Menu

Prof. Morgana Säge

27/01/2020

Qual a Função Motivadora do Erro?

A frustração deve ser bem-vinda para que possa mostrar uma nova ou diferente forma de realizar uma mesma ação    

Eu sou fã do ERRO e da FRUSTRAÇÃO, sobretudo porque eles são os "irmãos mais novos" da RESILIÊNCIA, essa incrível capacidade humana de recomeçar depois de cair

“Prof.! Não consigo escrever... estou bloqueada”. É mais um plantão de redação na semana no curso pré-vestibular, e minha aluna, por sinal veterana no cursinho, confessa tristemente que o processo de escrita não tem funcionado. Outro aluno, este do colégio, declara que não consegue interpretar bem as questões de prova, olha de forma inconsolável para a sua nota baixa na avaliação de português e se pergunta, balançando negativamente a cabeça “por que sou tão burro?”. As reações ao erro na vida escolar não param por aí. Alguns se deprimem ou colocam a culpa no outro (leia-se, o professor, o pai, o irmão, o cachorro, a construção do lado de casa, a madrinha, ou seja, qualquer um ou qualquer coisa que não seja o próprio aluno); muitos se autoboicotam, ficam revoltados, violentos ou até se abandonam.

Nós, adultos, às vezes esquecemos (ou não percebemos) que o dia a dia de estudante é tão ou mais exaustivo, cheio de ansiedade e expectativa, do que o de um trabalhador. Há, nesse sentido, uma série de nefastas consequências que colocam a frustração e o erro em uma categoria de coisas completamente indesejáveis. Além disso, escola e família, muitas vezes, contribuem para que isso aconteça (mesmo sem perceberem e, obviamente, quererem), afinal não há tempo, nem investimento psíquico, nem paciência para lidar com o estado de letargia ou de revolta que os estudantes criam com seu próprio processo de aprendizado, seja porque a maior parte das escolas continua escrava de uma avaliação objetiva, numérica e restrita, de um calendário justo e comprometido, seja porque a família investe financeira e emocionalmente em filhos que podem (ou não) contemplar os desejos dos pais, no árduo mundo dos processos seletivos.

Mas diferente do que a maioria pode pensar, eu sou fã do ERRO e da FRUSTRAÇÃO, sobretudo porque eles são os “irmãos mais novos” da RESILIÊNCIA, essa incrível capacidade humana de recomeçar depois de cair. A negativa, a chateação, o medo de não dar certo são, muitas vezes, geradores de dores (dor de barriga, dor de cabeça e até febre ou processos alérgicos... afinal, o corpo paga de forma psicossomática por nossas emoções), mas também são momentos imprescindíveis na caminhada de qualquer estudante. Ora, se aprender significa explorar algo novo, que não se conhece ou que não se entende, qual a razão para não se dar espaço à frustração? Talvez isso seja reflexo desse mundo hipermoderno, que quer tudo (que sejamos bons em tudo o que fazemos e, ainda, lindos e saudáveis) o tempo todo (as redes sociais e os smarthphones invadem nossas casas, nossa privacidade e nosso descanso porque somos coniventes), é também hiperexigente.

Nesse contexto, é justamente nesse mundo tão caótico e disruptivo, que me parece cada vez mais importante ter a teoria “na ponta da língua”, estudar com verticalização certos conhecimentos e estabelecer relações inéditas ou diferentes entre informações. Contudo, é também fundamental ter habilidade emocional para que tudo isso possa ser posto em prática, ou seja, para que o processo cognitivo da aprendizagem realmente se consolide. E, para isso, é preciso entender os erros, encará-los, revisá-los, retomá-los para que possam se tornar acertos ou para que viabilizem ao estudante acertar na próxima vez. O erro não pode ser reduzido a um mero abraço de consolo e a um “vai ficar tudo bem”, nem a um castigo severo no fim de semana. Nessas situações, o possível aprendizado com o erro fica soterrado ora pela pena ora pela raiva; transformando-se em punição ou fim das ações do estudante. Diferente desse cenário imobilizador, o erro e a frustração devem ser bem-vindos para que possam mostrar uma nova ou diferente forma de realizar uma mesma ação.

Por isso, de todas as habilidades que um educando precisa hoje, a RESILIÊNCIA é uma das mais fundamentais. Para que ela se consolide, a vigília (e não a vigilância) faz-se importante, pois é preciso que toda a rede de adultos que fazem parte da vida do estudante perceba quando a frustração deixa de ser fonte de ativação de estudos e passa a ser uma letargia distratora nas cenas dos stories do Instagram ou em uma maratona depressiva de séries na Netflix. Quando a frustração gera consequências como essas, ela precisa ser tratada diferente, acompanhada de perto pelos familiares, pela escola e, quem sabe, por um profissional da psicologia. Por isso, até prefiro a reação raivosa e indignada do vestibulando ou do estudante à que limita, anula, deprime. Na infância e na adolescência, a força da raiva pode ser motriz e vitalizadora; ela gera, depois de um plantão de dúvidas, as respostas resilientes e poderosas, entre uma “bufada” de ar e outra: “tá... vou tentar DE NOVO escrever sobre esse tema, prof”. Ou “que RAIVA dessa questão... mas na PRÓXIMA eu acerto”, reações melhores do que rasgar a prova ou a redação e enfiá-la amassada na mochila ou no lixo acompanhadas das sentenças “eu não ia conseguir mesmo” ou “não sirvo pra isso”.

Por isso, professores e famílias devem estar atentos à função motivadora do erro e da frustração: devem deixá-los acontecer enquanto forem salutares e profícuos. Nada melhor que errar uma vez, não ver o nome no listão dos aprovados, ou até pegar uma recuperação para sabermos que, em outro momento, de uma nova forma, é possível melhorar, ressignificar os limites e ajustar as limitações e, por fim, comemorar conquistas e objetivos, com o sorriso de uma nota boa na redação, o rosto pintado de tinha guache na aprovação do vestibular ou o corpo coberto com a toga na formatura do “terceirão”. Tudo, claro, com muita resiliência.