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Mauro Chies

08/05/2019

Vá Com Medo Mesmo!

Sem riscos não há vida, não há evolução ou progresso

"O medo é absolutamente essencial à nossa vida mas deve ser encarado de forma positiva e serena, como baliza e não como barreira"

“Você é Louco!”. Já perdi a conta de quantas vezes ouvi essa frase, por vários e muito diferentes motivos. Quando eu resolvi abandonar o faculdade de engenharia para prestar novo vestibular para Medicina, quando eu viajei para a savana africana com minha filha de quatro anos para mostra-lhe os animais in loco, quando decidi construir uma casa, quando deixei a segurança de uma sociedade para investir em um novo negócio, quando eu pratico vôo livre e, sobretudo, quando eu saio de casa para escalar uma montanha. Aprendi desde cedo a desafiar o status quo e comecei fazendo isso desafiando meus pais (confesso que dei muita dor de cabeça a eles). Posso dizer que sobrevivi à adolescência com alguns arranhões na pintura mas sem amassados. Mas por que pareço aqui justificar minhas escolhas e atos? Para introduzir o assunto que desejo abordar. Fui desafiado por minha editora a escrever sobre se alguma vez tive medo da morte ao escalar uma montanha, mas penso que a morte é inevitável e não cabe aqui dar muita atenção a algo que assim o é. Por isso decidi que seria melhor falar sobre a vida, e sobre o maior empecilho que todos nós temos presente nas nossas vidas, o medo.

Para começar, penso que quem não tem medo de nada é um ignorante. Pessoas inteligentes temem muitas coisas, sobretudo as coisas que desconhecem ou não dominam minimamente. O que faz então alguém supostamente inteligente como eu ter tomado decisões tão “amalucadas” como as que exemplifiquei há pouco? Bela pergunta e aqui vai a resposta. Nascemos absolutamente livres do medo. Um bebê não tem medo de nada, absolutamente nada, simplesmente por desconhecer tudo a sua volta, é um ignorante total. Infelizmente crescemos e somos criados para ter medo de tudo em prol da sobrevivência da espécie. Medo de água, de cobra, de fogo, de desconhecidos, de andar de bicicleta, de perder o emprego, etc. Mas o medo paralisante que impede você de sequer tentar fazer alguma coisa que deseja fazer é algo que considero patológico. O medo de tentar o novo, o medo do desconhecido, e a falha por não tentar... é covardia pura.

É esse medo sem sentido que impede as pessoas de progredirem, de aperfeiçoarem suas capacidades, que limita-as às suas caixinhas de areia enquanto o mundo a sua volta transforma-se e evolui o tempo todo. Pois é desse medo que tenho mais medo, tenho pavor. Tenho medo de me machucar ao decolar de parapente (coisa que faço há mais de 15 anos) sempre que decolo, mas não deixo esse medo primordial sobrepor-se à minha vontade e ao meu prazer de voar. Quando vou escalar uma montanha (quando você estiver lendo esse artigo estarei a caminho do Everest) tenho medo de perder os dedos ou o meu imenso nariz, tenho medo de morrer (sim, eu tenho), mas a razão me mantém focado nas soluções e não nos problemas. Faço o mesmo em tudo na minha vida, se preciso ou apenas quero fazer uma coisa considerada arriscada, seja ela qual for. Se não fosse assim eu não seria o bom cirurgião de olhos que sou, não me atreveria a mexer nos olhos de outras pessoas, mas o faço e a recompensa é maravilhosa.

O medo é absolutamente essencial à nossa vida mas deve ser encarado de forma positiva e serena, como baliza e não como barreira. Viver trata-se disso, dosar os riscos e os benefícios. Sem riscos não há vida, não há evolução ou progresso. A capacidade de gerir nossos medos é o que nos torna únicos, humanos, espécie dominante. Novos continentes não foram descobertos navegando na costa, foi preciso deixar a praia para trás e encarar o mar aberto. Então vai aqui meu conselho final, de alguém que tem medo de muitas coisas e que, mesmo assim, as abraça: Se você quer muito fazer alguma coisa, ser alguma coisa, ter alguma coisa, jamais acredite em quem disser que você é louco, e se tiver muito medo, vá com medo mesmo.