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Claudete M. Soares

30/05/2019

Namorar é Fundamental

Qual seria o motivo de algumas relações durarem por anos e outras sucumbirem prematuramente?

"Precisamos, antes de tudo, namorar a nós próprios"

Não resta dúvida de que tanto o namoro quanto o casamento sofreram oscilações com o passar dos anos em decorrência das constantes transformações sociais. Hoje, tudo parece mais fácil, volúvel, pode-se fazer muitos arranjos e experimentos e, se não derem certo, tudo bem, a vida segue o seu curso. Por outro lado, apesar do incremento de novas configurações familiares, ainda subjaz à nossa cultura o ideal de casamento, da sua estabilidade e importância (Amaro, 2004). Para os eternos românticos, essas mudanças não impedem que continuemos acreditando e investindo em relações saudáveis e longevas e que oportunizem crescimento individual, associado à saúde e à qualidade de vida.

Segundo dados mais recentes do IBGE, entre 2007 e 2017, o tempo médio entre a data do casamento e a data da sentença ou escritura do divórcio caiu de 17 para 14 anos. Mesmo assim, chama a atenção que diversos estudos apontam as pessoas casadas como mais felizes que as solteiras. Seria esta a razão de continuarem apostando no casamento? E qual seria o motivo de algumas relações durarem por anos e outras sucumbirem prematuramente? Pelo que se observa no trabalho clínico, diversos fatores podem estar envolvidos e que variam conforme a dinâmica relacional, mas um deles é primordial para o sucesso de um relacionamento e funciona como um fio condutor de energia, que é o sentimento amoroso (amor). Ele é uma das mais intensas e desejáveis emoções humanas (Sternberg e Grajek, 1984), mas exige cuidados e constantes investimentos.

Existem alguns clichês acerca do casamento, muito embora alguns os considerem discutíveis e, até, “fora de moda”. Um deles, bem conhecido de todos nós, é o de que “casados são eternos namorados”. Os não românticos chegam a achá-lo ridículo, pois costumam separar, e muito bem separados, os afetos e ações que envolvem as fases do namoro e as do casamento. Melhor não confundir, dizem, como se, ao casar, devêssemos esquecer o comportamento enamorado em relação ao (à) nosso (a) escolhido (a), mudando totalmente a dinâmica da relação no que toca a este aspecto.

Fato é que, os anos de convivência, não obstante o amor que os motivou, leva muitos casais a se acomodarem e a se distanciarem. Eles vão criando um modo de se relacionar repetitivo e desinteressante que, associados a outros fatores, pode conduzir ao desgaste e mesmo ao esfriamento da relação. Ser mais criativo, evitando uma rotina enfadonha, expressar amorosidade, mantendo acesa a chama do afeto, é muito importante para uma relação harmoniosa e gratificante. Por isso, o comportamento enamorado é essencial mesmo depois do casamento. Ou seja, é preciso que haja uma dinâmica tal entre os parceiros que lhes oportunize momentos mais prazerosos a dois, considerando os desejos e reais necessidades de cada um. Se antes costumavam presentearem-se durante o namoro, por que não manter a prática durante o casamento? Se eram cuidadosos com o corpo, praticavam esportes, vestiam-se com esmero, por que deixar de fazê-lo depois de formalizado o compromisso? Enfim, é preciso que continuemos a encantar a quem amamos e sendo encantados por ele. Saber dos seus desejos, dos seus objetivos de vida, escutá-lo, compreendê-lo e encontrar saídas para uma troca mais afetiva e efetiva. Portanto, é possível, depois de longos anos de convivência, manter vivos o namoro e a chama inicial, mas, para isso, é necessário empreender esforços neste sentido, como sugere a autora do desafiador livro “Como fazer amor com a mesma pessoa por toda a vida e continuar gostando”, Dagmar O’Connor.

Na verdade, quando nos referimos a namorar, não é só em relação ao outro que o fazemos. Precisamos, antes de tudo, namorar a nós próprios, amar-nos pelo que somos, aceitar-nos, sendo cuidadosos, investindo na nossa saúde física e mental, no autoconhecimento, na autoestima, melhorando-nos a cada dia e, com isso, tornando-nos mais interessantes e apreciáveis ao olhar e sentidos do outro. O mesmo se diga em relação ao nosso trabalho, à nossa família. E, acima de tudo, devemos nos manter em permanente namoro com a vida, apreciá-la na sua grandeza e nas inúmeras possibilidades de usufruí-la concretamente. Por último, parafraseando Vinícius de Moraes, eu diria que namorar é fundamental.

“Precisamos, antes de tudo, namorar a nós próprios, amar-nos pelo que somos, aceitar-nos, sendo cuidadosos, investindo na nossa saúde física e mental, no autoconhecimento, na autoestima, melhorando-nos a cada dia e, com isso, tornando-nos mais interessantes e apreciáveis ao olhar e sentidos do outro”