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Thomas Pierosan

18/06/2020

Os Dilemas da Democracia

“A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras” (Winston Churchill)

"O grande &quotsegredo" é saber aperfeiçoar a democracia. Isso pode acontecer por meio de instituições fortes e leis bem construídas, mas precisa acontecer fundamentalmente a partir da sociedade civil."

A democracia tem sido entendida ao longo do tempo como o melhor regime de governo, e tem sido exaltada por ter sido conquistada a duras penas, o que de fato foi. Do ponto de vista histórico, podemos dizer que as democracias modernas são uma novidade dos últimos duzentos e tantos anos (por mais que ela tenha sido presente na Atenas do século V a.C. com significativas diferenças ao que consideramos uma democracia justa, como a participação feminina por exemplo). As mulheres não eram consideradas cidadãs na democracia ateniense e não participavam das decisões da cidade-estado. O regime democrático é algo a ser celebrado, mas será que já paramos para pensar o porquê? Aliás, será que somos realmente democratas ou a encaramos como um meio para outro fim não democrático? Permita-me explicar. 

A frase de Churchill que acompanha o título dessa coluna traz uma outra percepção de democracia pouco desenvolvida em nosso contexto. Normalmente costumamos atribuir à democracia uma conotação positiva, enquanto Churchill não o faz. Ela não é um regime que necessariamente irá garantir o que queremos, porém os outros regimes costumam cobrar um “preço caro demais”. Essa concepção muda a forma como nos deparamos com a democracia. Esse entendimento nos leva a estar atentos mais às suas imperfeições do que às suas qualidades.

Particularmente acredito que devemos lidar com a democracia de forma mais cética do que utópica, porque a utopia democrática nos levará facilmente à desilusão, e essa desilusão poderá abrir caminho para a preferência por outras formas de poder que são piores que a democrática. Vamos refletir? O Brasil vive uma democracia com eleição direta desde 1989, após 21 anos de regime militar (1964 – 1985) e cinco de período de transição (1985 – 1990). A eleição de 1989 teve 22 candidatos à Presidência da República, cada um, evidentemente, de um partido diferente, sendo que havia outros partidos coligados. De lá para cá, podemos dizer que a democracia resolveu os nossos problemas e que temos orgulho do nosso país por sermos democráticos? Creio ser de acordo afirmar que o Brasil não parece estar nem perto de resolver todos os seus maiores problemas apenas porque aqui há uma democracia. Então onde está o erro?

A democracia representativa de uma república como é o Brasil tem como alguns de seus pilares a liberdade de expressão, o direito ao voto e o tempo limitado no poder. Isso tem algumas implicações sócio-históricas muito significativas! Quer dizer que acreditamos ser importante haver o espaço para o contraditório e o livro intercâmbio de ideias, que todas as pessoas, a partir dos 18 anos devem participar da escolha das maiores autoridades públicas, inclusive de maneira secreta, e que, principalmente, os políticos não devem se perpetuar no poder. A experiência histórica levou boa parte da civilização a entender que muito poder concentrado na “mão” de poucas pessoas (e por tempo indeterminado) é danoso à sociedade. Isso sempre significou e significa violações sérias aos direitos humanos por parte das autoridades sem o devido julgamento e punição, a começar pelos pilares aqui mencionados que são sufocados. Portanto, como pode alguém, em um regime democrático, defender autoritarismos de direita ou de esquerda? É uma notável incoerência, pois se utiliza de meios que são possíveis apenas em um regime democrático, para se defender um regime não democrático. Isso tem sido uma constante no Brasil nas últimas décadas e ainda persiste.

Mas, se já sabemos que a democracia não é a solução dos problemas em si, conhecemos alguns de seus pilares fundamentais e percebemos a inconsistência de saudar ou desejar regimes autoritários por meio da via democrática, para onde caminharemos? Acredito que o grande “segredo” é saber aperfeiçoar a democracia. Isso pode acontecer por meio de instituições fortes e leis bem construídas, mas precisa acontecer fundamentalmente a partir da sociedade civil. Pouco adianta a estrutura estar bem montada se a engrenagem não funciona. A transformação pode e deve partir da população para as instâncias de poder e não apenas o contrário. O que poderia ser uma boa postura democrática, tanto em atos quanto em ideias a defender? 

LIBERDADE DE EXPRESSÃO: Devemos valorizar a liberdade de pensamento e expressão dentro do que está previsto em lei, mas teríamos uma participação democrática melhor se essa liberdade fosse bem utilizada, de forma construtiva e colaborativa, sabendo lidar com o contraditório e zelando pela sensatez nas mais diversas opiniões. É possível fazer críticas e ter opiniões diferentes com critério, coerência e respeito.

DIREITO AO VOTO: Parece que os brasileiros por vezes não lidam bem com essa responsabilidade. Votar em alguém, de forma alguma significa defender a qualquer custo o nome votado, pelo contrário, em uma república os governantes são dignos de serem cobrados. Reverenciá-los não é a melhor opção. Também parece ser pouco coerente com uma república democrática a prática de ofender concidadãos por terem votado em uma posição política diferente de si, isso pode facilmente ser um constrangimento à liberdade individual de consciência e decisão. Respeito e sensatez devem pautar o debate.

TEMPO LIMITADO NO PODER: Não deveríamos compactuar com ideias que enxergam a democracia apenas como um meio para um projeto de poder autoritário. O brasileiro paga um preço muito alto pelos seus “apaixonismos políticos”, por ter esperanças nem sempre sintonizadas aos ideais democráticos. Boas lideranças não elaboram um programa para se perpetuar no poder, mas investem em novas boas lideranças e em ambientes promissores.   

Por tudo o que já foi dito, a democracia tem como valor priorizar a sociedade civil mais do que os seus representantes, e não menos. Respeitar as autoridades não significa bajulá-las. Em uma república democrática, os representantes eleitos têm a obrigação de servir a população com o melhor dos seus esforços, caso isso não ocorra, a sociedade deveria estar à vontade e ter o ímpeto de cobrar e exigir, independente das decisões de voto nas eleições passadas. Se a democracia nos oferece um bom ponto de partida, cabe a nós preservá-la e utilizá-la da melhor forma.