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16/12/2020

Sinto, Logo Existo!

“As gerações boomer, X, Y e Millenium já se encontram aparentemente desamparadas neste mesmo barco”

"O &quotpenso, logo existo" do filósofo Descartes chegou no seu limite" "Assim, a procura por respostas à crise que já era incessante antes da pandemia promete não se encerrar. Se a geração boomer e X já apresentavam uma preocupação com o futuro, é possível notar a geração Y e Millenium - já adultos agora -, tenham semelhantes preocupações, porém menos com o devir e mais com as relações sociais" (Marcelo Caon)

Uma das questões aparentes nos últimos meses é a de como sairemos do período pós-pandemia: mais solidários ou voltaremos a um individualismo? Tudo parece se resumir a estas duas possibilidades, como se houvesse apenas uma resposta, sem levar em conta que antes da pandemia já ocorria um aprofundamento de sintomas de nossa cultura civilizacional: o empobrecimento do laço social e a busca incessante para sabermos o que somos, o que queremos ou o que nos importa. Na realidade, tal crise começou antes; talvez, diriam alguns, no final do século XIX. Porém, a metaconcepção do mundo ocidental se delineia de forma mais contundente na hipermodernidade das décadas de 1980 e 1990. Ali, inicia-se uma série de buscas por respostas, em especial, estudos sobre os aspectos positivos das emoções e do comportamento humano. Qual o motivo? Já não era mais possível responder a tudo com a racionalidade moderna. O “penso, logo existo” do filósofo Descartes chegou no seu limite. 

Nessa conjuntura, resolver problemas atuais e futuros significa avançar sobre a ideia de racionalidade a todo custo, até porque custa caro, sobretudo, para a nossa saúde. Durante muitos anos, a Psicologia clássica priorizou o patológico e, nesta esteira, perdeu de vista as exterioridades emocionais construtivistas como o prazer e a paz, o bem-estar psicológico, a contentamento com a vida, ignorando os benefícios que eles proporcionam aos indivíduos. Assim, a ciência deu ênfase às pesquisas em psicopatologia e aos aspectos menos saudáveis das pessoas ou dos grupos. Daí a palavra frequente que muitos conhecem hoje como “disruptivo”, que significa, em termos, a possibilidade de o ser humano investigar-se de forma ampla, já que o padrão de coletividade com que estávamos acostumados a viver entrou em colapso, apesar de conter ainda inúmeras contribuições as quais não devemos desperdiçar. 

Nesta esteira de investigação de respostas para os desafios de nosso tempo, majorados pela ação do sujeito no início do século XXI – tal como o cyberterrorismo, a questão climática, os problemas hídricos, o aumento de transtornos, depressão e tantos outros desafios da psiquê – surgiram grupos de inspiração das filosofias orientais, de pesquisas sobre psicologia, de releituras religiosas, de reintrodução da política, de um retorno ao contato com a natureza e outras tantas atitudes frente ao momento de tensão que, possivelmente, permanecerá conosco daqui pra frente.

Também ocorreu uma tentativa da volta a um “modelo do passado” como solução. Neste modelo “prodigioso” na organização do indivíduo e de família, buscou-se como meta um retorno ao bem-estar, na solução de problemas e na chegada da “felicidade autêntica”. Ocorre, entretanto, que o mundo mudou, não correspondendo ao modelo de Modernidade constituída anteriormente. Nessa busca por um ponto de convergência, também encontramos as teorias das “fórmulas mágicas” do ensurdecimento e do aumento da vociferação como vias facilitadoras na resolução das problemáticas, quando na realidade elas indicam os sintomas de uma era. 

Especificamente, na área da educação, na tentativa de respostas frente aos desafios, nossos modelos foram questionados, resultando em parte às ações consignadas e tipificadas aos modelos híbridos, à distância e às formatações tecnológicas. Também se reatualizam os campos socioconstrutivistas, nos quais o professor deixou de ser o centro da atenção, e a aprendizagem, focada no aluno, o centro dos processos educacionais. Mas ali subsiste um hiato que muitos insistem em não mencionar. Neste espaço, não é à toa que se implementaram as habilidades socioemocionais como elementos formativos do conjunto da vida do aluno, bem como as competências para a resolução de problemas do cotidiano via convite para a criatividade. Por isso, não falta atitude em poder pensar em habilidades emocionais para todos, para além dos estudantes, incluindo seus pais.

Assim, a procura por respostas à crise que já era incessante antes da pandemia promete não se encerrar. Se a geração boomer e X já apresentavam uma preocupação com o futuro, é possível notar que a geração Y e Millenium – já adultos agora –, tenham semelhantes preocupações, porém menos com o devir e mais com as relações sociais. De qualquer forma, as gerações se encontram aparentemente desamparadas neste mesmo barco.

A indagação se traduz então em como seria possível ter bem-estar e fortalecimento do indivíduo social para enfrentar as dificuldades do “devir”. O que se pode inferir é que, seja a escolha que for, as habilidades emocionais são algumas das ferramentas relevantes para dar um start para aquele que almeja sentir-se diferente. Não existe solução célere, sendo que aquele que caminha, constrói sua via no próprio processo, atravessado por investimentos internos duradouros que, por vezes, podem levar tempo. No entanto, seguindo esse novo viés, se o indivíduo puder desenvolver habilidades essenciais, ele irá, neste caminho “disruptivo”, se relacionar com pessoas curiosas, sociáveis e de mente aberta em uma atmosfera de descoberta e diversão, sem ser encurralado por dogmas, podendo aprofundar sua variedade de ideias que irão preencher, estimular e expandir sua mente. 

Esta “retomada do foco emocional” vem sendo abordada e apresentada em publicações sobre aspectos teóricos e práticos sobretudo quanto ao otimismo, à motivação e às características da resiliência (tão necessária para o bem-estar psicológico). As novas concepções e conjecturas sobre as competências emocionais em adultos passaram a ser condição sine qua non sobre contextos que levam em conta felicidade autêntica, emoção positiva, o viver o momento presente; as idiossincrasias da vida e relações com outros indivíduos. 

Dessa forma, se o cogito racional não responde a tudo, o Homo Sapiens Faber procurará transformar-se no Homo Sapiens Ludens, como diria Johan Huizinga. Contudo, não são apenas duas vias de possibilidades para o mundo pós-pandêmico. Faz-se necessário pensar que se a crise já estava alojada, ela permanecerá e, portanto, será extraordinário erigir escolhas a partir de um novo imperativo: “Sinto, logo existo”.