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Claudete M. Soares

01/11/2019

Sobre a Paixão e o Bem Viver

“Nada de grande se fez sem paixão” (Hegel)  

"É preciso coragem para viver apaixonadamente!"

Dentre tantos livros que fazem morada na minha mesa de trabalho, um deles para mim é o mais caro, pois mantém aceso o meu olhar, despertando inúmeros sentimentos, fazendo-me desacomodar vez por outra. Ele trata da paixão, amiúde tão banalizada e mal compreendida, pois, longe de apenas suscitar a ideia do insaciável e do incontrolável, ela tem a sua face positiva, quando experimentada de forma adequada e elegante. É que uma certa dose de paixão se faz necessária para manter acesa a chama da vida, para nos tirar da rede sossegada da rotina, para mundos que despertem o inusitado, provoquem espantos e convidem-nos para um viver mais intenso e significativo. Hegel dizia que “nada de grande se fez sem paixão”. Acho que ele tinha razão. Ocorre que, ao falarmos de paixão, logo vem o pensamento de que ela está relacionada ao sentimento em relação a uma pessoa, e não em seu sentido mais abrangente, envolvendo tudo aquilo que se pode experimentar de forma intensa, ou de se entregar inteiramente, independentemente dos resultados. É um apostar, um desejo, um impulso por querer vivenciar isso em qualquer campo da nossa existência. Uma paixão que, quiçá, poderá ter um lindo desfecho. Afinal, se não tentarmos, como sabê-lo? Quem procura certezas, talvez nunca consiga experimentar essas sensações. Aliás, como insisto em dizer, aprendemos muito com as frustrações. São elas que alavancam novos caminhos e experiências.

Na minha infância e adolescência, quando a minha mãe me via distante e reflexiva, depois de me chamar inúmeras vezes pelo nome, gritava a velha frase: “Guria! Não ‘tás’ ouvindo eu te chamar?, ‘tás’ no mundo da lua?” (ela é catarinense...).  E como era bom estar lá de vez em quando, confabulando com o futuro, detalhando sonhos e caminhos lindos para viver. Quem vive paixões vive um pouco assim, ou seja, na lua. Mas nem sempre em uma lua tão distante como a que paira no céu e sim naquela que, por vezes, tocamos com as mãos ou assentamos os pés. É preciso coragem para viver apaixonadamente. Apostar alto, arriscar. Seja no campo pessoal, seja no profissional, o que importa mesmo é acreditar que podemos viver experiências sem prescindir dos encantos que a vida nos oferece. Nossos medos são os maiores inibidores de boas histórias, de bons momentos. Eles fincam os pés e impedem-nos muitas vezes de sair do lugar. É preciso lutar contra eles. É preciso desapegar-se das certezas e encontrar nesta verdadeira alquimia de possibilidades mundos melhores e aprender com eles.

Cada vez que pensamos na proximidade do final de ano, volta todo um turbilhão de cobranças, do porquê de não termos feito isso ou aquilo que tínhamos planejado. Vêm os arrependimentos e a vontade louca de correr contra o tempo. É preciso ver não só cada ano novo, mas todos os dias, todas as horas, como ricas oportunidades de reescrever a nossa história colocando mais pitadas de paixão e desafios. Entregarmo-nos a novos projetos que realmente possam fazer a diferença em nossas vidas, que nos tirem daquele lugar seguro e protegido que teimamos em ficar. É preciso acolher sonhos e, se por alguma razão eles não se concretizarem do modo sonhado, que saibamos continuar vivendo e insistindo em experimentar essas emoções. Projetos que envolvem paixão estimulam a criatividade, a imaginação, inspiram, comovem e podem nos conduzir a grandes conquistas e, com isso, mudar substancialmente o rumo de nossas existências.

É preciso, acima de tudo, encerrar ciclos, deixando suscetíveis a mente e o coração a novas ideias e paixões. Como dizia George Eliot, “a paixão torna-se força quando encontra saída no trabalho dos nossos braços, na perícia da nossa mão ou na atividade criadora do nosso espírito”.