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Paulo Bertussi

08/04/2018

"Sem Nada Desnecessário"

Mobiliário – Princípio, Meio e Hoje

(1) CADEIRA COLÔNIA. Foto: Paulo Bertussi. Nos primórdios de 1900, surgiram pequenas fábricas de cadeiras, principalmente aquela tradicional cadeira com estrutura  de madeira e assento trançado manualmente com palha de tiririca (2) CAMA PATENTE. Foto: google. Projetada em 1915 pelo espanhol Celso Carrera, residente em São Paulo, a cama era construída com madeira torneada com cantos arredondados na cabeceira e pés e, provida de uma lastro de arame galvanizado, as vezes duplo como molas espirais (3) PIET ZWAR KEUKEN. Foto: PB. A criação das lâminas finas de madeira maciça permitiu ao arquiteto holandês Piet Zwar, participante do movimento Art Nouveaux De Stijl, projetar em 1938 a primeira cozinha modulada componível (3), raiz e vertente de todos os móveis planejados hoje existentes no mundo (4) PAINEIS DECORATIVOS EM BAIXO RELEVO - PREMIO IF 2018. Percebe-se que há uma comoditização de maquinário, matéria-primas, acessórios e intenções projetuais na indústria moveleira. Os mais atentos já estão se diferenciando propondo materiais menos convencionais no revestimento final do móvel, como lâminas de alumínio, aço inox, couro, tecidos,  madre-pérola, vidros especiais e acrílico com desenhos em baixo relevo

Ainda está por ser escrita a história do mobiliário nas áreas de imigração italiana na região Nordeste do Estado (RS). No acervo do Instituto de Memoria Histórica da Universidade de  Caxias do Sul (UCS) há uma quantidade enorme de registros fotográficos do mobiliário da  casa rural do imigrante e seus descendentes. Um olhar sobre estes documentos permite traçar, ainda que incipientemente, uma trajetória clara dos elementos que compunham a complementação funcional da vivenda bem como sua evolução. São por demais conhecidas as dificuldades financeiras por que passaram os primeiros imigrantes chegados em nossa região a partir do segundo quarto do século XIX. É possível imaginar, desembarcados nesta serra de áreas íngremes e de espessa cobertura vegetal, quão árduo foi o trabalho de implantar as primeiras roçadas e obter as primeiras colheitas. O resultado deste trabalho duro por muitos e muitos anos “só deu para o gasto”, ou seja, para o consumo e subsistência próprios, onde os poucos e eventuais excedentes eram comercializados em forma de escambo, quando o agricultor trocava seus produtos por outros insumos que ele não produzia, como sal, açúcar e café. Esta forma primitiva de trocas estabelecia uma frágil circulação de moeda corrente, com grande limitação de consumo. Podemos identificar claramente três momentos importantes na história do desenvolvimento econômico da região que marcaram a transição deste estado de quase indigência em que viviam nossos primeiros colonos, para um novo patamar de prosperidade. A primeira ação importantíssima, e que até hoje traz fabulosos resultados econômicos à região, foi a introdução da cultura das videiras e o consequente desenvolvimento da indústria vinícola e do mercado do vinho. O segundo marco foi o desenvolvimento da indústria extrativa de madeira com o surgimento de serrarias e início da indústria moveleira. O terceiro momento de prosperidade da colônia veio com o incentivo à plantação de trigo, garantindo o surgimento de mais um produto que permitiria uma excedente para comercialização, além do consumo próprio. Esta reflexão é indispensável para entender uma fase de nossa história em que viveu-se “sem nada desnecessário”.

Portanto, neste período o mobiliário resumia-se aos elementos de primeira necessidade. Na cozinha, que é onde a família estava mais presente, além do “focolaro”, depois o fogão de chapa e mais tarde o fogão a lenha industrializado, tinha o armário rústico da louça, bancos e mesa. Nos dormitórios, só existia a cama rústica de tábuas serradas à mão. As roupas eram dependuradas em pregos fixados nas paredes. Era tradição a noiva levar o enxoval em uma canastra de madeira, que ficava fazendo parte do mobiliário do quarto do casal. Nas residências não havia sala de estar mas sim um “saloto”, uma sala maior usada nas refeições de domingo e nas celebrações festivas. Seu mobiliário era composto de uma mesa grande com bancos ou se a família era abastada cadeiras individuais. Nesta fase toda a produção do mobiliário era doméstica usando madeiras extraídas da própria colônia em processos artesanais. As primeiras organizações de produção industrial de móveis tem início nos primórdios de 1900, quando surgiram pequenas fábricas de cadeiras, principalmente aquela tradicional cadeira com estrutura  de madeira e assento trançado manualmente com palha de tiririca (1).

Algumas fábricas chegaram a ter uma produção expressiva, como a Fábrica de Móveis Dal Pont, em Caxias do Sul e a fábrica de Cadeiras Stedile de São Marcos, hoje a Bontenpo. Tem significado importante o surgimento de indústrias que produziam a chamada cama patente (2). Projetada em 1915 pelo espanhol Celso Carrera, residente em São Paulo, era construída com madeira torneada com cantos arredondados na cabeceira e pés e, provida de uma lastro de arame galvanizado, as vezes duplo como molas espirais. O grande marco que viria transformar todas as formas artesanais de construir móveis foi a invenção, na década de 30, na Europa, da madeira contra-placada, aqui denominada de madeira compensada. Apresentava-se em chapas de dimensões diversas, resultado da colagem por métodos industriais de diversas lâminas finas de madeira maciça.

Este novo material permitiu ao arquiteto holandês Piet Zwar, participante do movimento Art Nouveaux De Stijl, projetar em 1938 a primeira cozinha modulada componível (3), raiz e vertente de todos os móveis planejados hoje existentes no mundo. No Brasil, esta versão da cozinha com balcão e armário aéreo chamou-se, por muito tempo popularmente de “cozinha americana”. Por muitos anos a chapa de madeira compensada foi a matéria prima principal das fábricas de móveis em todo o mundo. Na década de 80, a Fábrica de Acordeões Todeschini, após o incêndio que destruíu totalmente suas instalações, se reinventou e passou a ser uma das primeiras fábricas de móveis modulados componíveis do Brasil. Atualmente a indústria de móveis modulados componíveis, popularmente chamados de planejados, usa os mesmos princípios projetuais de Piet Zwar porém com outros materiais especialmente chapas de MDF ou MDP que são constituídas de farelo de madeira aglomerada e prensadas com colas químicas de alta performance. A maioria das fábricas de móveis usam estas chapas já revestidas de papel melamínico de alta resistência. As indústrias que atendem um público de maior poder aquisitivo oferece revestimentos com lâminas de madeiras nobres com acabamentos que preservam o aspecto natural da madeira, entretanto, dentro das tendências estéticas mais atualizadas também produzem móveis com acabamento em pintura sintética, laqueadas, com grande possibilidade de cores e texturas. No momento atual percebe-se que há uma comoditização de maquinário, matéria-primas, acessórios e intenções projetuais na indústria moveleira. Os mais atentos já estão se diferenciando propondo materiais menos convencionais no revestimento final do móvel, como lâminas de alumínio, aço inox, couro, tecidos,  madre-pérola, vidros especiais e acrílico com desenhos em baixo relevo. (4 A e B). Ou seja, estamos nos distanciando do “sem nada desnecessário”.