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Claudete M. Soares

22/11/2018

Beleza e Saúde Mental

“A maioria das pessoas quando indagadas se estão satisfeitas com o próprio corpo dizem que não”

A maioria das pessoas quando indagadas se estão satisfeitas com o próprio corpo dizem que não

A preocupação com a beleza sempre esteve presente na história da humanidade. Os gregos, em princípio, associavam a beleza a outros valores (sabedoria, justiça, etc.). No século V a.C é que passaram a considerar corpo humano belo aquele que mostrava harmonia e proporção entre as partes. De lá para cá, mudanças substanciais foram ocorrendo nesse universo da beleza corporal e, mesmo estipulados por padrões estéticos cada vez mais exigentes para homens e mulheres no decorrer dos séculos, não há unanimidade quando nos propomos a falar do assunto. Diria que, em se tratando de uma experiência subjetiva, ela ainda está mais nos olhos de quem vê do que nos moldes impostos pela sociedade.

Todavia, a maioria das pessoas quando indagadas se estão satisfeitas com o próprio corpo dizem que não. E, quando questionadas se fariam cirurgias plásticas reparadoras para modificar o que não apreciam em si, afirmam que sim. O problema está na imposição de padrões de beleza muitas vezes inatingíveis. Tudo que destoa do que é ditado como modelo acaba sendo alvo de preconceitos e discriminações. Muitas pessoas lidam bem com isso, pois, mesmo estando fora desses padrões estéticos culturalmente estabelecidos, se mantêm conscientes contra o que estão lutando, conseguindo conviver bem com as diferenças e sendo felizes.

Outras, porém, sofrem muito, com sentimentos de frustração, insegurança, angústia, que às levam ao adoecimento psíquico e à falta de qualidade de vida. É muito comum desenvolverem transtornos depressivos, dentre outros tão presentes em nossos dias (anorexia, bulimia, vigorexia, etc.). Quando o sol do verão começa a despontar no horizonte, a ansiedade vai surgindo. Inicia-se uma corrida desenfreada para gastar os excessos alimentares cometidos no inverno e assim poder usar, sem medo dos olhares de censura, as vestimentas mais leves que expõem o corpo e que são próprias da nova estação. Mas por que o olhar do outro nos provoca esses sentimentos? Por que precisamos buscar os ditos padrões estéticos seguidos pela maioria? Afinal, onde está mesmo a felicidade? Ser belo é igual a ser feliz? É isso?

A busca da beleza pode estar associada à chamada “ânsia de ser apreciado”, referida por Willian James como o mais profundo princípio da natureza humana. Temos uma necessidade muito grande de sermos aceitos e valorizados. Se o outro nos admira, se reconhece em nós valores, isso nos dá satisfação. Mas o custo pode ser alto. Atender às expectativas dos outros muitas vezes nos leva a nos violentar. Existem recursos estéticos benéficos à saúde (física e mental) e, outros, entretanto, que podem representar riscos. O que temos visto atualmente é um desfile de corpos esculpidos a bisturi, sem critérios ou freios. Excessos que têm mutilado corpos e mentes, levando até à perda gradativa da identidade.

Não é estranho cruzarmos com conhecidos que se transmutaram em desconhecidos, pois se tornaram irreconhecíveis esteticamente. Essa insatisfação permanente, essa busca pela perfeição física sem precedentes têm custado vidas e retirado da vida o que realmente importa (como nos casos de dismorfofobia). Na verdade, não é preciso muito para ser feliz e viver em equilíbrio. A beleza sempre será apreciada, mas é discutível e nunca garantirá a felicidade. Ela poderá até contribuir em um primeiro momento, mas, sozinha, sem outros valores agregados, dificilmente se manterá. Aos olhos de quem ama, por exemplo, sempre existirá beleza.

Amor cria beleza tanto quanto beleza cria amor; cada Quixote tem a sua Dulcineia como a beleza suprema. Pergunte-se a um sapo que é a beleza, diz Remy de Gourmont, e ele responderá que é sua sapa, com aqueles olhos que pulam da cabeça, a bocarra chata, a barriga amarela”. (in Will Durant, Filosofia da vida, 1938). Na medida certa, os cuidados com o corpo podem contribuir com o aumento da autoestima, da confiança, melhorando a vida das pessoas. Por isso, é preciso identificar os conflitos psíquicos que estão por detrás dessa necessidade constante de transformação física e de aceitação. Caso contrário, continuaremos nos deparando com corpos esculpidos em academias ou à base de bisturi, mas com muitas mentes enfermas e pessoas infelizes. Precisamos aprender a nos amar e nos aceitar mais, independentemente do olhar do outro.