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Thomas Pierosan

18/09/2020

A Política do Vírus

“Por que é tão difícil para humanos se unirem?” (Tedros Adhanom)

"O bem comum. Esse é o papel da política com ou sem pandemia, zelar por aquilo que é público visando o bem comum"

Estamos passando pela maior crise global do século XXI. Ao contrário do que muitos talvez imaginem, nosso século não é de paz e estabilidade, por mais que para muitos a vida cotidiana ocorra dentro de uma normalidade. A Síria, por exemplo, chegou ao décimo ano de uma brutal guerra civil que já deixou cerca de 400 mil mortos e 11 milhões de refugiados, provocando um dos maiores contingentes de deslocamento humano forçado da História. Também temos vivido outros confrontos violentos localizados como a guerra civil no Sudão do Sul e a limpeza étnica dos rohingya em Mianmar e crises econômicas como a de 2008.

Mas nenhum desses eventos, por mais gravíssimos que sejam, alterou tanto o cotidiano e gerou tantas incertezas para a maioria da população mundial quanto a pandemia que estamos passando. Costumo dizer que para os historiadores ela não é uma surpresa, pois as epidemias e pandemias acompanham a história da humanidade desde a antiguidade, assim como as guerras, crises econômicas e conflitos étnicos. Diante de uma situação como essa, qual deveria ser o papel da política?

O bem comum. Esse é o papel da política com ou sem pandemia, zelar por aquilo que é público visando o bem comum. Mas por que parece que as crises políticas se acentuaram vertiginosamente durante esse tempo? Normalmente as disputas políticas são tratadas entre grupos e partidos políticos que possuem uma visão diferente de mundo e do papel do poder público na vida das pessoas. É comum haver diferenças de entendimento na forma da condução de soluções. Mas, será que na pandemia essas diferenças deveriam ser tão grandes assim? Eu não conheço nenhum programa de partido político ou material de ideologia política que diga expressamente o que deve ser feito em casos de pandemia.

Eu acredito que falta sinceridade e humildade na prática política. Vamos ser sinceros: nenhum vereador, deputado, prefeito, governador, secretário, senador ou presidente sabe exatamente o que fazer em uma situação como essa. Nunca tínhamos vivido isso antes dessa forma, a última grande pandemia acabou em 1920, há 100 anos! O que fazemos diante de situações onde todos são afetados e “ninguém” sabe bem o que fazer? Nos unimos, juntamos os nossos melhores esforços e temos a humildade de prestar atenção a quem já está na frente no entendimento desse assunto: a medicina. É claro que as coisas não são necessariamente tão simples, existem os mais diversos interesses que fogem do nosso conhecimento, mas não precisamos dificultar.

Nós não vivemos em uma tecnocracia, não são os especialistas ou cientistas que estão com o poder de tomar as decisões que direcionam a sociedade. Achar que todo especialista pensa igual e que estão prontos para conduzir a nação está muito mais para uma crença do que para ciência. Porém, o conhecimento científico precisa ser respeitado, é ele que tem atuado em todas as epidemias recentes na História e tem tido um papel crucial em tratamentos e produção de vacinas. A varíola foi uma doença viral que assombrou a humanidade por milhares de anos, mas que foi erradicada em 1980 graças ao amplo esforço mundial que envolveu milhares de especialistas da saúde.

Os políticos não têm o poder de tomar decisões porque sabem tudo sobre todos os assuntos, até porque ninguém sabe. Creio que a melhor prática é ouvir as diferentes áreas e grupos presentes na sociedade e prestar atenção aos especialistas destas áreas. Normalmente um especialista tende a ter um conhecimento profundo na sua área, mas não necessariamente uma visão ampla de como a sua área impacta em todas as outras. Por exemplo, infectologistas tem um conhecimento profundo sobre como o vírus se propaga e o que fazer para isso não acontecer, mas creio que eles não sejam treinados para observar o quanto isso impacta na economia ou no sistema educacional. Por isso que se consulta as diferentes áreas e se estabelece prioridades. Em uma pandemia creio que algumas das principais prioridades é não perder pessoas para a doença e não sobrecarregar o sistema de saúde, o que não significa rejeitar as necessidades econômicas que têm impacto direto, inclusive sobre a saúde das pessoas, e o equilibro fiscal do país que também tem impacto direto na vida das pessoas a médio e longo prazo.

Humildade, sinceridade e reconhecimento ao conhecimento alheio, creio que sejam posturas fundamentais no combate à pandemia. Em uma república democrática, políticos não são todo-poderosos, devem ouvir e unir esforços, ainda mais contra um vírus.