Menu

Convidados

19/05/2021

O Amor-Próprio Resiste

“Devemos, pelo autoconhecimento, saber os liames de nossas vulnerabilidades para evitarmos, se possível, certas situações que não nos levam para lugares frutíferos, bem como, pelo autoconhecimento, evitar ocasiões destrutivas e certas pessoas e situações tóxicas”

"Distanciamento de tudo que possa interferir na nossa esfera de equilíbrio íntimo"

Vivenciamos uma nova versão, não revista e inacabada, de nós mesmos. Paradoxalmente a sensação da paralisia do tempo, estamos constantemente sendo cobrados para nos reinventar, seja como filhos, namorados, pais ou profissionais. Caso contrário, poderemos ser reduzidos a apenas um prontuário ou dado código binário. Lembro-me de épocas anteriores, sinto a necessidade de pulsar o sangue muito mais do que a solidão de apenas escrever textos e guardar nas minhas “gavetas virtuais”.

 É aí que surge o elemento que distingue e diferencia um passado que se iguala com um momento presente. Quem diria que o computador seria nossa escrivaninha? Sim, o computador (e suas derivações como celulares e novos recursos tecnológicos, em geral) é apenas esse elemento diferenciador. Porém, o “estralar de dedos” nos faz lutar contra o tempo. Entre vírus biológico, vírus político e vírus virtual, somos nós, dentro de nós, que temos a força do combate contra a pandemia emocional, diante da qual todos estamos vulneráveis, independentemente de gradações e condições.

...
 

Dias com muitas atribuições, necessidades urgentes e situações econômicas improrrogáveis. O novo normal se entrelaça com a chama do fogo da vida. A prisão do isolamento e a necessidade humana de liberdade são sopros que moldam tal chama. 

Às 16h percebi que ainda não tinha almoçado e nem sequer bebido um copo de água. Fui tentar, mas me deparo com uma mensagem de uma amiga, em verdadeiro pedido de socorro virtual. Indagava sobre fortalecimento e sobre como enfrentar as dificuldades, diante de tantos vírus que ela, infelizmente, está sendo submetida. Tiro os garfos de minha mão e ouso tentar tirar a faca encravada em seu coração. Por instantes, o literal e o literário se confundem na mesma estação. 

Logo que li suas perguntas, refleti para algo: estamos atravessando a pandemia em decorrência de vírus biológico que ocasiona doença aguda respiratória, mas também estamos no colapso emocional, que reafirma a nossa humanidade, em sua profundidade, e nos faz perceber que não somos ilhas isoladas, desprovidas de sentimentos. A esse fato chamo de pandemia emocional.

Logo reflito como o amigo que tenta consolar para evitar desastres. Falo e também escuto, digo a ela e principalmente a mim. A fé resiste.

Também reflito como mestre, hoje em aulas, extensão, lives, palestras ou orientação acadêmica, e constato o colapso do nosso emocional. Assim, também me encontro como aprendiz nos cursos que faço como ouvinte. Mas não sei diferenciar mestre de aprendiz, pelo simples fato de que um necessita do outro, a despeito de qual tecnologia venha a ser utilizada. A necessidade é mais que biológica, é também humana. 

Desse modo, percebo que as pessoas estão com mais coragem de falar de si, uma vez que as novas tecnologias, ao mesmo tempo em que limitam, aprisionam e dissimulam, também permitem contatos mais próximos, afinal, uma alma sempre tocou outra, mesmo sem recurso tecnológico. Se somos humanos, possuímos o que a Ciência considera como inteligência. Porém, uma reflexão se faz necessária: sabemos utilizá-la de modo adequado?

Ou seja, possuímos a faculdade de conhecer, compreender e aprender, conforme somos submetidos às vivências institucionalizadas ou não. Somos todos iguais e a escola da vida só nos demonstra tal asserção. Resolver problemas, entender conflitos e adaptar-se à má sorte ou às mudanças são aptidões humanas, desde que o ponto fulcral seja a razão. Mas, como tudo no universo, a inteligência tem seus efeitos colaterais, o que rememora a máxima... A quem muito foi dado, muito será cobrado para conbater o bom conbate. 

Mas o que fazer para combater essa pandemia de carência emocional, ao qual fomos submetidos e estamos imersos em verdadeiras ilhas de isolamento e exclusão? Como fazer para nos tornarmos pessoas mentalmente mais fortes? Nos momentos em que nossas fragilidades estão latentes, como ser resiliente? Reflexões difíceis, mas que ouso responder ou, pelo menos, traçar meras dicas. A esperança resiste.

Combateremos o bom combate com fortalecimento espiritual, com meditação, cultivo do amor próprio (pois é o amor que Deus nos proporciona - “ame ao próximo como a ti mesmo”, ou seja, primeiro se ame para poder amar ao próximo), oração (cultivo da fé) e distanciamento de tudo que possa interferir na nossa esfera de equilíbrio íntimo. E, por mais difícil que possa ser, vai depender apenas de nós mesmos e do nosso autoconhecimento com amadurecimento. 

Se estamos num momento vulnerável devemos, pelo autoconhecimento, saber os liames de nossas vulnerabilidades para evitarmos, se possível, certas situações que não nos levam para lugares frutíferos, bem como, pelo autoconhecimento, evitar ocasiões destrutivas e certas pessoas e situações tóxicas. O amor-próprio resiste.

O ser humano não é nenhum exemplo de força em todos os momentos e isso deve ser levado em consideração. Mas por diversas vezes, em nossas vidas, encontramos forças na simplicidade e na verdade, que representam pilares de humanidade, entre outros. Precisamos identificar esses momentos e essas forças, não para ficarmos presos em nós mesmos, ou presos em situações do passado, mas para extrairmos as melhores lições e combater o bom combate de modo humano, fiel e racional. 

Se eu puder lhe ofertar conselho, sem precisar dar ou vender, como nos diz o ditado popular, mas como dica de combate da pandemia da carência emocional, caro leitor, digo-lhe que deve ser cultivada a necessidade de encontrar dentro de si as forças para a superação. Vai ser muito importante. O exercício é constante e toda longa caminhada tem que começar com um primeiro passo.

O é já foi e o passado retornou para nos fazer perceber a lógica da vida dissolvida no ar que clama para que a gente possa entender que a verdadeira reinvenção existe dentro de nós mesmos, de todos nós, na igualdade que nos une como humanos. Devemos nos conhecer para nos resolvermos e para irmos atrás dos nossos sonhos, racionalmente, como seres, indo além da resistência e promovendo a persistência de combater o bom combate.

Experimentaremos a liberdade de combater o bom combate no perseverar, o que não diferencia o mestre do aprendiz e que nos une em nossos núcleos mais elementares e humanos. Mesmo passando pela pandemia da carência emocional, é no amor-próprio que se cultiva a maior vacina, de dentro para fora, no desdobramento das ações humanas para a prática do bem.

 

 Manoel Valente Figueiredo Neto, Jurista e escritor, sendo cartorário e professor no Doutorado e Mestrado em Direito da UCS