreendedor não tinha tempo para festas, festivais, arte ou música. Não podia perder tempo. Esporte? Nem pensar! A não ser que estivesse com dor. Precisava vender, trabalhar, “lucrar mais”. Com o tempo ele construiu uma boa equipe e começou a chamá-la de “família”. Com a equipe ele passava todo o tempo. Com ela se preocupava (a equipe é peça fundamental na engrenagem do “lucro”). Na velocidade que os primeiros dias passaram, passaram também décadas. Na ampulheta da vida do empreendedor acumularam-se muitas areias de dinheiro. Muitos se aproximaram dele para tentar entender “como gerar tanto lucro?”. O nome da empresa era cada vez mais promovido. 

Pouco a pouco, o nome do empreendedor deu lugar ao nome da marca que ele mesmo criara. Isso foi devagar, e sempre, até que o nome da marca se tornasse muito mais conhecido do que o nome do empreendedor. Como um Leviatã feroz, “a marca” ganhava força, alcançava muitos lugares do mundo e inspirava pessoas. E o empreendedor? Passou a se resguardar, assim evitando sequestros, fotos, exposição... Pouco a pouco, grão a grão, ele foi sumindo. Sumiu sob as suas próprias atividades. Sumiu com medo do próprio dinheiro. Já inseparável de empresa, viu os filhos fazerem coisas diferentes da vida – “tudo isso era por vocês!”. Mas eles valorizaram viagens, experiências, seus próprios amigos, suas iniciativas pequenas, inovadoras, algumas artísticas, outras sustentáveis... “Onde foi que eu errei?”, perguntava-se, enquanto seus últimos grãos de areia findavam por esvaírem-se no funil. 

Quando chegou a hora em que o empreendedor achava que tinha conseguido todo o dinheiro necessário para “viver melhor” (eis que era exigente), não encontrou ninguém que pudesse lhe vender outra vida. “Só quero mais 50 anos!”. Não havia. Brigou com médicos e cientistas, maldisse fisioterapeutas, escorraçou enfermeiras. Bestemou céus e infernos. Mas não havia mercado para isso, coisa fatal, que ele esquecera de considerar, lá no início do seu planejamento. Acumulou tudo o que pode e, no final das contas, não deu muito tempo de “viver melhor”. Dinheiro? Esse sobrou de monte. Mais do que ele jamais imaginou que ganharia. “Deveria ter começado  a ‘viver melhor’ antes? Questionava. Depois que ele sumiu (como todos os vivos um dia sumirão), finalmente, o seu nome desapareceu. A marca, forte e vigorosa, ficou. 

Os filhos, netos e bisnetos receberam sua “herança”, e seguiram conhecidos por serem a “família da tal marca”. Falavam pouco sobre o empreendedor, afinal, não tiveram a oportunidade de saber muito o que ele sentia ou pensava - ‘estava sempre trabalhando pela família’. A marca passou a sobreviver por si. Ela não precisava mais daquele pioneiro. Por meio dele muitos outros tinham surgido. Muitas outras pessoas “vestiam a camiseta” e “davam o sangue” pela empresa. Muitos passaram a trilhar o seu caminho, e era só isso que a marca precisava! Assim ela foi, eternizando-se, como uma poderosa entidade, enquanto o grupo cada vez maior dedicava suas energias ao tratado sedutor (tempo x dinheiro). “Fizemos parte dessa história”, diziam, quando chegava-lhes o fim. 

Empreender é maravilhoso, mas, como em tudo, é prudente a busca pelo equilíbrio. Nossas conquistas produzem “mais vida”, e para quem? O que, de fato, significam nossas empresas? Diante dessa reflexão sugerimos a leitura dos conteúdos dessa edição da NOI, preparados com muito cuidado e amor, no intuito de promover a busca de todos pela sanidade e pela saúde espiritual (que nos parece ser o bem mais precioso que uma pessoa pode ter). Queremos fomentar iniciativas que instiguem nossos leitores a buscar qualidade de vida (vida de verdade). Nesse sentido destacamos veementemente a bela reportagem a respeito dos 70 anos da Marcopolo, empresa que prioriza a valorização das pessoas, bem como a coluna do montanhista Mauro Chies (pg.88), concluindo esse editorial com a primeira pergunta que deveríamos nos fazer, todos os dias, ao despertarmos: O que é o meu sucesso hoje?