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Claudete M. Soares

09/09/2019

Temperando a Vida

A capacidade de perdoar, a humildade, a prudência e o autocontrole são enfatizados pela Psicologia Positiva

"A moderação é um dos temperos que pode tornar a vida mais saborosa"

No campo da reflexão sobre a ética e a moral, não podemos deixar de destacar a grande contribuição do filósofo Aristóteles. Ele apresentou a sua conhecida doutrina da virtude como um meio, ao deixar evidente que ela é uma espécie de mediedade, ou seja, o “meio termo” ou a “justa medida” entre dois extremos (excesso e falta). Dentre as virtudes por ele destacadas, encontramos a “temperança”, que é a qualidade ou virtude de quem é moderado, comedido em suas ações (vontades, instintos). Ela se manifesta por quatro forças do caráter, que são qualidades que protegem contra os excessos, como a capacidade de perdoar, a humildade, a prudência e o autocontrole (enfatizados pela Psicologia Positiva).

Como acentua Sponville (in“Pequeno Tratado das Grandes Virtudes”, 2010), a temperança é a moderação pela qual permanecemos donos dos nossos prazeres em vez de seus escravos. Não se trata, no seu entendimento, de desfrutar menos, mas de desfrutar melhor. “Que prazer é fumar, quando podemos prescindir de fumar! Beber, quando não somos prisioneiros do álcool! Fazer amor, quando não somos prisioneiros do desejo! Prazeres mais puros, porque mais livres. Mais alegres, porque mais bem controlados. Mais serenos, porque menos dependentes”.

Dificilmente alguém já não sentiu na própria pele as consequências dos excessos cometidos ou gerados a partir de ações de terceiros, sejam eles de que ordem for (gastronômicos), de cuidados extremos (com saúde, beleza), resultantes de condutas (workaholic, entre outros) e que poderiam ter sido evitados se fosse utilizada a moderação. Quando falamos de trabalho, por exemplo, estamos falando de algo bom. Por detrás da palavra trabalho,há uma série de aspectos positivos que podem trazer prazer e satisfação ao ser humano; todavia quando ele é levado ao extremo, em que se sacrifica tudo e a todos em seu nome, essa imoderação pode resultar em adoecimento físico e mental e, mesmo, desestruturar completamente a vida do sujeito. Mesmo aquilo que nos é caro, e que dá sentido à nossa vida, não pode prescindir do equilíbrio, da moderação. Ou seja, em todas as nossas condutas precisamos entender que não precisamos fazer demais nem de menos, apenas o suficiente para nos proporcionar bem-estar e não prejudicar os outros.

 A virtude, portanto, está no meio termo e os extremos podem estar apontando algum desequilíbrio ou mesmo a incapacidade do sujeito de lidar com alguns aspectos da vida e que, se não enfrentados adequadamente, poderão gerar consequências.

Por isso, precisamos atentar para as nossas condutas. Não adianta dizer: “Mas eu faço por amor!”. De lembrar que até o ato de amar exige equilíbrio. Amar em excesso pode sufocar e ser desastroso para os envolvidos. Como assinala Seligman (in“Felicidade Autêntica”, 2004) “A pessoa moderada não reprime suas vontades, mas espera pela oportunidade de satisfazê-las, de modo a não prejudicar a si nem aos outros”. É muito importante saber manter o autocontrole, pois “não basta saber o que é correto; é preciso ser capaz de colocar este conhecimento em prática”. 

É claro que nem sempre é fácil. Muitas vezes, é preciso valer-se de ajuda profissional para que a pessoa consiga identificar as suas forças pessoais a fim de desenvolvê-las e utilizá-las para viver melhor e se relacionar. Mas sempre vale a pena o investimento, pois a moderação é um dos temperos que pode tornar a vida mais saborosa, pois permite que dela desfrutemos serenamente, respeitando os nossos limites e os do outro. Certo estava Robert Burton: ela é uma “rédea de ouro”.